Arbitragem como alternativa de resolução de conflitos em Propriedade Intelectual

Por Luiz Edgard Montaury Pimenta e Pablo Torquato

A arbitragem foi criada para possibilitar uma forma alternativa de resolução de disputas comerciais, pela necessidade que muitas empresas demandavam para a resolução de litígios de forma mais rápida, menos custosa e decidida por especialistas no assunto, tornando-se uma alternativa ao judiciário. Para tanto, a arbitragem nada mais é do que um procedimento no qual um conflito é submetido, por acordo expresso entre as partes, a um ou mais árbitros que tomam uma decisão final e vinculativa sobre este conflito. Ao escolher a arbitragem, as partes optam por um procedimento privado de resolução de litígios em vez de recorrer ao judiciário.

Na legislação brasileira, os dispositivos sobre arbitragem estão inseridos no âmbito da Lei n° 9.307, de 1996, também denominada Lei da Arbitragem, que, em 2015, passou por aprimoramentos e atualizações trazidas pela Lei n° 13.129, resultando na modernização e flexibilização das normas sobre arbitragem, prestigiando a autonomia da vontade das partes e permitindo que os conflitos sejam resolvidos fora do Poder Judiciário.

Ao optar pela arbitragem como método alternativo de solução de disputas, determinadas regras precisam ser observadas pelas partes, como, por exemplo, o objeto do litígio deve envolver direitos patrimoniais disponíveis, dentre estes, contratos que envolvam a disponibilidade de ativos de propriedade intelectual e/ou imaterial. Ademais, por se tratar de um procedimento consensual, as partes contratantes que tenham interesse em submeter seus litígios à arbitragem devem fazê-lo por meio de uma convenção, compreendida pela cláusula compromissória arbitral inserida em dispositivo contratual, com as partes definindo a quantidade e especialidade do Árbitro ou do Painel de Arbitragem, a lei aplicável, idioma e local da arbitragem.

Em contraponto ao judiciário, a arbitragem possui características próprias em seu procedimento, de forma a atrair as partes contratantes, especialmente quando envolve litígios de propriedade intelectual, com destaque para (i) confidencialidade, (ii) celeridade, e (iii) especialização dos profissionais envolvidos na resolução do conflito, como assistentes, peritos e os próprios árbitros escolhidos pelas partes.

Um dos principais argumentos favoráveis à arbitragem envolvendo disputas de propriedade intelectual leva em consideração a natureza intrínseca desses conflitos, cujo objeto pode envolver desde um contrato de distribuição e/ou licenciamento com cláusulas confidenciais e estratégias, know-how e, muitas vezes até segredos de negócio, sendo certo que toda documentação relacionada ao litígio  permanece restrita às partes e àqueles envolvidos no julgamento, afastando a publicidade inerente aos litígios judiciais, preservando, assim, a estratégia de negócios e de mercado das partes envolvidas.

A celeridade do procedimento também é destacada por empresas que optam pela arbitragem, uma vez que determinados trâmites podem ser escolhidos pelos contratantes, diminuindo, assim, parte da formalidade e morosidade do processo judicial, encurtando a possibilidade de respostas e recursos protelatórios, respeitando-se a autonomia de vontade das partes e as regras da câmara arbitral escolhida. Outro ponto positivo à celeridade do procedimento é que a sentença arbitral é definitiva, não cabendo recurso, resultando em uma maior agilidade aos litígios, que costumam transcorrer em aproximadamente 18 a 30 meses, dependendo basicamente da complexidade do assunto.

Ainda sobre a celeridade do procedimento arbitral, notamos que houve, ainda, um incremento durante a pandemia do Covid19, especialmente após diversas câmarasterem optado por procedimentos totalmente eletrônicos de arbitragem, dentre estas o Centro de Solução de Disputas, Mediação e Arbitragem em Propriedade Intelectual da ABPI (CSD-ABPI), flexibilizando assim barreiras territoriais entre as partes e os demais participantes da arbitragem, como advogados e os próprios árbitro(s).

Ainda no rol das vantagens do procedimento arbitral está a possibilidade de escolha do(s) árbitro(s) pela especialidade deste(s), fazendo com que as partes contratantes optem por câmaras especializadas na matéria, como por exemplo o renomado Centro de Solução de Disputas, Mediação e Arbitragem em Propriedade Intelectual da ABPI (CSD-ABPI) para litígios envolvendo matérias de propriedade intelectual. A especialização daqueles envolvidos no litígio faz toda diferença no julgamento e resolução de conflitos, ajudando no plano estratégico e econômico de seus partícipes, uma vez que o litígio é conduzido e analisado por árbitros experientes nos vários campos da propriedade intelectual, evitando-se assim gastos desnecessários com perícia e o prolongamento no tempo como ocorre no judiciário.

