Presente e futuro no combate à pirataria

Montaury Pimenta, Machado & Vieira de Mello para Revista ABPI

Por David Fernando Rodrigues, André Ferreira de Oliveira e Jose Henrique Vasi Werner

É notório que o Brasil é um dos países mais problemáticos do mundo em matéria de falsificação. Com 14.691 quilômetros de fronteiras, 7.491 quilômetros de linha de costa e com um enorme mercado consumidor, o Brasil tornou-se uma rota natural e destino final de produtos falsificados oriundos da Ásia e da Índia.

Se produzidas internacionalmente, as falsificações chegam ao Brasil pelas mais variadas rotas, que terminam em portos como Santos, Paranaguá, Rio Grande, Itajaí, Itaguaí, Vitória, Suape, Fortaleza, Manaus, Macapá, dentre outros portos secos e aeroportos.

Com o aumento das medidas repressivas de fronteira conduzidas pelas autoridades brasileiras, outras rotas envolvendo países como Panamá, Chile, Argentina e Uruguai passaram a ser utilizadas. Nesses casos, o Paraguai continua sendo o intermediário, tendo o Brasil como destinatário final das falsificações.

Em via reversa, se fabricados no Brasil, grande parte dos produtos falsificados são destinados ao consumo nacional e o restante é exportado para outros países da América do Sul.

Como se vê, independentemente de sua origem, a imensa maioria dos produtos falsificados é consumida no Brasil, que acabou por se tornar um dos maiores mercados de consumo da falsificação.

De cada 10 consumidores brasileiros, 7 sempre compram ou já compraram algum produto pirata e 90% afirmam que preferem esses artigos em razão do preço mais baixo. Somente 65% dos entrevistados sabem diferenciar o original da cópia.

2 • Medidas de fronteira

O comando legal contido no art. 198, da Lei n° 9.279/96, faculta as autoridades alfandegárias a apreenderem, ex officio, ou a requerimento do interessado1 , produtos assinalados com marcas falsificadas, alteradas ou imitadas ou que apresentem falsa indicação de procedência.

A essência do art. 198 tem amparo legal no art. 9°, da CUP – Convenção da União de Paris, que em sua redação, impõe que os produtos ilicitamente assinalados com marca de fábrica e de comércio ou, ainda, com nome comercial, sejam apreendidos pelas autoridades competentes.

Por sua vez, o teor do art. 9° da CUP, foi introduzido no art. 51 do Acordo TRIPS (Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights), passando a constituir mais um importante dispositivo de combate às importações de produtos contrafeitos.

Tal dispositivo tem por objeto neutralizar mais uma fonte de produtos contrafeitos. Isso, pois, além dos produtos nacionais assinalados com marcas falsificadas, alteradas ou imitadas ou contendo falsa indicação de procedência, o legislador procurou classificar como ilícitos, também, produtos contendo as mesmas características, mas, porém, de fabricação estrangeira, introduzidos no país por meio de importação.

A legislação específica emanada da Secretaria da Receita Federal (Decreto n° 6.759/2009) confere a prerrogativa aos fiscais alfandegários de reter a mercadoria suspeita até a conclusão do procedimento de fiscalização, de forma que o titular do direito violado possa tomar as medidas legais para manter a apreensão dos produtos ilegais, possibilitando, em paralelo, que o importador justifique e comprove a legalidade da mercadoria.

Além disso, o Decreto acima determina que todas as situações de ilegalidade, seja na importação ou na exportação, demandam procedimentos automáticos das autoridades alfandegárias. O próprio art. 689, inciso VIII, do referido Decreto2 , contém regra que determina o perdimento de mercadoria estrangeira que apresente característica essencial falsificada ou adulterada, cuja existência impeça ou dificulte sua identificação, ainda que não haja qualquer questão tributária ou cambial envolvida.

Mesmo com as deficiências ainda existentes no Regulamento Aduaneiro (que não incorporou o detalhamento de normas e procedimentos presentes na legislação estrangeira – Lanhan Act, por exemplo), a efetividade do art. 198, da Lei n° 9.279/96 é frequentemente alcançada na medida em que as próprias autoridades alfandegárias fazem o possível para sanar tais deficiências, aplicando, pois, os procedimentos utilizados nos demais casos. É o caso das milhares de retenções realizadas regularmente pelas autoridades alfandegárias dos portos, aeroportos e portos secos brasileiros desde a década de 1990.

Diante de suspeita de importação ilegal de produtos assinalados com marcas falsificadas, alteradas ou imitadas ou que apresentem falsa indicação de procedência, as autoridades alfandegárias retém a mercadoria contrafeita, intimando o importador a apresentar documentos que comprovem a licença para a importação da referida mercadoria.

