Por Giuseppe Melotti e Carolina Müller
As empresas brasileiras com operações de comércio exterior pouco a pouco têm implementado programas de trade compliance para suas operações. Muitas vezes por influência de suas matrizes, localizadas em países onde o tema já é mais consolidado; mas outras também em razão de uma crescente percepção dos benefícios que esses programas podem trazer.
O programa de trade compliance consiste no estabelecimento de mecanismos de controle para garantir o cumprimento da legislação aduaneira e de comércio exterior. A implementação desses mecanismos permite mitigar os riscos de autuações, bem como otimizar os custos da operação.
O tema está intimamente ligado ao compliance em geral, em especial nos Estados Unidos, onde há uma complexa legislação sobre controles de exportação e sanções econômicas internacionais, incluindo, dentre outros a Export Administration Regulations e as listas de países, empresas e indivíduos emitidas pelo Office of Foreign Assets Control (OFAC).
Essa legislação, atualizada frequentemente, visa à promoção da segurança nacional e da política internacional americana, bem como o combate ao terrorismo, ao tráfico e ao comércio ilícito de armas e exige um monitoramento constante das empresas sobre suas operações. Essas normas possuem, ainda, importantes efeitos extraterritoriais e devem ser observadas também por empresas de outros países que estejam conectadas com os EUA de alguma forma (por exemplo, controladas por empresas americanas ou que possuam determinado percentual de insumos americanos, conforme o caso).
No Brasil, a legislação de controles de exportação e sanções econômicas é mais simples, mas ainda demanda atenção das empresas, especialmente em operações que envolvam países com peculiaridades, objetos de sanções econômicas por parte da Organização das Nações Unidas (ONU), e bens sensíveis, incluindo aqueles de uso duplo (ou seja, aqueles normalmente utilizados para fins civis mas que também podem ser aplicações bélicas).
Nesse contexto, o programa de trade compliance deve contemplar políticas para assegurar o cumprimento da legislação brasileira e, a depender das circunstâncias, americana ou europeia sobre controles de exportação e sanções. Tais políticas devem ser adotadas com base nas características dos produtos importados e exportados e devem envolver uma avaliação dos atores envolvidos nas operações — incluindo não apenas as empresas fornecedoras ou compradoras, mas também seus sócios e outros intervenientes na operação (operadores logísticos, bancos etc.).
Ainda em relação com práticas anticorrupção, é importante que o programa de trade compliance englobe a prevenção a fraudes aduaneiras nas operações da empresa e na atuação de terceiros envolvidos, que podem ter repercussões diretas para o importador ou exportador. Esse é um tema que vem ganhando importância no Brasil, com a atualização das normativas sobre os procedimentos de fiscalização realizados pela aduana, notadamente, a edição da Instrução Normativa RFB nº 1.986/2020.
O programa de trade compliance deve envolver, também, a implementação de políticas de cumprimento da legislação aduaneira, que, no Brasil, envolvem grande grau de complexidade. E os temas a serem abordados incluem: classificação tarifária, políticas de Incoterms, controle das operações diretas e indiretas (envolvendo trading companies), utilização dos benefícios decorrentes de acordos de livre comércio e avaliação das regras de origem de cada acordo, regimes aduaneiros e tributários especiais, dentre outros.
Um passo importante para a expansão do trade compliance no Brasil foi a implementação do programa de Operador Econômico Autorizado (OEA), que exige dos operadores autorizados a adoção de uma série de procedimentos em temas como classificação tarifária, valoração aduaneira, regimes especiais, operações cambiais, gestão de pessoas, etc., de modo a estabelecer boas práticas nas operações de comércio exterior. Em contrapartida, a Receita Federal do Brasil oferece aos operadores certificados benefícios como maior incidência de canal verde nas importações, parametrização imediata, e despacho sobre águas, que agilizam o desembaraço aduaneiro e reduzem os custos da transação. Também se espera a redução do número de autuações, em razão dos procedimentos adotados pelas empresas visando a maior conformidade.
A despeito da importância da certificação OEA, o programa de trade compliance não deve se restringir à implementação dessas boas práticas, com vistas a reduzir o número de autuações. É importante que se busque, também, promover maior eficiência das operações.
Essa eficiência pode ser atingida por meio da avaliação dos regimes aduaneiros especiais potencialmente aplicáveis à operação e pela reestruturação da cadeia de fornecimento para melhor aproveitar as oportunidades logísticas e os acordos de livre comércio assinados pelo Brasil. Deve-se, ainda, buscar garantir que os contratos internacionais assinados pela empresa estejam adequados aos riscos enfrentados em cada operação, de modo a conferir maior segurança jurídica às operações.
Um outro ponto relevante, a ser abordado pelo programa, é a identificação de barreiras regulatórias à importação ou à exportação, tais como normas de segurança e desempenho, exigências de certificações, inspeções sanitárias, restrição ao uso de determinados insumos (exigência comum no setor químico), dentre outras. Muitas vezes, essas barreiras não são identificadas com antecedência, especialmente na exportação, causando entraves relevantes para a operação.
O programa de trade compliance abrange, portanto, normas tributárias e regulatórias, tanto da Receita Federal do Brasil quanto de outros órgãos anuentes das operações de comércio exterior, além de tratados e regulações internacionais sobre o tema e normativas dos países com os quais as operações são realizadas. De fato, um bom programa de trade compliance exige um conhecimento abrangente da dinâmica das operações de comércio exterior, em suas mais diversas facetas.
Trata-se de um programa abrangente, que deve envolver a participação de diversos departamentos das empresas, incluindo os setores de importação e exportação, fiscal, financeiro, compliance e jurídico e, muitas vezes, demandando a consulta a profissionais externos qualificados para auxiliar na sua criação e implementação, mas que traz grandes benefícios em uma área que ainda é pouco explorada pelas empresas brasileiras.
Fonte: Bichara Advogados para ConJur