Antes de iniciarmos com um detalhamento sobre o procedimento arbitral em si, é importante destacar que a Lei n° 13.129/2015 modernizou a Lei de Arbitragem para trazer a possibilidade das tutelas cautelares e de urgência, definindo que, antes de instituída a arbitragem, as partes poderão recorrer ao Poder Judiciário para a concessão de medida cautelar ou de urgência. Tais possibilidades são especialmente essenciais quando tratamos de litígios envolvendo ativos de propriedade intelectual, como por exemplo a abstenção de uso de marca pelo licenciado e/ou distribuidor quando o titular da marca opta pela rescisão contratual e o licenciado e/ou distribuidor não cumpre com sua obrigação contratual de cessar o uso da marca com o término contratual.

Para tanto, a parte que requerer junto ao judiciário a concessão de medida cautelar ou de urgência deverá também requerer a instituição da arbitram dentro do prazo de 30 (trinta) dias, contados da data de efetivação da respectiva decisão, sob pena de cessar a eficácia da medida cautelar ou de urgência obtida. Neste caso, após instituída a arbitragem, caberá ao(s) árbitro(s) manter, modificar ou revogar a medida cautelar ou de urgência concedida pelo Poder Judiciário. Caso a parte tenha optado pela arbitragem em primeiro plano, e estando esta já instituída, a medida cautelar ou de urgência será requerida diretamente ao(s) árbitro(s).                   

Com o compromisso arbitral assumido entre as partes, no caso de um litígio, a parte interessada deve ingressar na câmara arbitral escolhida para dar início à arbitragem, de acordo com a legislação aplicável e as regras desta câmara, que enviará uma notificação à outra parte para iniciar o procedimento de arbitragem, também conhecida como notificação de arbitragem. Na sequência, as partes nomearão o(s) árbitro(s) também de acordo com a definição inserida na cláusula compromissória.

O ato de nomeação e aceitação do(s) árbitro(s) é considerado como ato inicial de instituição da arbitragem. Como próximo passo, ao contrário do judiciário, na arbitragem as partes possuem autonomia para a definição da parte instrutória, desde que de forma consensual e de acordo com as regras da câmara escolhida. E é logo após instituída a arbitragem que o(s) árbitro(s), em conjunto com as partes, verificam a necessidade de esclarecer alguma questão disposta na convenção de arbitragem.

Cabe aclarar que, a instituição da arbitragem interrompe a prescrição, retroagindo à data do requerimento de sua instauração. Além disso, é importante que as partes tenham ciência que é nesta primeira oportunidade de manifestação, logo após a instituição da arbitragem, que a parte que pretender arguir questões relativas à competência, suspeição ou impedimento do árbitro ou dos árbitros, bem como nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, deverá fazê-lo.

Ainda na fase de instrução, o(s) árbitro(s) poderão tomar o depoimento das partes e ouvir testemunhas em audiência, bem como determinar a realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício, de forma a contribuir para a resolução do litígio.

Encerrada a fase de instrução, o(s) árbitro(s) decidirão sobre o feito por meio de uma decisão também conhecida como ‘Sentença Arbitral’. A sentença arbitral é vinculativa para ambas as partes e deve ser por elas executada. O prazo de duração de uma arbitragem pode variar muito de uma câmara ou centro para outro. Como exemplo, nas arbitragens instauradas junto ao Centro de Solução de Disputas, Mediação e Arbitragem em Propriedade Intelectual da ABPI (CSD-ABPI) o transcurso médio de um procedimento arbitral é de aproximadamente 18 meses, para casos de menor ou média complexidade e com satisfação imediata da Sentença Arbitral. O prazo médio de duração poderá ser maior a depender dos procedimentos escolhidos pelas partes e da complexidade do assunto.

Entretanto, a opção pela arbitragem não resolve todos os problemas enfrentados pelas partes junto ao judiciário, especialmente se levarmos em conta a realidade brasileira, destacando que, caso a  parte vencida na arbitragem não cumpra com suas obrigações (de pagar, fazer ou não fazer) e a execução não seja concluída dentro do procedimento da arbitragem, a parte vencedora terá que recorrer ao judiciário para sua satisfação, iniciando-se o cumprimento dessa sentença arbitral sob escrutínio do que está inserido no código de processo civil para a execução e cumprimento de sentenças.

De outro lado, a adversidade encontrada pelas partes na multiplicidade de recursos possíveis no judiciário, tornam por alongar as discussões, afetando a efetividade da medida proposta, que em algumas vezes é de simples resolução, fazendo com que o processo judicial seja ainda mais custoso e demorado, o que leva a um prejuízo à parte que busca resguardar seus direitos.

Por fim, as partes devem estar cientes que a escolha pela arbitragem faz parte de uma análise estratégica da relação contratual e pós contratual entre as partes, devendo-se levar em conta tanto um exame da realidade contratual como também o valor global do contrato, a confidencialidade das informações trocadas pelas partes e o custo-benefício da arbitragem em detrimento ao poder judiciário na resolução de litígios oriundos daquela relação contratual.

Aliado Montaury Pimenta Machado e Vieira de Mello para Revista ABPI

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