No caso de apresentação de comprovação inequívoca, a exigência é sanada, sendo a mercadoria desembaraçada e, posteriormente liberada ao importador.

Ao contrário, se não for comprovada a origem lícita dos produtos por parte do importador, a mercadoria fica então retida por mais 10 dias úteis (renováveis pelo mesmo período) a fim de que o titular do direito supostamente violado possa apresentar as justificativas para a apreensão do material.

Caso confirmada a ilegalidade, a perda dos bens, in casu, por não ser amparada em ausência ou irregularidade no recolhimento de imposto devido à União, mas sim em violação de propriedade de bem móvel imaterial, ocorre em favor do titular do direito violado sendo, portanto, descabido o leilão dos bens apreendidos por parte da Receita Federal.

Em algumas hipóteses, porém, pode acontecer de ser aplicada a pena de perdimento à mercadoria apreendida. Nesses casos, a autoridade alfandegária poderá aplicar as regras constantes do artigo 803 do Decreto n° 6.759/2009, dentre as quais está a pena de destruição e /ou inutilização dos produtos.

A possibilidade de destruição determinada em procedimento administrativo decorre da ausência de um procedimento padrão entre as Unidades da Receita Federal, o que, em certos casos, pode ocasionar decisões conflitantes se o assunto for submetido concomitantemente à apreciação do poder judiciário.

Quando notificado o titular do direito a promover em juízo as ações cabíveis para a manutenção da apreensão, conforme estabelece o dispositivo inscrito no artigo 606, do Decreto n° 6.759/2009, serão cabíveis ações cíveis e criminais para a defesa de seus interesses.

Por fim, conforme se depreende da simples leitura do art. 198, sua abrangência limita-se à esfera das marcas registradas, não englobando, assim, os produtos protegidos por patente, modelo de utilidade, desenho industrial, direito autoral ou, ainda, se estiver caracterizada a simples prática de concorrência desleal.

Assim, apesar de o artigo 198, da Lei de Propriedade Industrial limitar a abrangência do procedimento à esfera das marcas registradas e dos direitos autorais, dependendo da situação específica e, levando em consideração os demais dispositivos do Regulamento Aduaneiro, talvez seja possível aplicar o mesmo procedimento aos demais direitos de propriedade industrial, quais sejam as patentes, os modelos de utilidade os desenhos industriais, ou, ainda, se estiver caracterizada a simples prática de concorrência desleal, especialmente quando os casos sob análise forem de menor complexidade.

Em casos complexos, em que não haja condições de aplicação analógica dos dispositivos constantes da Legislação Aduaneira, a solução seria a apresentação da notificação ao titular do direito violado, objetivando o ajuizamento de alguma das ações judiciais cabíveis para a apreensão da mercadoria.

3 • Medidas criminais

O sistema jurídico brasileiro oferece uma série de alternativas para que o titular faça valer seus direitos de propriedade intelectual contra infratores. O primeiro destaque deve ser dado ao artigo 207 da Lei da Propriedade Industrial, que prevê que, independentemente da ação criminal, o prejudicado poderá intentar as ações cíveis que entender cabíveis. Tal sistema bipartite tem como premissa a inafastabilidade do controle jurisdicional e permite, portanto, que medidas cíveis e criminais sejam propostas conjunta ou sucessivamente, respeitados os respectivos prazos prescricionais.

Sob o ponto de vista do direito penal, a Lei da Propriedade Industrial tipifica em seus artigos 183 a 195 as condutas caracterizadas como crimes contra as marcas, patentes, desenhos industriais, indicações geográficas e ainda o crime de concorrência desleal. Na prática, vimos que as penas previstas para tais crimes são módicas e desincentivam a continuidade da persecução penal, ressalvada a hipótese de infratores mais robustos e/ou reincidentes, em relação aos quais o processo penal tem maiores perspectivas de êxito, muitas vezes combinado com a respectiva ação cível.

Cenário um pouco menos desolador se dá em relação ao crime contra direito de autor, previsto nos artigos 184 e seguintes do Código Penal. Este, diferentemente de todos os demais acima elencados, possui penas mais elevadas para a hipótese de ter sido o crime praticado com intuito de lucro, além de constituir hipótese de ação penal pública, novamente em contrapartida aos demais, em que se procede mediante queixa. Ainda assim, na prática há pouca efetividade na persecução penal propriamente dita.

Diante desse cenário, a opção adotada pela maioria dos titulares é investir na cessação do ilícito e/ ou no estrangulamento financeiro dos infratores através do requerimento de instauração de inquéritos para investigações e realização de medidas policiais de busca e apreensão.

