Por Luiza Neves Silva Chang e Caetano de Vasconcellos Neto
Recentemente, por ocasião da vista do presidente Lula a seu homólogo chinês, Xi Jiping, noticiou-se a celebração de acordo no âmbito do sistema financeiro e de transações interbancárias internacionais. Um memorando de entendimentos foi firmado entre o Banco Central (BC) e o Banco Central da China (PBC), apto a viabilizar um instrumento financeiro que permita que as transações feitas em yuan sejam convertidas em reais diretamente, sem a necessidade de usar o dólar norte-americano como intermediário.
A China e o Brasil são grandes parceiros comerciais desde 2009. A corrente de comércio — incluindo exportações e importações — já atingiu recorde de US$ 150,5 bilhões, ou cerca de R$ 767,4 bilhões em conversão direta. Segundo informou o BC, o acordo prevê que o PBC indique uma instituição autorizada a operar o câmbio no Brasil, atuando como uma “offshore clearing bank no Brasil”. A instituição ainda reforça que essa é uma iniciativa chinesa que já está presente em mais de 25 países.
Na página oficial do governo brasileiro anunciou-se que o Banco Bocom BBM aderiu ao Cips (China Interbank Payment System), a alternativa chinesa ao Swift. Vale esclarecer que o código Swift permite que as contas das instituições financeiras ao redor do mundo se conectem ao mesmo sistema e a transferência de valores internacionais aconteça.
A expectativa imediata é a redução dos custos de transações comerciais com o câmbio direto entre BRL (o real brasileiro) e RMB (o yuan chinês). Tanto quanto se sabe, este banco privado é o primeiro participante direto do sistema na América do Sul.
Mas o que concretamente poderá ser impactado com o acordo, além da revelada expectativa de redução dos custos de transações, dada possibilidade de conversão direta entre o real e o yuan?
Essa nova ferramenta tem o potencial de trazer benefícios para os modelos de negócio que envolvem a utilização do yuan no Brasil, como o aumento da liquidez local em yuan, a manutenção de reservas cambiais em moeda forte no país, a redução de intermediários nos pagamentos internacionais e a aproximação do sistema de pagamentos local ao chinês. Ganharão as empresas brasileiras em seus relacionamentos comerciais com a China em agilidade e redução de custos operacionais.
Sim. Vender e comprar em dólar, por exemplo, deve incluir taxas de conversões, o que acaba por deixar o produto mais caro. Mais do que isso, ao eliminar os intermediadores, crescem os ganhos e a concorrência. Lojistas brasileiros que importam produtos poderão usufruir de preços menores e uma disponibilidade maior de produtos para o público.
Cabe, entretanto, pontuar que não há como, atualmente, substituir o dólar norte-americano como moeda de referência. O yuan passa a ser mais uma opção. O dólar vai continuar sendo a principal moeda de troca internacional. Mas, perceptível nesta linha, o esforço do governo chinês para transformar o yuan em moeda conversível dentro de uma estratégia geopolítica planejada.
Outra vantagem, seria a possibilidade de abrir mercado na China. O acordo abriria mercados porque importadores chineses que não compram do Brasil poderiam se tornar clientes dos exportadores brasileiros. É que pelas regras da política de controle de capitais do governo chinês, o acesso dos importadores locais ao dólar é limitado. Com as transações diretas, é possível avançar além desses limites. Empresas chinesas que só usam a moeda local passam, também, a poder importar.
E, aparentemente, o Banco Bocom BBM, uma convergência de dois grupos financeiros tradicionais nos dois países: o Bank of Comunication (Chinês, fundado em 1908) e o Banco BBM (Brasileiro, fundado 50 anos antes — 1858, como Banco da Bahia), poderá ser a clearing que permitirá dar liquidez às operações com a moeda chinesa, pelo anúncio de sua adesão ao Cips, já que o Brasil não tem (tinha) esse vetor.
Por outro lado, como fragilidade a esse novo sistema podemos listar a pouca liquidez quando comparado ao dólar norte-americano. Há que se reconhecer o risco cambial envolvido na troca direta, notadamente em época de instabilidade econômica. Também, um menor poder de negociação. Os negócios com a China em termos favoráveis para o Brasil podem ficar difíceis sem a utilização da moeda norte-americana. Mais. Uma menor cobertura, já que o dólar norte-americano é a principal moeda utilizada nos mercados financeiros e na maioria das ferramentas utilizadas para hedge de riscos cambiais. A utilização de moedas próprias pode limitar a utilização dessas ferramentas de proteção.
O que importa concluir é que esta nova vertente de transação interbancária internacional merece a atenção de empresários brasileiros que têm — ou pretendem ter — negociações comerciais com a China e terão à sua disposição este instrumento direto, que pode abrir as portas para aprofundar e tornar um pouco mais ampla a relação comercial entre Brasil-China, possibilitando às empresas brasileiras uma participação mais significativa em outros setores da economia da China.
Seja como for, as empresas brasileiras devem realizar estudo do mercado chinês para tomar a decisão estratégica sobre vender mercadorias diretamente, ou realizar parceria com empresa local.
Ou ainda, será necessário iniciar as transações de forma um pouco mais conservadora, buscando trazer equilíbrio na compra e venda de produtos chave, que podem acabar sendo desvalorizados ao retirar o dólar da equação.
Para tanto há que se cercar de todo suporte necessário para proteger interesses, contando com uma boa equipe técnica em comércio exterior, direito bancário, e ainda, mas não menos importante, que possua conhecimento da cultura chinesa negocial e institucional.
Escritório Aliado: Bichara Advogados para ConJur