Perspectivas e desafios da logística reversa de resíduos no Brasil | Bichara Advogados para Estadão

Impulsionada pelo debate ESG, a gestão de resíduos sólidos ganha cada vez mais espaço no cenário atual. Empresas engajadas no debate da sustentabilidade vem se comprometendo com a neutralização de suas emissões de CO2, a partir da implantação de metas e boas práticas ligadas, por exemplo, à economia circular.

Desta forma, estão sendo empreendidos esforços para o desenvolvimento tecnológico de novos processos, ampliação do portfólio de produtos com conteúdo reciclável e foco na implementação efetiva de instrumentos legais existentes.

Um desses instrumentos é a Logística Reversa (LR), criada em 2010 pela Lei Federal nº12.305, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Passados pouco mais10 anos desde a publicação da PNRS, a exigência da LR vem ganhando tração.

O Decreto Federal nº 7.407/2010, que regulamenta a PNRS, determina que a LR será implementada e operacionalizada por meio de acordos setoriais, decretos ou termos de compromisso, devendo ser observada por importadores, fabricantes, distribuidores, comerciantes e consumidores, na lógica da responsabilidade compartilhada.

Desde então, em âmbito federal, foram implantados inúmeros sistemas de LR, dentre eles os de resíduos e embalagens de agrotóxicos, pneus inservíveis, baterias de chumbo ácido, óleos lubrificantes, produtos eletroeletrônicos, pilhas e embalagens. No caso das embalagens, por exemplo, foi firmado acordo setorial em 2015, com meta de 22% de retorno dos materiais.

Contudo, em razão da especificidade do setor, foram implementados sistemas próprios, como, por exemplo, para embalagens de aço e medicamentos domiciliares, recentemente regulamentado pelo Decreto Federal nº 10.388/2020. Atualmente, encontra-se em fase de consulta pública junto ao MMA proposta de decreto de LR de embalagens de vidro, face à qual a ABRAMPA¹ publicou Nota Técnica tecendo considerações sobre as diretrizes propostas.

No cenário estadual, São Paulo foi o precursor do tema. Ainda em 2015, foi publicada a  resolução SMA nº 45 que, de forma inovadora, vinculou a LR à emissão ou renovação da licença ambiental dos empreendimentos. Com base na Decisão de Diretoria CETESB nº114/2019, São Paulo conta com 15 Termos de Compromissos sobre LR.

No Rio de Janeiro, o tema foi regulamentado pela Lei Estadual nº 8.151/2018 e Resolução SEAS nº 13/2019, as quais exigem o Ato Declaratório de Embalagens (ADE) e o Plano de Metas e Investimentos (PMIn) relativos às embalagens. Atualmente, o estado conta com uma Comissão Permanente de Logística Reversa, criada em 2020², havendo previsão para assinatura de 5 novos termos ou acordos setoriais ainda em 2021.

Outro estado que ganhou destaque no cenário da LR foi Mato Grosso do Sul. Ano passado, o Ministério Público (MP) intimou mais de 9 mil empresas para cumprirem com as obrigações da LR, regulamentadas pelo Decreto Estadual nº 15.340/2019.

O frenesi no estado não é recente. Desde 2015, quando Campo Grande ficou de fora do acordo setorial nacional de embalagens, diversas ações, impulsionadas pelo MP, com contribuições do TCE, foram adotadas para que a LR fosse efetivada. À época, foram instaurados Inquéritos Civis em todos os municípios do estado e, tempos depois, ajuizadas mais de 130 ações civis públicas em face de inúmeras associações.

Após a regulamentação do tema pelo Decreto, os Inquéritos vem sendo arquivados e, com o engajamento das empresas, foram firmados acordos judiciais para dirimir o assunto e arquivar as demandas. Dados atuais do TCE revelam que, atualmente, 4.875 empresas aderiram ao sistema estadual.

Outros estados também vêm ganhando espaço quando o tema é LR. No Amazonas, foi assinado, em 2020, Termo de Compromisso de LR de embalagens. No Maranhão, foi publicada a Lei nº 11.326/2020, que estabelece a obrigatoriedade da LR. Por fim, no Rio Grande do Sul foi aberta consulta pública para LR de produtos que contenham metais pesados.

É inegável, portanto, que o tema da LR vem ganhando impulso no país, no entanto, ainda há diversas barreiras para sua efetiva implantação. 

As normas atuais ainda têm lacunas sobre diversos aspectos, sendo a principal delas a falta de clareza quanto aos vínculos da responsabilidade compartilhada dos atores da cadeia, pois não define quem financia quais parcelas dentro do sistema da LR. Em razão disso, muitos distribuidores e comerciantes ainda não se sentem parte do sistema, refletindo uma responsabilidade quase que exclusiva dos fabricantes e brand owners.

Além disso, a competência concorrente atribuída a todos os entes federativos para legislar sobre a LR gera grande insegurança jurídica, vez que cada estado e município pode determinar suas próprias metas e regras relacionadas à LR. Em razão disso, a Coalizão Embalagens, entidade gestora do setor, trabalha junto ao MMA para atribuir uma meta nacional única de LR.

Ainda há um longo e árduo caminho a ser percorrido, mas, dados os avanços atuais, alicerçados pelas recentes mudanças do Marco Legal de Saneamento³ e da nova Lei de Licitações [4], com novos marcos para o fim dos lixões e ajustes nos aspectos contratuais municipais, espera-se maior engajamento tanto do setor privado, quanto do poder público. O que se vê hoje é que, apesar dos esforços, não há isonomia entre os diversos atores envolvidos, com sobrecarga dos fabricantes e pouco incentivo do poder público para viabilizar maior uniformidade, garantindo-se, verdadeiramente, a responsabilidade “compartilhada”.

¹ ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS MEMBROS DE MINISTÉRIO PÚBLICO DE MEIO AMBIENTE
² Resolução Conjunta Seas/Inea nº 26/2020.
³ Lei Federal nº 14.026/2020
Lei Federal nº 14.133/2021

Fonte: Bichara Advogados para Estadão