Por Lucas Pahl Schaan Núñez
Fugindo à regra geral de que a indenização é medida pela extensão do dano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a possibilidade de que aquele que comete ato ilícito, e aufere benefício superior ao dano causado ao ofendido, pode ser condenado a abrir mão do lucro obtido em benefício da vítima. A decisão é fundada na vedação ao enriquecimento sem causa, e definiu o “lucro da intervenção” como sendo o “lucro obtido por aquele que, sem autorização, interfere nos direitos ou bens jurídicos de outra pessoa e que decorre justamente desta intervenção.”¹
A decisão foi proferida no Recurso Especial no 1.698.701/RJ, em ação ajuizada por uma atriz, objetivando indenização por danos morais e patrimoniais, além da restituição de todos os benefícios econômicos obtidos pela venda dos produtos que foram comercializados mediante o uso não autorizado de sua imagem e nome em campanha publicitária promovida por uma empresa farmacêutica.
Em primeiro grau, a ação foi julgada procedente para condenar a empresa a realizar uma retratação pública, com publicação em jornais de grande circulação esclarecendo a discordância da atriz com a campanha publicitária, além de determinar o pagamento de trinta mil reais por danos morais pela utilização indevida de sua imagem, e de indenização em montante a ser apurado em liquidação de sentença pelo valor que a profissional teria cobrado pela sua participação nas peças publicitárias.
Em seu recurso de apelação, a atriz requereu que fosse também fixada condenação adicional pelo enriquecimento ilícito decorrente da utilização não autorizada de sua imagem, que classificou como “lucro da intervenção”, para que os benefícios econômicos obtidos pela empresa com a venda de seus produtos mediante o uso indevido de sua imagem fossem acrescidos ao valor da condenação.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro², com base no entendimento de que a ré certamente não alcançaria o mesmo volume de vendas, decidiu que deveria ser conferida compensação adicional à vítima, pois o lucro obtido diretamente da com a prática do ato ilícito fora muito superior à soma dos danos materiais e danos morais. A empresa foi condenada pelo enriquecimento sem causa, na modalidade lucro da intervenção, no percentual de 5% sobre o volume de vendas do produto, baseado no seu preço de comercialização, no período compreendido entre o início da lesão e a cessação da circulação da propaganda indevida, além de ter majorado os danos morais para cinquenta mil reais.
A atriz recorreu ao STJ, arguindo violação ao artigo 884 do Código Civil, sob o fundamento de que o Tribunal não poderia ter simplesmente arbitrado, aleatoriamente, um percentual qualquer sobre o volume de vendas do produto para quantificar o montante do lucro auferido em decorrência do ato ilícito, e requereu que a empresa fosse condenada a restituir todo o acréscimo patrimonial obtido às custas da utilização indevida de seu nome e de sua imagem, sem nenhuma limitação.
Embora o STJ não tenha condenado a empresa a abrir mão da integralidade do lucro obtido com a venda dos produtos, o recurso foi provido para que a quantificação do lucro obtido com a intervenção fosse definida em sede de liquidação de sentença, mediante perícia, fixando critérios objetivos para a sua definição.
O entendimento do Ministro Ricardo Villas Bôas Cuevafoi de que,
“[…] o dever de restituição do lucro da intervenção, ou seja, daquilo
que é auferido mediante indevida interferência nos direitos ou bens
jurídicos de outra pessoa, surge não só como forma de preservar a
livre disposição de direitos, nos quais estão inseridos os direitos da
personalidade, mas também de inibir a prática de atos contrários ao
ordenamento jurídico naquelas hipóteses em que a reparação dos
danos causados, ainda que integral, não se mostra adequada a tal
propósito. Além de preservar a livre disposição de direitos, porque
ninguém pode ser obrigado a contratar contra a sua vontade, o dever
de restituir o indevidamente auferido às custas de outrem também
atua como meio dissuasório nos casos em que a usurpação de
direitos torna-se lucrativa ou mais vantajosa para o usurpador,
mesmo quando este é condenado a indenizar os correspondentes
danos de ordem moral e patrimonial.”
Portanto, reconheceu-se que a condenação do ofensor pode ser fixada em valor superior ao dano mensurável sofrido pela vítima, de modo que, para a configuração do enriquecimento sem causa por intervenção, não se faz imprescindível a existência de deslocamento patrimonial, com o empobrecimento do titular do direito violado, bastando a demonstração de que houve enriquecimento do interventor em decorrência direta da prática do ato ilícito.
Conclui-se que a evolução da jurisprudência demonstra ser possível a condenação do ofensor a abrir mão do lucro obtido com o ato ilícito em benefício da vítima, pois nosso ordenamento jurídico garante a proteção contra o enriquecimento sem causa. Embora os precedentes existentes tratem de casos de violação ao direito de imagem ou da violação de direitos autorais³, é provável que, em determinados casos concretos, seja possível a sua aplicação também em relações envolvendo direito de propriedade, ou até mesmo relações contratuais, com base em idênticos fundamentos.
¹ SAVI, Sergio. Responsabilidade civil e enriquecimento sem causa. São Paulo: Atlas, 2012, pág. 07.
² TJRJ – Acórdão Apelação 0008927-17.2014.8.19.0209, Relator(a): Des. Fernando Fernandy Fernandes, data de julgamento: 26/10/2016, data de publicação: 26/10/2016, 13ª Câmara Cível.
³ REsp 150.467/RJ, Rel. Ministro EDUARDO RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/11/1997, DJ 24/8/1998.
Fonte: Lippert Advogados