Por Fabio Luis De Luca
A Constituição Federal de 1988 tem como uma de suas características a detalhada repartição de competências tributárias. A sistemática adotada prestigia o federalismo, em especial se observado o processo “centrífugo” de sua formação no Brasil, e atende a anseios históricos de descentralização de recursos da União para Estados e Municípios e de recursos dos Estados para os Municípios.
Parte relevante destes anseios é atendida por intermédio da partilha das competências tributárias aos Estados e Municípios. Ademais, é a repartição de tais competências que assegura a autonomia política e financeira a tais entes federativos.
Para o exercício do poder de tributar impõe-se aos Estados e Municípios a edição dos atos normativos necessários à efetiva instituição das exações. Nesta esteira, os 26 Estados, o Distrito Federal e os 5.570 Municípios brasileiros possuem uma vasta produção legislativa em matéria tributária.
Os tributos estaduais e municipais são parte do cotidiano das empresas e das pessoas naturais. A título exemplificativo, o imposto com maior arrecadação no Brasil, atualmente, é o Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (doravante apenas ICMS), de competência estadual.
Tal realidade implica, em termos práticos, em significativo número de litígios judiciais em matéria tributária envolvendo os Estados e Municípios.
Ocorre que apenas uma pequena parte das discussões judiciais a respeito dos tributos estaduais e municipais tem recebido análise de mérito do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça em sede recursal.
A restrição ao conhecimento dos recursos especiais e extraordinários envolvendo tais matérias decorre, em grande parte, pela aplicação pouco criteriosa da Súmula 280 do Supremo Tribunal Federal, que prevê: “por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário”.
Aludida súmula foi aprovada no distante ano de 1963 e consolidou entendimento da Corte que reflete verdadeira “jurisprudência defensiva”. Trata-se de mecanismo criado com o intuito de colocar limitadores ao uso do Recurso Extraordinário e que vem sendo aplicado pelo Superior Tribunal de Justiça em relação ao Recurso Especial. Sua edição ocorreu ainda sob a égide da “Constituição dos Estados Unidos do Brasil” de 1946, época em que a Suprema Corte, em sede recursal, concentrava o dever constitucional de julgar as alegações de violação a dispositivo da Constituição, de tratado ou de lei federal.
Além da Súmula 280/STF ter sido editada sob a égide de Carta Constitucional diversa daquela em vigor, com competências materiais e legislativas em tudo distintas daquelas atualmente praticadas, sua aplicação nos dias atuais colide frontalmente com hipóteses expressas de cabimento do recurso especial e extraordinário.
A Constituição Federal prevê, em seu art. 102, III, alíneas “c” e “d”, ser cabível o recurso extraordinário quando a decisão recorrida “julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição” ou “julgar válida lei local contestada em face de lei federal.”
Nesta mesma esteira, o art. 105, III, “b”, revela ser cabível o recurso especial quando a decisão recorrida “julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal”.
O texto constitucional é claro ao prever o cabimento dos recursos especial e extraordinário para análise de direito local, bastando que o mesmo seja veiculado em lei ou ato de governo local julgado válido em face de lei federal ou da Constituição Federal.
As ilegalidades e inconstitucionalidades que permeiam a vasta legislação tributária estadual e municipal não podem deixar de ser apreciadas pelas Cortes Superiores. Relevantes questões envolvendo ICMS, IPTU, IPVA e as diversas Taxas criadas pelas municipalidades não tem sido apreciadas pelo Superior Tribunal de Justiça e pela Suprema Corte por força da súmula aqui comentada, o que não pode ser admitido.
Diante deste grave cenário de negativa de acesso aos tribunais superiores, é imperioso que os operadores do direito, em discussões envolvendo tributos estaduais e municipais, manejem seus recursos especiais e extraordinários com base nos permissivos constitucionais acima destacados (art. 102, III, “c” e “d” e art. 105, III, “b”) e lutem, com empenho, pelo completo afastamento da Súmula 280 do STF em matéria tributária.
Fonte: Lippert Advogados