Por Fabio De Luca
A crescente integração das economias e das sociedades em escala global, em especial no tocante à produção de mercadorias e serviços, orienta no sentido de que o desenvolvimento nacional depende de um resultado favorável do comércio internacional. O produto ou serviço nacional tem de ser competitivo no mercado internacional e a tributação não pode onerá-lo.
Nessa esteira, por questões de política governamental, os exportadores possuem em seu favor uma série de incentivos, isenções e imunidades com vistas a fomentar as vendas para o mercado externo. Tais medidas visam facilitar o ingresso de moeda forte no país.
Ainda assim, é amplamente conhecido no meio empresarial e jurídico o embate entre os contribuintes e os Estados da Federação acerca da incidência do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) nas operações de transporte que destinam mercadorias ao exterior.
Ainda que seja lição comezinha de comércio exterior que “não se exportam tributos, apenas mercadorias” – e mesmo diante de diversos dispositivos constitucionais e legais a esse respeito (art. 155, §2o, X, “a” da CF/88, art. 3o, II da LC no 87/96 e arts.18, §3o e§4o-A, IV e 14, ambos da LC no 123/06) – os Estados fazem tabula rasa do cenário normativo e insistem em criar teses e condicionantes visando exigir o ICMS nas operações de transporte de mercadorias destinadas ao exterior.
Defendem os Estados, exemplificativamente, que o transporte de mercadorias destinadas à exportação realizado dentro do território pátrio estaria sujeito à tributação pelo ICMS. Alegam que o tributo incide na prestação de serviço de transporte que, embora atinente a bens destinados ao exterior, não termina em território estrangeiro.
Todavia, tal entendimento ignora as peculiaridades geográficas do Brasil, as realidades logísticas dos portos e aeroportos nacionais e o relevante papel dos principais parceiros comerciais do país (China e Estados Unidos) na balança comercial.
A este respeito, merece destaque a inexistência de fronteira seca entre o Brasil e os principais players do comércio exterior acima identificados, o que torna de grande relevância os serviços de transporte rodoviário de cargas para os portos e aeroportos brasileiros.
A remessa da mercadoria da sede do exportador para os portos e aeroportos de embarque se mostra indispensável à efetivação da própria exportação, visto que nem todos os estabelecimentos exportadores estão localizados em Municípios dotados de infraestrutura portuária e/ou aeroportuária.
Não se pode aceitar que seja isento do ICMS somente o transporte realizado entre o porto/aeroporto e o exterior. Tal raciocínio implicaria em tratamento diferenciado entre contribuintes que se encontram na mesma situação econômica e que estão praticando a mesma atividade, mas restariam discriminados em função do Estado onde estão estabelecidos.
Empresas exportadoras estabelecidas em cidades portuárias ou aeroportuárias estariam inteiramente desoneradas do ICMS, enquanto aquelas situadas em outras localidades seriam submetidas ao ICMS sobre os transportes que, necessariamente, teriam de contratar dentro do território nacional para exportar seus produtos.
É importante notar que a Suprema Corte, ao apreciar o tema 674 da Repercussão Geral (RE 759244), adotou raciocínio jurídico aplicável por analogia à hipótese em comento. Ainda que aludido precedente trate da incidência das contribuições sociais sobre as receitas decorrentes das exportações realizadas por trading companies (exportação indireta), o voto do Ministro Edson Fachin refere de forma brilhante que (i) não há como se entender a interação mercadológica entre agroindústria e sociedade exportadora como caracterizadora de uma compra e venda pura (em mercado interno) seguida de outra autônoma e de índole internacional titularizada pela exportadora e o agente econômico domiciliado alhures e (ii) é irrelevante, para fins de imunidade, saber se a operação de exportação é conduzida com ou sem participação negocial de intermediário, isto é, se é da espécie direta ou indireta. Para que seja imune basta que, desde a realização da operação interna, já esteja assente a finalidade de levar aquela mercadoria ao exterior.
Mutatis mutandis, o raciocínio acima adotado é plenamente aplicável às operações de transporte de mercadorias destinadas à exportação, mesmo quando realizado em solo pátrio e cujo término ocorra em portos ou aeroportos.
Isso por que em tais operações de transporte, igualmente, não há uma operação de transporte interno seguida de uma operação de transporte internacional. A saída da mercadoria da unidade exportadora já tem como finalidade única a exportação e seu destino é o exterior, tratando-se de alegação facilmente comprovada pelo contribuinte através dos Documentos Auxiliares do Conhecimento de Transporte Eletrônico (DACTEs) e Documentos Auxiliares da Nota Fiscal Eletrônica (DANFES).
Além disso, como assentado pela Suprema Corte, para que o transporte não seja onerado pelo ICMS basta que, desde a saída da mercadoria, já esteja assente a finalidade de levar a mesma ao exterior.
Apesar da clareza das normas legais a esse respeito e da lição jurisprudencial acima referida, é saudada de forma efusiva a recente edição da Súmula 649 pelo Superior Tribunal de Justiça, que consolida mais de uma década de precedentes sobre o tema e é clara ao dispor: “não incide ICMS sobre o serviço de transporte interestadual de mercadorias destinadas ao exterior”.
Entendemos que a consolidação da jurisprudência no enunciado sumular tornará ainda mais claro o direito dos contribuintes e deverá sensibilizar os Estados a reverem seu equivocado posicionamento quanto à incidência do ICMS sobre os serviços de transporte de mercadorias destinadas ao exterior. Assim agindo, restarão prestigiados o princípio federativo e eliminadas desigualdades regionais, além de ser implementada norma exonerativa expressa envolvendo o ICMS e as exportações.
Fonte: Lippert Advogados