A cláusula de break up fee no direito brasileiro

Coimbra, Chaves & Batista

Por Marisa Goulart Matias dos Santos¹

A maior parte dos instrumentos jurídicos usualmente aplicados no mercado de fusões e aquisições tem sua origem no direito norte-americano e no commom law, em grande medida porque a legislação societária de diversos países tem inspiração no ‘Model Business Corporation Act’ elaborado pelo Comitê de Direito Societário da American Bar Association em 1950 – inclusive a Lei n° 6.404/76 -, mas também porque muitos dos players relevantes a nível global tem sua origem em países anglo-saxões.

Assim também ocorre com a break up fee, cláusula importada do Direito americano e que consiste na atribuição da obrigação de pagamento de determinada quantia a uma das partes em decorrência do insucesso ou da não conclusão de uma operação societária. Esse insucesso, ou, no jargão das fusões e aquisições (M&A), não ‘fechamento’ de uma operação societária pode se dar tanto em razão de alguma conduta praticada pela parte quanto por fatos alheios à sua vontade.

Para compreender como a não conclusão de uma operação societária poderia ensejar o pagamento da break up fee por uma das partes, precisamos entender um pouco mais qual a ‘trilha’ percorrida pelas partes em uma operação de M&A até chegar-se à assinatura dos documentos vinculantes, como um contrato de compra e venda. Em regra, as operações têm início com a celebração de instrumentos não vinculantes e acordos de confidencialidade entre as partes, evoluindo para a realização de diligências jurídicas, financeiras e contábeis, até a negociação e celebração de documentos definitivos, com caráter vinculante – mas que podem prever, ainda, condições precedentes ao fechamento do negócio. Assim, usualmente, as partes ao longo da negociação de uma operação de M&A:

(i) Estabelecem um período de exclusividade, pelo qual nenhuma das partes poderia negociar a mesma operação com terceiros, havendo aqui o chamado ‘custo de oportunidade’ em, durante a exclusividade, a parte desistir de negociar com outros terceiros interessados;

(ii) Em relação à negociação da operação, as partes contratam e alocam diversos profissionais e assessores na negociação e avaliação da transação pretendida, tanto do lado do potencial comprador quanto do potencial vendedor, esses profissionais são advogados, contadores, assessores financeiros, auditores, dentre outros, e apresentam custos na sua contratação.

Os dois pontos listados acima são apenas alguns exemplos de custos (materiais ou não) que as partes assumem ao iniciar uma negociação de uma operação de M&A, sendo que o insucesso na sua conclusão significaria que o investimento de tempo e dinheiro realizado pelas partes não terá retorno.

Portanto, apesar do risco de insucesso ser um risco assumido aos participantes de uma operação societária, parece justificável que alguma das partes pleiteie alguma compensação caso a operação não seja concluída, tanto para inibir a desistência da contraparte ou afastar outros potenciais interessados, quanto para fazer frente aos custos incorridos em todo o processo, à medida em que a relação entre as partes vai se estreitando. Nesse contexto, surgiu no Direito americano a break up fee, como forma de: (i)
servir como mecanismo de incentivo para a conclusão da operação societária, desestimulando eventuais negociações paralelas por uma das partes com terceiros interessados no negócio; e (ii) compensar uma das partes pelo tempo e pelos recursos dispendidos nesse processo, caso haja o insucesso na conclusão da operação.

No primeiro momento e por ser genericamente identificada por muitos como uma “multa contratual”, é comum que se equipare a break up fee com a cláusula penal, instituto previsto nos artigos 408 a 416 do Código Civil. No entanto, Judith Martins Costa² ressalta que “nem sempre, porém, a break up fee será caracterizada como cláusula penal. Poderá haver o estabelecimento de uma obrigação de garantia. Essa distinção terá grande relevo pelas diferentes consequências acopladas ao regime jurídico da cláusula penal no direito brasileiro e aquelas que podem ser atreladas a uma obrigação de garantia”. Essa
diferenciação entre cláusula penal e obrigação de garantia se torna ainda mais relevante, quando consideramos um cenário de atrito entre as partes e em que há a judicialização do contrato, seja perante o Poder Judiciário ou um tribunal arbitral. Nesse cenário, a natureza da break up fee passaria a ditar quais normas legais seriam aplicadas, o que, consequentemente, acarretaria consequências diversas às partes.

Tratando da cláusula penal, o artigo 408 do Código Civil prevê que “incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora”. Tal instituto está vinculado, portanto, ao inadimplemento da parte quanto ao cumprimento de alguma obrigação no âmbito da relação contratual, conforme leciona Flávio Tartuce³:

A cláusula penal é pactuada pelas partes no caso de violação da obrigação,
mantendo relação direta com o princípio da autonomia privada, motivo pelo
qual é também denominada multa contratual ou pena convencional. Trata-se
de uma obrigação acessória que visa a garantir o cumprimento da obrigação
principal, bem como fixar, antecipadamente, o valor das perdas e danos em
caso de descumprimento.

Assim, uma vez constituída como cláusula penal, a break up fee ajustada entre as partes no âmbito da transação estará sujeita às normas previstas no Código Civil, inclusive a vedação a que a cláusula penal tenha valor superior ao da obrigação principal inadimplida4 e a possibilidade de revisão do montante da multa pelo Poder Judiciário, caso entenda que seu valor é excessivo5. Deve-se atentar, nesse caso, que o excesso no valor da multa contratual é questão de caráter subjetivo e em muitos casos o valor da obrigação principal não pode ser facilmente apurado – como nos casos em haja obrigações de fazer, sinergias comerciais ou troca de participações societárias, por exemplo.

