Por Luiz Felipe Schmitt Müssnich
Hoje em dia ninguém mais duvida que a tecnologia digital se incorporou em nossas vidas, fato esse facilmente notado a partir do momento em que verificamos que a maioria das nossas demandas são solicitadas, processadas e ao final atendidas por meio de plataformas digitais que, para o seu funcionamento, dependem de softwares em seus mais diversos níveis.
Se antes já utilizávamos as plataformas digitais e seus respectivos softwares para fazer transações bancárias, realizar compras, reservar uma hospedagem, contratar serviços de transporte pessoal e buscar informações, a pandemia do COVID-19 escancarou a viabilidade da utilização da tecnologia em praticamente todas as atividades.
Os profissionais trocaram os longos deslocamentos por reuniões virtuais, advogados participam de audiências e proferem sustentação oral longe dos fóruns e tribunais, alunos assistem aulas na tela dos seus computadores e até a medicina passou a ser também exercida em ambiente virtual (telemedicina).
Quanto mais complexa a situação a ser atendida ou a demanda a ser processada, mais sofisticados devem ser os softwares ou programas de computador utilizados, situação essa que ao mais das vezes demanda a necessidade da obtenção desses softwares/programas a partir de desenvolvedores que se encontram fora do território nacional.
Se nesse ano de 2021 tivemos um grande avanço no que se refere às definições relativas à tributação dos programas de computador, quando o Supremo Tribunal Federal dirimiu um antiquíssimo conflito de competência federativa, definindo que o licenciamento ou cessão de uso de software – independente da plataforma utilizada para o seu fornecimento – sofre a incidência tão somente do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN (ADI 1.945 e ADI 5.659), o mesmo não se pode dizer quanto à discussão sobre a incidência dos tributos federais, em especial nas operações de importação de software que, no mínimo, está carente de uma análise mais aprofundada.
Com efeito, não restam dúvidas de que o Brasil não é autossuficiente na produção de software para atendimento da nova demanda imposta pela sociedade contemporânea. Longe disso, ainda depende em grande parte de programas de computador produzidos no exterior e cuja utilização em território nacional é essencial para que o país não fique isolado, impedido de competir com as outras nações em igualdade de condições.
Assim, caso o residente no Brasil decida importar um software produzido no exterior pelo já ultrapassado – e muito pouco utilizado – método de download, estará sujeito a uma carga tributária minorada, decorrente da incidência do ISSQN, em alíquota que varia entre 2% e 5%, e o IOF, pela alíquota de 0,38%, visto já ter decidido, a Receita Federal do Brasil, por meio de resposta à consulta fiscal, que mesmo no recebimento de software mediante download da internet,
[…] as remessas ao exterior realizadas para fins de contraprestação pelo licenciamento de software de prateleira, para uso exclusivo do próprio adquirente, que não o comercializará para terceiros, não se enquadram como remuneração de direitos autorais (royalties) e, portanto, não estão sujeitas à incidência do imposto sobre a renda na fonte […] (SC DISIT/SRRF06 no 6014/2018, p. 13).
Acontece que hoje em dia é praticamente inexistente a importação de software via download, vindo o mesmo a ser utilizado via “nuvem”, ou “cloud computing”, tecnologia que permite o acesso aos softwares à distância e sem a transferência do programa para o computador do adquirente.
Trata-se do software em nuvem ou Software as a Service – SaaS, que estaria sujeito, além do ISSQN de competência municipal (alíquota entre 2% e 5%) e do IOF (alíquota de 0,38%), segundo o entendimento da Receita Federal do Brasil também ao IRRF (alíquota de 15%), CIDE (alíquota de 10%) e Contribuições para o PIS/PASEP e para a COFINS na modalidade importação, em alíquotas que somadas correspondem ao percentual de 9,25%.
Esse entendimento tem origem na Solução de Consulta COSIT no 197/2017, onde a Receita Federal concluiu que o SaaS tem características de “[…] serviços técnicos, que dependem de conhecimentos especializados em informática e decorrem de estruturas automatizadas com claro conteúdo tecnológico;” Esse entendimento foi reiterado na recente Solução de Consulta COSIT no 99001, de 29 de março de 2021.
Portanto, caso venha a prosperar o entendimento da Receita Federal do Brasil estaremos frente a uma exorbitante carga tributária de aproximadamente 40% nas operações de importação de software abrigado em nuvem, o que poderia inviabilizar uma boa parte das atividades negociais que dependem da aquisição de programas de computador oriundos do exterior.
A leitura das soluções de consulta COSIT no 197/2017 e no 99001/2021 denota que a Coordenação Geral de Tributação (COSIT) da Receita Federal do Brasil equiparou o software em nuvem a uma prestação de serviços técnicos, sob justificativa de que há um tratamento de informações de parte da empresa localizada no exterior, e que são oferecidos diversos serviços de acordo com o pacote de utilidades escolhido pelo cliente. Seriam, portanto, serviços técnicos que dependeriam de conhecimentos especializados em informática, acessados à distância (SC COSIT no 197/2017).
Não concordamos com a interpretação generalista levada à efeito pela Receita Federal do Brasil, visto que a utilização de um software abrigado em nuvem não necessariamente obriga o usuário a utilizar outros serviços correlatos, que podem inclusive nem serem disponibilizados na contratação efetivada.
Além disso, nada impede uma contratação com pagamentos individualizados no que se refere ao software utilizado e no que se refere aos serviços correlatos oferecidos, onde somente estes últimos estariam sujeitos à incidência do IRRF, da CIDE e das Contribuições para o PIS/PASEP e para a COFINS na modalidade importação.
A contratação do software em nuvem ou SaaS demanda, dessa forma, uma interpretação casuística de cada operação realizada, sem que se leve à efeito interpretações generalistas tais como a que pretende ser imposta pela Receita Federal do Brasil.
No caso, não restam dúvidas de que as definições sobre a tributação do software em nuvem ainda tem um longo caminho pela frente. O que existe, de momento, e conforme já salientado, é o entendimento da Receita Federal do Brasil exposto por meio de resposta às soluções de consulta fiscal, que pode vir a ser modificado junto ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, e frente ao Judiciário, à medida que os contribuintes forem contestando eventuais exigências do Fisco Federal.
O que não pode acontecer, por certo, é o Brasil vir a ser obrigado a deixar de assimilar as inovações produzidas pelos grandes centros desenvolvedores de tecnologia estrangeiros em razão da imposição de uma elevada carga tributária a esse tipo de operação, situação que deixaria o país isolado e pouco competitivo.
Fonte: Lippert Advogados