Relativização da presunção de inocência, uma aberração jurídica!
Túlio Brandão Coelho Martins de Araújo
Ao tratar dos direitos e garantias fundamentais, a Constituição Federal de 1988, no inciso LVII, do artigo 5º, estabelece que: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Tal disposição constitucional é denominada de princípio da presunção de inocência.
Recentemente, esse preceito máximo constitucional foi relativizado em julgamento de um habeas corpus pelo Supremo Tribunal Federal, no início de 2016, em que se decidiu ser possível autorizar a execução antecipada da pena de prisão após o julgamento em segunda instância.
Este entendimento, que, por si só, já configurava rematada injustiça e flagrante violação de direitos, tornou-se ainda pior, pois se revelou, para os tribunais de segunda instância, verdadeira regra, ou seja, entendeu-se que a prisão havia se tornado obrigatória após o julgamento no segundo grau. Um verdadeiro escárnio!
Agora, passados mais de um ano de tal alteração de entendimento, membros do STF começam a dar sinais de que foram “mal interpretados” e estudam rediscutir a matéria. Em recente conversa com jornalistas, o min. Gilmar Mendes afirmou: “Dissemos que, em segunda instância, é possível autorizar a prisão. Não dissemos que se torna obrigatória, e acho que está havendo certa confusão em torno disso”.
Entretanto, apesar de sua afirmação, o min. Gilmar Mendes – que foi a favor da prisão em segunda instância – pretende adotar um novo entendimento a respeito do tema, que era defendido até então pelo min. Dias Toffoli, qual seja, de que a prisão poderá ser executada após a confirmação da condenação pelo Superior Tribunal de Justiça, o que, apesar de melhor, ainda assim, caso se alcance tal entendimento, não deixará de ser um atentado à Constituição da República e aos direitos e garantias fundamentais.
Vale lembrar que o princípio da presunção de inocência surge com a Revolução Francesa com a finalidade de subverter a ordem de tratamento dispensado ao réu, que, antes da revolução, era tido como “coisa” e, após, passa a ter a garantia de um tratamento digno enquanto responde a um processo, sem que lhe seja imputada nenhuma medida restritiva antes de uma sentença condenatória transitada em julgado.
Tal princípio concretizado no art. 5º, inciso LVII, de nossa Constituição Federal de 1988, foi introduzido como uma garantia fundamental dos cidadãos.
O princípio da presunção de inocência tem aplicação no direito e processo penal, na medida em que assegura ao sujeito o direito de ser considerado inocente até que uma sentença penal condenatória proferida contra si tenha transitado em julgado. Desse modo, “somente depois de a condenação tornar-se irrecorrível é que podem ser impostas medidas próprias da fase de execução”.
Na realidade, o princípio da presunção de inocência assegura que a pessoa seja considerada inocente até que se prove que é culpada por um crime, o que demonstra que “a inocência é a regra; a culpa a exceção”.
Desta forma, compete ao acusador (Estado ou parte acusadora) provar ao juiz que o acusado é culpado pelo crime que lhe é imputado, pois, caso contrário, a ação será improcedente. E a prova não pode deixar dúvida sobre a autoria do crime, uma vez que, “em caso de dúvida razoável, há de conferir prevalência ao estado original do ser humano: inocência”.
Portanto, antes de haver uma sentença penal condenatória com trânsito em julgado, não há que se falar em imposição de nenhuma penalidade ou restrição de direito ao acusado.