Por Carolina Jezler Müller e Giuseppe Pecorari Melotti
O regime de ex-tarifário concede a redução do imposto de importação a 0% na importação de bens de capital e bens de informática e telecomunicações, quando não houver produção nacional equivalente, atuando, assim, como um relevante instrumento para promoção de investimentos no setor produtivo nacional. Entretanto, esse importante instrumento, mais recentemente, vem sendo esvaziado pela aplicação de um limite de valor para sua utilização, que é facilmente ultrapassado quando há a desvalorização da moeda brasileira.
A mudança legislativa no regime de ex-tarifário, promovida pelas Portarias ME nºs 309 e 324, ambas de 2019, definiu critérios para fins de apuração da existência de produção nacional equivalente, os quais podem ser relacionados a desempenho e produtividade, prazo de entrega, fornecimentos anteriores e preço do bem nacional. Isso permitiu que importadores usufruam do regime mesmo existindo produção nacional do bem, mas desde que esse não se mostre competitivo, seja por ter desempenho inferior ao produto importado, seja pelas condições comerciais ofertadas, que, na prática, poderiam inviabilizar a aquisição do produto, prejudicando os investimentos pretendidos.
Entre esses novos critérios, o mais controverso certamente foi o critério de preço
A Portaria ME nº 309/2019 estabeleceu que a existência de produção nacional seria constatada se houver margem de diferença de 5% em favor do produto nacional (após a aplicação do imposto de importação que seria devido). Noutras palavras, considera-se que há produto nacional equivalente, pelo critério preço, se o valor do produto importado, convertido em moeda nacional, somado ao seguro, frete e imposto de importação for até 5% mais barato que o produto nacional equivalente.
Não há dúvidas de que esse é instrumento válido para prestigiar a indústria nacional. A pergunta que se põe é a seguinte: e se o produto nacional reputado como equivalente for 20%, 30% ou 40% mais caro do que o importado, qual deverá ser o limite de valor para fins de concessão do ex-tarifário?
Diante disso, esse novo regramento foi considerado abrangente demais pelos fabricantes nacionais, que apontaram que a normativa abria margem para deturpações do regime. Em razão das pressões, o Ministério da Economia, em agosto do mesmo ano, publicou a Portaria ME nº 324/2019, regulamentando essa comparação.
A Portaria ME nº 324/2019 determinou que o preço seria o último critério de análise para a apuração da existência de produção nacional — a ser invocado quando o produto nacional atendesse aos requisitos de fornecimentos anteriores, desempenho e prazo de entrega. Ademais, a portaria estabeleceu que, quando o bem nacional não atendesse ao critério preço, a publicação da concessão do ex-tarifário deveria conter informações referentes ao preço unitário cost, insurance and freight (CIF) máximo do bem importado consignado no requerimento pelo peticionário, convertido em moeda nacional pela taxa de câmbio do dia do peticionamento do pleito. Ou seja, o produto objeto do ex-tarifário terá um preço máximo a ser respeitado.
Na tentativa de melhor definir como seria feita a comparação de preço e evitar que importadores realizassem a importação de produtos que não atendessem ao critério de preço, o dispositivo trouxe um engessamento do regime que, em alguns casos, tem levado a sua inefetividade.
Isso porque determinado produto cujo equivalente nacional não atenda ao critério preço na data do pleito pode ter seu preço em reais incrementado além do limite estabelecido na descrição do ex-tarifário meramente em razão das flutuações cambiais. Ou seja, o importador poderá ter negociado um preço em dólares e apresentado o pleito de ex-tarifário. Entretanto, no momento da importação (e, eventualmente, com o preço já pago pelo importador), a mercadoria poderá apresentar um preço em reais superior ao descrito no pedido do ex, exclusivamente em razão da desvalorização do real, mas, mesmo assim, bem inferior ao limite de 5% estabelecido pela Portaria ME nº 309/2019.
A limitação do preço, com base em um montante em reais por um prazo mais extenso traz dificuldades também a outros importadores, que não serão elegíveis ao benefício durante a vigência do ex-tarifário, caso haja desvalorização do real. Isso porque o preço limite descrito no ex não será atualizado, ainda que, em muitos casos, o produto nacional para o qual houve comparação do preço tenha também aumentado de preço, seja por conta da inflação (fenômeno comum na economia brasileira, e incomum em muitos países exportadores), seja por conta dessa desvalorização e seus impactos sobre os insumos importados.
