O Brasil se encontra, ainda, em situação econômica sensível, tentando sair da estagnação, falta de credibilidade das instituições, fenômenos que causaram a perda de apoio a diversos setores da economia, resultando em redução de investimentos em infraestrutura e tornando o país menos competitivo, especialmente em razão da pandemia da COVID-19.
Já há alguns anos, diante de instabilidades política e econômica, o Governo Federal vem implementando reformas que, segundo seus críticos, num primeiro momento podem parecer ter suprimido direitos dos trabalhadores, mas que têm como finalidade colocar a economia em novos rumos e gerar novos empregos formais.
Dentre as principais medidas, temos: o teto de gastos da União, a Reforma Trabalhista, Medidas Provisórias para regular as relações trabalhistas durante o estado de calamidade pública decorrente da pandemia, reformas legislativas em que foram flexibilizadas algumas garantias dos empregados, para que se possa ter maior liberdade de contratação e dinamizar o mercado de trabalho.
Entretanto, há muitos trechos de tais instrumentos cuja constitucionalidade está sob discussão no Judiciário e, no que tange aos resultados previstos, os efeitos são imprecisos.
Sabemos que a CLT deixou, há muito, de refletir as relações de trabalho e não mais atende os setores todos da economia, os quais passaram por repetidas transformações, sendo imprescindível atualização.
A doutrina clássica diz que, por serem as normas relativas as relações de trabalho de ordem pública e imperativas, estas limitariam a autonomia de vontade das partes e fazem com que os direitos trabalhistas sejam indisponíveis, máxima cansativamente repetida. Todavia, parece um tanto rasa a afirmação, devendo ser aprofundado o questionamento se realmente são indisponíveis tais direitos.
Genericamente afirmava-se que seriam indisponíveis os direitos ligados a interesses públicos, aqueles em relação aos quais seus titulares não têm qualquer poder de disposição, pois nascem, desenvolvem-se e se extinguem independentemente de vontade de seus titulares, como o direito à vida, direitos da personalidade, estado e capacidade, por exemplo.
No entanto, a Lei 13.140/2015, que trata de mediação entre particulares, demonstrou serem compatíveis a transação e direitos supostamente indisponíveis, sejam eles patrimoniais ou não. O artigo 3º aponta que “pode ser objeto de mediação o conflito que verse sobre direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação”.
Não há como se negar que a transação de direitos tidos como “indisponíveis” passou a ser autorizada em diversos casos, tais quais: cessão de direitos de imagem, disposições sobre tecidos humanos para doação, mudança de sexo, alimentos para menores, parte dos direitos trabalhistas, créditos tributários.
É inequívoco direitos trabalhistas, em sua maioria, são patrimoniais, motivo pelo qual dispor, renunciá-los ou transacioná-los, a princípio, em nada macularia a dignidade da pessoa humana, o que colocaria em dúvida as teses utilizadas para anular clausulas convencionais em que se dispõem ou se compensam direitos de natureza trabalhista.
Repita-se que não se pode esquecer do argumento de que a própria Constituição admite que as normas coletivas de trabalho disponham sobre salário (art. 7º, VI) e jornada de trabalho (art. 7º, XIII e XIV) o que, mais uma vez, nos indica que os direitos do trabalho não deveriam ser, em verdade, considerados indiscutivelmente irrenunciáveis, mas passíveis de transação.
Posições paternalistas podem ter seu valor no âmbito do direito individual, mas são as mesmas que atrofiam a capacidade participativa do trabalhador no âmbito coletivo e que amesquinham a sua contribuição para a solução dos problemas que o afligem.
As recentes reformas trabalhistas, que transcendem à Lei 13.467/17, vêm surgindo como meio de limitar a intervenção estatal e, especialmente do Judiciário, nas relações de trabalho, influenciadas por ideais de liberalismo, minimização do Estado, privilegiando a liberdade de contratar e autonomia da vontade das partes, aproximando as relações de trabalho, assim como o processo do trabalho, às relações civis.
As relativizações trazidas devem ser vistas com bons olhos, pois não se deve olvidar que o Direito do Trabalho possui regras, princípios e valores que asseguram a defesa do trabalhador, características que não são capazes de afastar, de forma rígida, o cabimento de livre manifestação de vontade, sobretudo quando não há mais que se falar em desequilíbrio, como em negociações coletivas, cláusulas contratuais firmadas por altos executivos ou gerentes ou mesmo após o encerramento do contrato de trabalho.
Têm surgido na sociedade novos modelos de negócio que geram realmente polêmicas pela questão de regulamentação e mudanças nas relações trabalho, por outro, abrem caminho para outras transformações. A legislação tem se atualizado, como meio de valorizar o trabalho moderno e incentiva o desenvolvimento econômico, atuando de forma bastante positiva, ao suprir lacunas que a CLT tinha. A reforma normativa reflete um anseio por flexibilizações.
Fonte: Bichara Advogados para Estadão