Em um cenário onde todos os brasileiros anseiam mais do que nunca a pronta recuperação da nossa economia, a reforma tributária figura-se fundamental, posto que, se conduzida adequadamente, poderia funcionar como potente instrumento de ganho de eficiência e melhor distribuição da tributação.
Tendo em vista a capital importância desse tema, bem como seus impactos nas diversas esferas do setor produtivo, não é incomum que certos temas sejam alvo de incompreensão, como tem acontecido, por exemplo, com o PL 2337/21, apresentado pelo deputado federal Celso Sabino.
Uma dessas confusões de entendimento é justamente a de que esse projeto de lei extinguiria o benefício de alimentação e refeição ao trabalhador, porquanto alteraria pormenores relativos ao benefício da dupla dedutibilidade dessas despesas trazidos por meio do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), instituído pela Lei nº 6.321/76 e que, em linhas gerais, incentiva investimentos efetuados por empregadores na melhoria das condições alimentares/nutricionais dos empregados, sejam eles por meio de fornecimento de refeições, de cestas de alimentos ou de tíquetes.
Nesse sentido, importa registrar que as modificações trazidas à baila pelo PL 2337/21 em nada se confundem com a continuidade ou não das refeições do vale-refeição ou alimentação concedidos pelos empregadores aos empregados, muito menos denotam qualquer tentativa por parte do relator do projeto em retirar a indiscutível natureza jurídica não salarial desse benefício.
Por primeiro, é importante aclarar o fato de que a concessão da alimentação do trabalhador pelo empregador é incentivada há tempos pela legislação e jurisprudência trabalhistas e de maneira alguma sua continuidade pode ser condicionada ao PAT ou quaisquer alterações que esse programa possa vir a sofrer no âmbito da reforma tributária. Além disso, os acordos ou convenções coletivas de trabalho celebrados com os sindicatos são atualmente os principais meios dos quais as empresas fazem uso para obter vantagens na diminuição dos encargos sociais sobre os gastos na alimentação aos seus empregados — e naturalmente o PL 2337/21 em nada altera isso.
E, aliás, nem poderia, pois saltam aos olhos os diversos dispositivos legais (CF, artigo 7º, IV e XXII, CLT, artigos 457e 458, 611-A), bem como a Orientação Jurisprudencial nº 413 do TST, que incentivam a concessão benefício de alimentação dos trabalhadores por meio de normas coletivas de trabalho que outorgam vantagens às empresas nessa empreitada (como, por exemplo, a ausência de reflexos salariais no 13º salário, férias etc.), isso tudo, independentemente de quaisquer alterações eventualmente trazidas PL 2337/21 em relação ao PAT. Ademais, por representar despesa necessária normal e usual, o PAT é dedutível para fins de apuração do IRPJ/CSLL. É justamente a possibilidade de dupla dedução que seria eliminada.
Outro ponto que merece destaque é a indiscutível natureza instrumental do benefício da alimentação, sendo encarada pelas empresas como ferramenta imprescindível para a melhor consecução do trabalho dos empregados (auxiliando-os no exercício de suas funções durante o labor) e peça fundamental para a redução do turnover e da retenção de capital humano nas empresas.
Ora, imaginar que as discussões sobre os benefícios fiscais do PAT decorrentes do PL 2337/21 poderiam acarretar o seu fim seria menosprezar a importância dele no dia a dia das relações laborais e desprezar a mais óbvia lógica na relação produtiva empregatícia desde as lições da Revolução Industrial — a de que um empregado mais bem nutrido produz com mais eficiência e qualidade, beneficiando, portanto, o empregador. Esse nexo de causa-efeito é tão basilar e antigo que, para não cansar o leitor, citaremos apenas suas referências na Declaração Universal dos Direitos Humanos, nas convenções da OIT (core labor rights, trabalho decente etc.) e nos compromissos do milênio celebrados no âmbito da ONU, bem como nas diretrizes da OCDE.
Assim, divulgar de forma irrefletida que o PL 2337/21 cessaria com o benefício da alimentação e da refeição dado pelos empregadores é depreciar toda a trajetória de conquistas sociais sedimentadas na construção dos direitos humanos (tão bem explicados pelos pensadores Noberto Bobbio e Celso Lafer) preconizados no ordenamento jurídico nacional e no internacional.
Com isso, propaga-se o discurso enganoso de que o referido projeto denotaria em retrocesso social. Naturalmente, é possível que haja críticas e queixas quanto à reforma proposta — inclusive quanto à extinção da dita “dupla” dedutibilidade para despesas de alimentação e refeição —, mas não se pode questionar a continuidade ou não desses benefícios pelos empregadores, que, conforme explicado acima, detêm outras razões para existir.
Fonte: Bichara Advogados para ConJur