Maurício Saraiva de Abreu Chagas
O Código Tributário Nacional – CTN, Lei nº 5.172/66, prevê expressamente a possibilidade de extinção dos débitos tributários mediante a sua quitação por meio da dação em pagamento em bens imóveis, desde a edição da Lei Complementar 104/01, que incluiu o inciso XI no art. 156 do CTN.
Tal dispositivo legal previu, contudo, a necessidade de estabelecimento da forma e de condições em lei específica.
No âmbito das dívidas para com a União as condições foram estabelecidas na Lei nº 13.259/16, cuja redação foi posteriormente alterada pela Medida Provisória nº 719/16, convertida na Lei nº 13.313/16.
Dentre outros aspectos, a referida Lei exige que os imóveis a serem utilizados na quitação estejam livres e desembaraçados de qualquer ônus, sejam previamente avaliados, empregados na quitação integral do débito identificado, incluindo atualização, juros, multa, encargos legais, sem qualquer desconto, assegurando-se ao devedor a complementação da diferença em dinheiro.
A começar pela demora em estabelecer as condições para adoção da dação em pagamento (a Lei foi editada 15 anos após a previsão no Código Tributário Nacional), a previsão legal merece críticas.
A lei limitou a utilização da dação em pagamento, por exemplo, a débitos inscritos em dívida ativa, justamente os que já se encontram com valor majorado em razão da aplicação dos encargos legais quando da referida inscrição. Esta previsão legal restringiu, sem maiores justificativas, a utilização desta modalidade de quitação em relação aos débitos já lançados mas ainda não inscritos ou ainda os débitos confessados pelo contribuinte, por exemplo.
A lei ainda expressamente vedou a utilização da dação em relação aos débitos do Simples Nacional adotado pelas micro e pequenas empresas, criando assim condição mais onerosa para estas empresas, em contradição com o art. 146, III, d da Constituição da República que estabelece a adoção de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte.
Ademais, na hipótese de utilização de imóvel com valor inferior ao débito, a legislação exige que o saldo remanescente seja quitado em dinheiro, sem prever contudo a possibilidade de utilização de outras formas de extinção do crédito tributário como a compensação com créditos.
A regulamentação do tema por meio da Portaria nº 32/18, além de ter demorado (a Portaria foi editada cerca de 2 anos após a previsão legal) e mantido os problemas apontados na lei (até mesmo porque não poderia contrariar as previsões legais, em virtude da hierarquia das normas), merece outros reparos ao estabelecer condições que podem mitigar a eficácia do instituto.
Referida regulamentação fez uso de critérios imprecisos ou não objetivos tais como a impossibilidade de aceitação de imóveis de difícil alienação, inservíveis, ou que não atendam aos critérios de necessidade, utilidade e conveniência que devem ser aferidos pela Administração Pública.
Ao prever que a avaliação do imóvel será feita de forma unilateral, apenas por órgãos oficiais como instituição financeira oficial, em se tratando de imóvel urbano, e pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em se tratando de imóvel rural, impedindo a participação de um terceiro independente, desvinculado da relação credor/devedor, o que seria extremamente saudável para fortalecer o instituto, a regulamentação também cria uma expectativa de demora na realização deste processo com prejuízos à aplicação da dação, uma vez que a experiência tem demonstrado a ineficiência da Administração Pública na realização de avaliações, seja por falta de recursos, pessoal ou gestão, o que é agravado pela perspectiva de muitos imóveis estarem em localidades afastadas dos grandes centros.
A referida regulamentação ainda exige requisitos de difícil obtenção e que deixam o devedor integralmente submetido à vontade do credor, tais como manifestação de interesse no bem imóvel expedida por dirigente máximo de órgão público integrante da Administração Federal direta ou por entidade integrante da Administração Federal indireta, assim como declaração de disponibilidade orçamentária e financeira do valor relativo ao bem imóvel oferecido.
Além disso, a regulamentação estipula que se o bem ofertado for avaliado em montante superior ao valor do débito, o contribuinte deverá expressamente renunciar o ressarcimento de qualquer diferença, enquanto o mais recomendável seria prever a restituição do valor ou ainda a formação de um crédito a ser empregado na quitação de outros débitos lançados ou ainda tributos correntes.
Não há dúvidas de que a regulamentação da possibilidade da dação de bens imóveis para fins de quitação de débitos tributários é um importante avanço na relação entre contribuintes e a União, contudo, ajustes serão necessários para que o instituto possa ser um instrumento efetivo na quitação de passivos.