Em 10 de dezembro celebra-se o Dia Internacional dos Direitos Humanos. Nesta data, em 1948, foi proclamada pela Assembleia Geral da ONU a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Síncrona à comemoração, a realização da copa do mundo de futebol de 2022 no Catar suscita discussões para além do entretenimento, em razão das denúncias de violações das liberdades fundamentais no país-sede do evento.
O princípio da dignidade humana é de conceituação complexa por possuir contornos fluídos, cujo primordial propósito de sua incorporação em um ordenamento jurídico é a proteção da condição humana ao tomar a pessoa sempre como um fim e nunca como um meio. Portanto, sendo contrária à
dignidade humana tudo o que reduzir a pessoa à condição de objeto.
Conforme a cultura e história de cada povo, aquilo que é ou não essencial ao ser humano será variável – posto que o princípio da dignidade humana não é um conceito matemático. Prova foi a flexibilização crítica na realização do evento na Rússia, de posicionamento aos valores de pluralidade e igualdade questionáveis. Assim, de acordo com Anderson Schreiber “[…] seu uso indiscriminado pode conduzir à banalização de um conceito que ocupa posição central na ordem jurídica contemporânea (SCHREIBER, 2014, p. 8).
Aqui não se pretende o debate no conflito entre a soberania estatal e a defesa dos direitos humanos, mas evidenciar o motivo das críticas que a entidade que organiza o mundial de futebol está sofrendo, vez que possui expressa proteção aos direitos humanos no artigo 3 do seu estatuto¹, bem como política de direitos humanos implementada desde 2017² .
Constata-se que compromissos de política e regulamentação interna de sustentabilidade, transparência, gestão e respeito aos direitos humanos (também discutidos nas empresas) são relevantes aos negócios e devem ser de fato abraçados e levados à sério para tomada de decisões estratégicas ou se sujeitará
à protestos com riscos de danos à imagem e instabilidade no cumprimento de contratos³.
O princípio da igualdade e o direito da antidiscriminação
No ordenamento jurídico brasileiro, a igualdade como princípio decorrente da dignidade da pessoa humana tem seu conteúdo compreendido da bipartição nas dimensões formal (todos são iguais perante a lei) e material (correspondente ao ideal de justiça social, distributiva e quanto ao reconhecimento de identidades) dirigida sobretudo pelos critérios de gênero, orientação sexual, idade, raça e etnia (PIOVESAN, 2018, p. 284).
Avançando, existe a possibilidade de acrescentar elementos, princípios e institutos para compreensão do conteúdo jurídico do princípio da igualdade como proibição da discriminação em um verdadeiro direito da antidiscriminação, conforme Roger Raupp Rios “[…] fixados estes conteúdos jurídicos, submetem-se
os casos concretos à decisão, extraindo de tais mandamentos as consequências jurídicas pertinentes” (RIOS, 2008, p.13).
Os direitos humanos como fonte reguladora das normas por via indireta – aplicação prática (ADO nº 26)
A “vontade geral” não necessariamente se coaduna à “vontade do legislador” na votação das leis, a exemplo da inércia do Congresso Nacional em legislar acerca da criminalização da homotransfobia em negação à comunidade LGBTQIA+ a proteção e tutela do Estado; Plauto Faraco de Azevedo observa sobre a distância que existe entre o idealismo rousseauniano e a realidade da elaboração legislativa (AZEVEDO, 2000, p.129).
No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO nº 26) o STF decidiu pela criminalização da homotransfobia, consagrando os direitos humanos como fonte reguladora das normas por via indireta para atingir os anseios decorrentes da evolução social. No estudo dos desafios da ADO,
Gilmar Ferreira Mendes aponta que “[…] ela é fundamental, sobretudo, para a concretização da Constituição como um todo, isto é, para a realização do próprio Estado de Direito democrático” (MENDES, 2012, p. 68).
No Brasil, os direitos humanos interferem na adaptação das normas e são instrumento de adequação da lei às evoluções sociais, sejam singulares ou coletivas. Outro reflexo prático da fonte reguladora dos direitos humanos percebeu-se após o julgamento da ADO n. 26, quando a Procuradoria da Justiça
Desportiva emitiu a Recomendação n. 01/2019, na qual fixou diretrizes destinadas à punição de manifestações preconceituosas em decorrência da opção sexual praticadas por torcedores ou participantes das competições.
¹ https://digitalhub.fifa.com/m/7812bd8394004ea1/original/FIFA_Statutes_2022-PT.pdf
² https://www.fifa.com/about-fifa/organisation/news/fifa-publishes-landmark-human-rights-policy-
2893311
³ https://www.uol.com.br/esporte/colunas/lei-em-campo/2022/11/18/copa-proibicao-de-bebida-
perto-dos-estadios-deve-gerar-prejuizo-a-fifa.htm
Referências
AZEVEDO, Plauto Faraco de. Aplicações do direito e contexto social. 2. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.
MENDES, Gilmar Ferreira. Controle Abstrato de Constitucionalidade: ADI, ADC e ADO: Comentários à lei n. 9868/99. São Paulo: Saraiva, 2012.
PIOVESAN, F. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
RIOS, Roger Raupp. Direito da Antidiscriminação: discriminação direta, indireta e ações afirmativas.
Porto Alegre: Livraria do advogado Editora, 2008.
SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
Fonte: Lippert Advogados