Em julgado recente, apesar de o Tribunal de Justiça de São Paulo ter legitimado a aplicação da break up fee contratualmente prevista diante da necessidade de “remediação de danos decorrentes do insucesso do negócio”6, sua natureza foi reconhecida como de uma cláusula penal: Voto do Relator: No mais, tampouco assiste à apelante quando, subsidiariamente, pugna seja pelo afastamento da quantia cobrada de acordo com a documentação de fls. 229/231, pois diz respeito às contratualmente previstas “despesas incorridas pela ForteSec ou por terceiros por ela contratados” (não havendo que se cogitar de bis in idem,
já que a Break Up Fee diz respeito, por sua vez, à necessária remediação de danos decorrentes do insucesso do negócio), seja pela redução do valor da multa, porque condizente tanto com a remuneração esperada (cláusula 4), como com a grandeza da operação.

Voto do Relator: No mais, tampouco assiste à apelante quando,
subsidiariamente, pugna seja pelo afastamento da quantia cobrada de
acordo com a documentação de fls. 229/231, pois diz respeito às
contratualmente previstas “despesas incorridas pela ForteSec ou por
terceiros por ela contratados” (não havendo que se cogitar de bis in idem,
já que a Break Up Fee diz respeito, por sua vez, à necessária remediação
de danos decorrentes do insucesso do negócio), seja pela redução do valor
da multa, porque condizente tanto com a remuneração esperada (cláusula
4), como com a grandeza da operação.

Apesar de manter a penalidade pelo valor avençado entre as partes, o Tribunal de Justiça de São Paulo adentrou na análise de que tal montante é “condizente tanto com a remuneração esperada, como com a grandeza da operação”, o que revela que o julgador considera que este montante poderia ter sido reduzido ou majorado, a depender da comprovação de custos efetivamente incorridos.

Contudo, em razão da natureza jurídica da cláusula penal, temos que a break up fee não poderá ser caracterizada como tal quando a não conclusão ou o insucesso da operação decorrer de fatos que não sejam imputáveis a uma das partes. Nesse sentido, Judith Martins Costa7 afirma que:

(…) nesses casos, a break up fee configura obrigação condicional de
garantia, promessa de compensação financeira caso alguma exigência ao
fechamento não seja realizada e o beneficiário exerça seu direito à
desvinculação do negócio. Não se confunde (…) com uma cláusula penal,
porque esta exige um inadimplemento culposo como fator de incidência,
como expressa o artigo 408 do Código Civil, enquanto a cláusula de
garantia exige simplesmente a assunção da garantia por determinado risco.
O evento condicional não depende, em princípio, da vontade das partes de
modo que não há que se falar em inexecução ou incumprimento da
condição.

A obrigação de garantia é aquela típica do contrato de seguro, na qual uma das partes se responsabiliza pelos danos decorrentes de determinado evento futuro, conforme limites e prazos previamente estabelecidos contratualmente8. Assim, a obrigação de garantia não guarda relação com a culpa ou dolo do agente na materialização do risco objeto da disposição contratual. Diferentemente da cláusula penal, os valores estabelecidos no âmbito da obrigação de garantia não estão sujeitos à revisão pelo Poder Judiciário, tampouco estão limitados ao montante da “obrigação principal”.

No Brasil, a break up fee vem se destacando como instrumento de alocação, entre as partes, do risco de não aprovação da operação pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“CADE”), contexto em que a obrigação de pagamento da break up fee não está vinculada ao inadimplemento contratual, mas a fato que extrapola a vontade das partes. Foi nesse contexto que, em 2018, a Ultrapar arcou com o pagamento de break up fee no montante de R$280milhões à Petrobrás, na condição de acionista controladora da Liquigás, após o CADE ‘bloquear’ a aquisição da Liquigás pela Ultragaz.

Recentemente, a break up fee voltou a estar em evidência no âmbito da midiática operação de aquisição da Linx pela Stone, na qual foram previstas multas contratuais para ambas as partes, tanto para o caso de desistência do negócio pela Linx – o que visava afastar outros potenciais interessados, como aconteceu com a Totvs – quanto para o caso de a operação ser vedada pelo CADE, hipótese na qual a multa seria paga pela Stone.

Assim, a break up fee ainda é uma ‘novidade’ em nosso mercado de M&A e seu enfrentamento pelo Judiciário ou pelos tribunais arbitrais ainda gera determinadas inseguranças quanto à natureza jurídica em que será enquadrada. Certo é que se trata de um importante instrumento de alocação de riscos e que pode assumir diferentes funções até mesmo dentro de uma única operação, sendo imprescindível que as partes avaliem, caso a caso, a natureza jurídica da break up fee ajustada, de modo a evitar consequências não previstas ou em desacordo com o racional econômico da transação.

¹ Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. LLM em Direito Empresarial pelo Ibmec-MG. Advogada no Coimbra, Chaves & Batista Advogados.
² MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula break up fee: qualificação perante o direito brasileiro. Revista de
Direito Societário e M&A. Vol. 1. Ano 1. São Paulo: Editora RT, jan-jun 2022. Pag. 5.
³ TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Volume Único. 6ª ed. Revista, atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Forense. 2016. Pag. 472.
4 Código Civil: “Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da
obrigação principal.”
5 Código Civil: “Art. 413. A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.”
6 Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível nº 1122798-73.2019.8.26.0100. Relator Des. Mourão Neto. 35ª Câmara de Direito Privado. Julgado em 11 de abril de 2022.
7 MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula break up fee: qualificação perante o direito brasileiro. Revista de Direito Societário e M&A. Vol. 1. Ano 1. São Paulo: Editora RT, jan-jun 2022. Pag. 7.
8 COMPARATO, Fábio Konder. Obrigações de meio, de resultado e de garantia: contratos mercantis e outros temas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

Fonte: Coimbra, Chaves & Batista Advogados

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