Por Luiz Gustavo Bichara e Mattheus Montenegro
A Reforma Tributária sobre o consumo representa, inequivocamente, uma grande evolução em termos de simplificação e transparência do modelo, com redução de litigiosidade e muitas outras vantagens. Estamos num ótimo rumo, mas isso não quer dizer que dê para ir no piloto automático.
A primeira proposta do governo federal para regulamentar a reforma tributária (PLP 68/24) desestimula as empresas a oferecerem planos de saúde a seus funcionários, o que pode impactar os 40 milhões de brasileiros que utilizam planos oferecidos pelos respectivos empregadores.
Embora uma das premissas do novo regime seja o creditamento amplo em relação aos pagamentos feitos a pessoas jurídicas (“não-cumulatividade plena”), as despesas com planos de saúde foram enquadradas no conceito de bens de uso e consumo pessoal, com expressa vedação à tomada de crédito.
Portanto, se não houver alteração no texto, as empresas que oferecem plano aos seus funcionários terão que suportar o ônus financeiro do novo IVA repassado pelas operadoras, sem poder tomar o crédito sobre tal despesa.
Em entrevista coletiva promovida pelo Ministério da Fazenda, foi dito que a concessão dos planos de saúde aos empregados seria enquadrada no conceito de fringe benefits (remuneração indireta), uma vez que, se porventura não oferecidos pelo empregador, seriam necessariamente custeados pelos empregados beneficiários de forma direta, isto é, com os recursos decorrentes de sua remuneração.
Discordamos da premissa de que os empregados, do dia para a noite, passariam a custear tais despesas por conta própria, especialmente considerando o custo de um plano individual ou familiar, bastante superior aos planos coletivos feitos pelas empresas. Dados da ANS, de fevereiro de 2024, revelam que, dos quase 51 milhões de beneficiários hoje no Brasil, apenas 8 milhões são usuários de planos individuais ou familiares (menos de 18%).
A verdade é que, diferentemente do discurso adotado pelo governo, o desincentivo à contratação leva a duas singelas conclusões: (i) caso as empresas deixem de oferecer planos de saúde, inevitavelmente muitos brasileiros hoje usuários da rede privada terão que recorrer ao SUS; e (ii) para as empresas que mantiverem a contratação, é perfeitamente factível esperar que, no longo prazo, os empregadores compensem o aumento de custo por meio da redução da remuneração oferecida aos novos contratados.
É ainda particularmente importante notar que, em diversos casos, a obrigação de oferecer plano de saúde aos empregados decorre de convenção coletiva, que tem força de lei, não sendo a contratação do plano uma mera faculdade do empregador, razão pela qual, nesses casos, o aumento do custo para as empresas é consequência natural e imediata.
A vedação ao creditamento das despesas com plano de saúde talvez até atinja o objetivo de aumentar a arrecadação, mas certamente tornará ainda mais desafiadora a manutenção e geração de novos empregos no país e impactará de forma relevante o funcionamento da rede pública de saúde.
Escritório Aliado: Bichara Advogados
Para: Valor Econômico