Uma crise sanitária causada pela covid-19 e diretamente responsável por graves problemas econômicos e sociais, ocorrências que aumentam os embates federativos, levando a maior distensão entre União e estados municípios. É nesse cenário que o governo federal escolheu enviar sua primeira proposta para reforma tributária. Seria mesmo o momento apropriado para discutir uma transformação estrutural do aparato de arrecadação brasileiro?
Para juristas especialistas em Direito Tributário convidados a participar do 1º Congresso Digital da OAB, encaminhar a reforma tributária durante a pandemia pode levar à distorção de seus objetivos fundamentais. A opinião foi dada em painel na tarde desta terça-feira (28/7), com o tema “Tributação, Pandemia e Reforma Tributária”, mediado pelo advogado Igor Mauler Santiago.
Para o presidente da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB Nacional, Eduardo Maneira, embora a necessidade de fazer a reforma seja inconteste, a epidemia o faz colocar o pé no freio. Em sua opinião, não há ambiente para criar o pacto federativo necessário para discutir e implementar as mudanças, enquanto que a situação fiscal da União deve se agravar por conta das consequências da crise.
“Se temos que abrir o caixa, fazer a reforma tributária agora pode levar à necessidade de aumento da carga, que é o que não queremos. Precisamos de uma reforma ampla, que seja neutra no sentido de não aumentar a carga tributária, mas de simplificar a tributação do consumo sem prejuízo de atacar outras questões pontuais que merecem ser atacadas, mas não necessariamente na Constituição Federal”, opinou.
“A gente tem que ponderar se este é o momento ideal para fazer a reforma ou debater sobre”, concordou a professora da FGV, Tathiane Piscitelli. Ela destacou que a epidemia, além de exacerbar as desigualdades, instalou uma crise de confiança entre entes federativos que dificilmente vai ser superada no contexto de uma discussão legislativa sobre o sistema tributário. Além disso, todas as propostas incorrem em aumento de tributos.
“A gente deveria usar o momento da pandemia, que mostra efetivamente que tipo de país a gente é — desigual, com pobreza e que precisa de reforma, mas uma que reflita uma mudança estrutural do sistema numa perspectiva redistributiva. Precisamos olhar para o sistema e tornar mais justo, em vez de aprovar emendas que agravem a desigualdade. A simplificação de tributos é um valor tão absoluto que deve estar acima de todos os outros?”, indagou.
O distanciamento político da União para com estados e municípios no contexto do combate à Covid-19 também foi destacado pelo procurador tributário da OAB Nacional, Luiz Gustavo Bichara, como um entrave a discussões sobre reforma tributária.
“O governo não quer fazer reforma tributária. Se quisesse, teria participado do debate das PECs que tramitam no Congresso ou teria enviado projeto antes. Por que quer fazer agora? Porque mais uma vez quer avançar sobre recursos que cabem aos outros entes federados, tornando federação ainda mais complexa e mais injusta”, opinou.
“A pior postura é ser contra a reforma tributária no sentido de que, se você fica contra, não é convidado ao debate. Essa vontade política não depende muito da gente. Temos que ir de acordo com aquilo que a classe política vai conduzindo. Talvez não seja o melhor momento, mas se o Congresso conduzir, temos que participar e colaborar”, relevou Eduardo Maneira.
Proposta governamental
O Ministério da Economia enviou sua primeira proposta em 21 de julho: a substituição de PIS e Cofins pela Contribuição sobre receita decorrente de operações com Bens e Serviços (CBS), cuja alíquota seria única e de 12% para empresas. A ideia se restringe aos tributos federais e foi pensada no contexto de ser anexada à PEC 45, já em tramitação.
“A proposta do governo, eu li com decepção. É novidade com cheiro de naftalina. A ideia da fusão de PIS e Cofins com leve aumento de alíquota é coisa debatida desde o governo Dilma. Nunca foi feito por uma razão simples: a ideia é péssima. A CBS, tal qual colocada, é péssima. Estamos falando pura e simplesmente de aumento de tributo”, opinou Luiz Gustavo Bichara.
Tathiane Piscitelli fez duas críticas. A primeira é que o imposto proposto não comportaria incentivo fiscal, sendo a alíquota única como forma de combate à guerra fiscal. “Imaginem hoje, no contexto de pandemia, se não tivéssemos nenhum tipo de benefício tributário para, por exemplo, a cesta básica”, indagou. A segunda é que a majoração da tributação de serviços pode estimular a terceirização, precarização do trabalho e agravamento de desigualdades.
Segundo Eduardo Maneira, o aumento da carga tributária sobre serviços é inevitável. “Neste ponto, os formuladores das PECs estão sendo transparentes. Eles querem que haja aumento, Cabe a nós, prestadores de serviço, propor algo que seja realista. Trazer o mundo ideal para a nossa realidade”, disse.
Fontes: ConJur e Bichara Advogados