Esses fatos trazem insegurança aos importadores, que poderão confirmar a possibilidade de usar o regime apenas na data do efetivo registro da declaração de importação. Se a concessão do ex-tarifário fosse célere no âmbito do ministério, ou se a Receita Federal do Brasil permitisse que o imposto de importação fosse desonerado desde a data do pedido de concessão do ex-tarifário, isso não seria um problema. Porém, em um país que adota um sistema de câmbio flutuante e que, historicamente, enfrenta oscilações significativas, é imperativo estabelecer flexibilidades que acomodem essas desvalorizações.
Uma alternativa para endereçar essas dificuldades seria que o preço mencionado na descrição do ex-tarifário correspondesse não ao preço do produto importado (conforme conversão com base na taxa de câmbio da data do pleito), mas, sim, ao valor máximo para que a margem de 5% na comparação entre o preço do produto importado e o preço do produto nacional fosse garantida. Assim, um produto importado cujo valor CIF (acrescido do imposto de importação) fosse metade do preço do produto nacional poderia incrementar seu preço até que resultasse em uma margem de até 5% em favor do produto nacional. Por exemplo: se o produto importado somado ao imposto de importação tivesse um preço de R$ 100 e o produto nacional um preço de custo de R$ 120, o limite para a concessão do ex-tarifário não deveria ser R$ 100, mas, sim, R$ 114, que é o limite de 5% em favor do bem nacional.
Essa é a melhor interpretação do disposto na Portaria ME nº 324/2019, sem que o benefício do ex-tarifário fique à mercê exclusivamente da variação cambial do período.
Uma segunda alternativa seria modificar a redação da Portaria ME nº 324/2019 de modo que, nesses casos, no lugar de haver uma limitação de valor, fosse estabelecido uma vigência reduzida para o ex-tarifário em questão. A redução do prazo de vigência permitiria que, na prática, apenas o produto objeto do pleito do ex-tarifário — que foi efetivamente submetido à comparação de preços com o nacional equivalente — se beneficiasse do regime. Produtos idênticos que, porventura, viessem a ser importados no futuro teriam que se submeter a uma nova avaliação, para que fosse constatada diferença de preço em montante suficiente para atender ao critério de 5%.
Além dos obstáculos mencionados acima, também é importante apontar que a restrição de valor no ex-tarifário pode ser questionada por ter extrapolado os limites legais das leis que regem o regime.
A Decisão do Conselho Comum do Mercosul nº 25/2015 não traz qualquer menção à possibilidade de limitação de preço. A decisão menciona apenas que o Brasil poderá manter sua política vigente em relação à importação de bens e de capital e poderá aplicar alíquota distinta da tarifa externa comum (inclusive 0%) para as importações de bens de informática e telecomunicações.
Já o artigo 4º da Lei nº 3.244/1957, que determina a possibilidade de isenção ou redução do imposto de importação em caso de inexistência de produção nacional (inclusive em caso de impossibilidade de fornecimento a prazo e preço normal), não estabelece limites de preço para que o benefício seja concedido. Pelo contrário, o parágrafo 2º do artigo estabelece que a concessão será de caráter geral em relação a cada espécie de produto, garantida a aquisição integral de produção nacional (que no caso do ex-tarifário foi apurada como inexistente em razão do preço).
A estipulação de um preço mínimo fere diretamente o caráter geral da isenção concedida em relação à cada espécie de produto, porquanto a Portaria ME nº 324/2019 extrapolou os limites previstos na lei ao criar a possibilidade de limitação do ex-tarifário com base em um valor máximo em reais para que as mercadorias se beneficiem do regime.
Assim, torna-se urgente reavaliar a limitação de preço criada pela Portaria ME nº 324/2019, ou ao menos interpretá-la à luz da realidade monetário do país, a fim de respeitar o disposto na Lei nº 3.244/1997 e adequar o regime às oscilações cambiais comuns por aqui para não prejudicar sua utilização e a consequente promoção dos investimentos no Brasil.
Fontes: ConJur e Bichara Advogados