Setor privado aprova medida, mas se preocupa com possibilidade de elevação de multas
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) consolidou uma série de normas sobre o recolhimento de taxas e contribuições ao Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) e ao Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel). O novo regulamento foi aprovado pela agência com objetivo de simplificar e tornar mais transparente a arrecadação. E traz algumas inovações, como a regulamentação de “denúncia espontânea”, em que o contribuinte admite uma dívida antes de ser cobrado, recolhendo apenas juros sobre o devido.
O setor privado reconhece que a Resolução 729, publicada ontem no Diário Oficial, melhora o processo de recolhimento de obrigações do setor, simplificando-o e tornando-o mais transparente ao localizá-lo em um único normativo. Mas aponta preocupações com a possibilidade de elevação de multas e falta de clareza na questão da responsabilidade solidária em compartilhamento de redes.
Com a nova resolução, a Anatel ajustou o processo de cobrança das taxas de fiscalização de instalação (TFI) e funcionamento (TFF), recolhidas ao Fistel, bem como do Fust. Marcos Ferrari, presidente-executivo do Sinditelebrasil, que representa as empresas do setor, destaca entre as novidades a cobrança uma única vez da TFI, que antes era periódica, a eliminação de incidência do Fust sobre interconexão de redes e linhas dedicadas e a isenção de TFI para estações de menor porte. “Esses pontos geram economia e segurança jurídica para o setor”, disse.
Em abril, o governo editou a Medida Provisória 952, que postergou para o fim de agosto o repasse de quase R$ 4 bilhões ao Fistel como ajuda às operadoras de telefonia no enfrentamento da pandemia. O fundo também é abastecido pela Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública (CFRP) e pelo pagamento de outorgas bilionárias das licenças de serviços negociadas nos leilões.
Já o Fust, que recolhe cerca de R$ 1 bilhão por ano, não cumpre a finalidade de universalizar os serviços no setor. A cobrança é feita mensalmente em alíquota que corresponde a 1% do faturamento bruto das operadoras. A Anatel estima que o Fust acumule um saldo superior a R$ 22 bilhões, desde 1997, logo após a privatização do setor, e o Fistel, de R$ 92,8 bilhões, em valores nominais. A dificuldade em fazer os recursos serem aplicados leva as empresas a se queixarem dos repasses ao governo.
O diretor da Anatel Moisés Moreira, autor da análise aprovada, disse que as mudanças servem para tornar a arrecadação “mais eficiente”, sem elevar o peso dos tributos cobrados. Ele citou que a nova resolução facilita, por exemplo, a declaração de “inexistência de fato gerador”, que ocorre quando a prestadora não registra receita com a oferta de serviço. “A declaração será feita por documento padrão pré-preenchido, que somente precisará ser apresentada uma vez ao ano, ao invés da obrigação mensal atual”, afirmou Moreira.
A norma publicada pela Anatel também cria o depósito extrajudicial, para o caso da operadora decidir questionar o tributo lançado. Neste caso, as empresas precisam realizar o pagamento, apesar da contestação da cobrança.
Segundo o advogado Wolmar Esteves, sócio do escritório Bichara Advogados, essa medida deve ter pouco efeito prático porque as empresas não são negativadas enquanto recorrem na área administrativa. Além disso, mesmo após o fim da disputa administrativa, em que é executada a cobrança, há outros instrumentos mais baratos, como a carta-fiança ou seguro-garantia, que podem ser usados se a demanda for levada ao judiciário.
Mas ele considera importante a inovação da “denúncia espontânea”, conhecida no direito tributário e que isenta a operadora da responsabilidade de ter cometido uma infração tributária a partir do momento em que “confessar” a irregularidade. Isso só é possível mediante o pagamento integral do valor devido. Esteves disse que antes não estava claro como isso se aplicaria. “Pelo Código Tributário ele poderia fazer isso, mas não havia clareza na Anatel. Agora ficou claro e trouxe segurança”.
Para ele, de forma geral a resolução 729 é positiva, mas acabou sendo maculada pelas regras relativas a cobranças de multas por inadimplência e atraso nesses recolhimentos.
O tributarista explica que não havia muita clareza nesse tópico antes porque não há previsão em lei de multa, embora a Anatel entendesse que se aplicaria a legislação para a União. A leitura dele, contudo, era que a multa a ser aplicada seria de no máximo 2%, com base em um decreto presidencial. A nova resolução, porém, estabelece que as cobranças de multa poderão variar de 20% a 112,5% (nos casos em que haja má-fé). “Multa tem que estar prevista em lei e não existe lei que permita à Anatel cobrar multa. Ela não poderia aumentar a multa com uma simples resolução. É um dos aspectos mais polêmicos. Como 2% é condizente, empresas não discutiam a multa, mas a partir do momento que ela pode chegar a 75%, ou 112,5% se houver interpretação de má-fé, isso pode gerar discussões”, disse.
O diretor da Anatel rebate. “A única alteração de valor de multa por tributos prevista no Regulamento foi o limite da multa de mora, que antes nossa regulamentação fixava em 10% como limite, e o Regulamento aprovado incorporou a legislação federal, que já era aplicável à Anatel, e passou a prever o limite de 20%. Fora isso, não houve inovações em valores de multa no Regulamento”, disse Moreira.
Segundo ele, o regulamento sistematiza isso tudo em um mesmo instrumento, facilitando a compreensão do contribuinte. “Mas ressaltamos que todas as receitas tributárias estão previstas na legislação federal, não é inovação nossa”, completou.
Uma fonte do setor, que pediu anonimato, avalia que a simplificação proposta na resolução é positiva e é um passo na direção de uma reforma tributária. “A regulamentação é importante. As legislações são muito esparsas, pois a regulamentação era muito antiga.”
Fontes: Valor Econômico e Bichara Advogados