Tal atuação proativa das autoridades se justifica não somente por se tratar flagrante delito, mas também pelo concurso de crimes, já que a conduta dos infratores invariavelmente se adequa a outros tipos penais tais como contrabando (em se tratando de mercadorias provenientes do exterior), organização criminosa, crimes contra as relações de consumo e fraude no comércio.

Nesse sentido, mostra-se importantíssima a cooperação cada vez maior entre as autoridades competentes, sendo instrumental a atuação da Receita Federal, através das Divisões de Repressão ao Contrabando e Descaminho (DIREP) que atuam em parceria com delegacias de polícias locais e outros órgãos de defesa do consumidor na repressão da contrafação nas ruas – a chamada “zona secundária” em adição à “zona primária” consubstanciada no controle alfandegário já detalhado no presente ensaio.

4 • Medidas cíveis

São empregadas quando a intenção do titular do direito violado é obter a reparação pelos danos sofridos com a fabricação, importação, distribuição ou venda de mercadorias falsificadas ou que infrinjam algum dos direitos descritos acima.

As ações cíveis visam basicamente a apuração dos danos morais e patrimoniais ocasionados com a importação de produtos falsificados ou demais atividades que violem o direito de propriedade intelectual.

Caso seja concedido pedido de tutela antecedente em favor do titular, são apreendidos os produtos falsificados e é determinado que o infrator se abstenha de cometer qualquer ato que viole direitos de propriedade intelectual do titular no futuro.

Além disso, tais ações podem ser utilizadas para a aplicação de pesadas multas cominatórias pelo descumprimento da decisão judicial.

5 • O futuro da proteção dos ativos de Propriedade Intelectual

Tal qual inúmeras outras áreas do direito, a Propriedade Industrial está em constante mudança, sempre suscetível à influência das inovações tecnológicas mais atuais. Neste contexto, uma peculiaridade relacionada às iniciativas voltadas à proteção destes ativos intangíveis é que, apesar da necessidade de adequação aos novos desafios, as velhas ferramentas de combate dificilmente se tornam obsoletas.

E isso pode ser facilmente constatado em uma breve caminhada pela região central de qualquer grande cidade brasileira, uma vez que, não obstante o surgimento do comércio on-line de artigos contrafeitos, praticamente todo grande centro ainda enfrenta o problema da venda de artigos falsificados e/ ou contrabandeados pelas suas ruas, por meio do velho e conhecido “comércio popular”, conhecido comumente como “camelô”.

Da mesma forma, a chegada dos sites internacionais de vendas por atacado, por meio dos quais qualquer cidadão comum pode fazer as vezes de um grande operador de comércio exterior, sem precisar se preocupar sequer com as intrincadas questões logísticas, não colocou fim à fabricação local de produtos piratas, que ocorre em inúmeras regiões do país, aproveitando-se da vocação fabril desta e daquela cidade, muito menos fez diminuir o gigantesco fluxo de contêineres abarrotados de produtos ilegais, que sobrecarregam os canais portuários nacionais, colocando em cheque a estrutura fiscalizatória das sempre incansáveis autoridades.

Também não se pode ignorar a transformação dos portais das grandes lojas nos funcionais marketplaces, que, se por um lado decentralizaram os canais de venda, permitindo que o pequeno fabricante/comerciante acessasse um público antes inimaginável, viabilizando a ampliação (e por que não dizer a sobrevivência?) destes negócios, por outro concedeu aos seus usuários acesso a um verdadeiro entreposto de produtos piratas, agravado pelo fato de, nestes casos, o cliente não poder avaliar a autenticidade do produto com seus próprios olhos.

Felizmente, os titulares destes direitos, bem como seus operadores, têm contado cada vez mais com a sensibilidade e apoio dos entes públicos e privados, tanto pelo suporte na realização de operações ostensivas, inimagináveis de serem realizadas sem o apoio da força Estatal, como pelas iniciativas das plataformas digitais, que cada vez mais disponibilizam ferramentas para auxiliar no enfrentamento deste grave problema que abala severamente a cadeia produtiva nacional, ceifando empregos, aplacando a arrecadação de impostos, impactando no desenvolvimento do empresariado local e, o mais grave, colocando em risco a saúde e integridade do consumidor.

Diante deste cenário, cumpre aos operadores do direito estarem atentos a estas inovações, atualizando-se em tempo real para sempre dispor de uma boa solução aos crescentes desafios que lhes são apresentados.

Escritório Aliado: Montaury Pimenta, Machado & Vieira de Mello para Revista ABPI

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