A 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 3ª Seção do CARF, por voto de qualidade, decidiu desenquadrar do Repetro um contrato de locação de bens, mantendo autuação para exigência de II, IPI, PIS/COFINS-Importação e multas em razão do descumprimento do regime aduaneiro especial, mesmo havendo controvérsia sobre as provas da dissimulação alegada pela Fiscalização. Parte dos conselheiros entendeu que foram acrescentados indevidamente ao valor do contrato de aluguel objeto do Repetro o valor relativo a serviços prestados no Brasil por empresa estrangeira, configurando dissimulação da existência de um contrato de prestação de serviços. Contudo, o próprio Relator do caso apontou a fragilidade das provas, o que o levava a crer que os argumentos da Fiscalização “são indícios, mas não fatos” (cf. Acórdão 3201-011.85).
A Fiscalização entendeu que houve violação ao Repetro, pois a legislação desse regime aduaneiro especial estabelece que apenas a pessoa jurídica beneficiada pelo Repetro deve ser a responsável no Brasil pela importação e prestação de serviços. Ou seja, empresas estrangeiras não podem realizar importações ou prestar serviços diretamente no Brasil sem estarem devidamente constituídas e registradas no País. Todavia, para a Fiscalização, ficou demonstrado que a verdadeira responsável pelos serviços de instalação no Brasil foi uma empresa localizada na Holanda, de modo que a operação estaria sujeita à tributação, devido à importação dos serviços de instalação, que não estariam alcançados pela isenção do Repetro.
Nessa linha, o Conselheiro Marcos Antônio Borges, redator do Voto Vencedor, explicou que a controvérsia examinada não foi a possibilidade de um contrato de locação englobar a prestação de serviços, mas sim a omissão das informações sobre os serviços prestados durante o procedimento fiscal, de modo a dissimular negócio verdadeiramente realizado.
Contudo, esta posição não foi unânime. O relator do caso, Conselheiro Márcio Robson Costa, afirmou que a contribuinte apresentou sim informações sobre os serviços prestados e que a dissimulação alegada pela Fiscalização se baseou apenas em suposições e inconformismo em relação ao valor do contrato. Para ele, a hipótese de dissimulação foi levantada pela Fiscalização simplesmente por esta entender que houve desproporcionalidade entre o valor pago a título de locação e o valor de compra do equipamento locado, o que seria insuficiente para demonstrar que houve fraude.
Para o relator, ainda que os argumentos da Fiscalização fossem considerados plausíveis, não estariam aptos a confirmar a dissimulação alegada, pois não havia provas que os confirmassem, “levando a crer que são indícios, mas não fatos”. O Conselheiro ainda afirmou que mesmo que o contrato dito de locação pudesse ser considerado como de prestação de serviços, ainda assim, tal contrato poderia ser abrangido pelo Repetro.
Assim, como não ficou amplamente comprovada a dissimulação, sequer haveria necessidade de discutir os demais argumentos sobre a possibilidade de a empresa estrangeira não poder prestar serviços no Brasil. Também não seria necessário aprofundar a discussão sobre os tributos incidentes, visto que seria válido o contrato de locação e, por conseguinte, o enquadramento da operação no Repetro. Porém, esse entendimento do Relator foi vencido pelo voto de qualidade.
Para o nosso sócio Filipe Piazzi, “este acórdão exemplifica o retrocesso que representa a sistemática do desempate em favor do fisco por meio do voto de qualidade. Como reconheceu o Relator do caso, o desenquadramento da contribuinte no Repetro ocorreu sem provas da dissimulação, com base apenas em suposições da Fiscalização sobre a desproporcionalidade do valor contratual, sem evidências que confirmassem a conduta fraudulenta.
“Na prática, o que se nota é a ratificação, pelo CARF, de procedimentos fiscais não embasados, ao se afastar tacitamente a necessidade de provas consistentes para sustentar acusações graves. É aviltante o comprometimento da segurança jurídica e da confiança dos contribuintes em decisões como esta, mas não só isso. Tal sistemática decisória contraria princípios fundamentais do Direito, como o da presunção de inocência e do ônus da prova, pondo em risco a credibilidade desta tão importante arena administrativa de resolução de litígios tributários”.