Anvisa não pode estabelecer normas para propaganda de medicamentos

Aliado: Montaury Pimenta, Machado & Vieira de Mello

Recentemente, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não possui o poder legal para impor restrições à propaganda de medicamentos. De acordo com o tribunal, a agência reguladora não tem a autoridade para criar normas que excedam as disposições da Lei 9.294/1996, que regula a propaganda de remédios e outros produtos.

A Lei nº 9.294, de 15 de julho de 1996, popularmente conhecida como Lei Murad, proposta pelo ex-deputado Elias Murad, regula as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros (como cigarros), bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas no Brasil, nos termos do § 4º do artigo 220 da Constituição. Referida lei também estabelece medidas como a proibição de fumar em recintos coletivos fechados, sejam eles públicos ou privados, e impor restrições à propaganda desses produtos, permitindo-a apenas em horários específicos na televisão e rádio.

No caso em tela, determinada empresa farmacêutica ajuizou uma ação contra a Anvisa, buscando impedir que a agência a sancionasse pelo descumprimento da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 96/2008, que regulamenta propaganda, publicidade, informação e outras práticas relacionadas à promoção comercial de medicamentos. A farmacêutica argumentou que a Anvisa teria ultrapassado sua competência ao impor restrições não previstas anteriormente em lei, assim fundamentando o pedido para que a agência se abstivesse de aplicar essas penalidades.

A decisão em primeira instância favoreceu parcialmente a farmacêutica, suspendendo os efeitos da RDC 96/2008, sob o entendimento de que a agência reguladora desrespeitou o princípio da legalidade ao emitir a norma. Em segunda instância, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) manteve essa decisão, ressaltando que a competência para regulamentar a promoção comercial de medicamentos é atribuída à lei federal, conforme previsto na Constituição.

A agência recorreu ao STJ, argumentando que sua atuação normativa é legítima e de grande relevância para a saúde pública, sendo sua a obrigação de estabelecer normas, propor, acompanhar e implementar políticas, diretrizes e ações dentro de sua esfera de competência, além de controlar e fiscalizar a propaganda de produtos sujeitos a esse regime regulatório.

Para o colegiado, embora a agência reguladora tenha uma autorização geral para emitir normas que assegurem o cumprimento de suas funções, no que se refere especificamente à propaganda de produtos sob controle sanitário, essa competência é mais restrita, conforme definido no artigo 7º, inciso XXVI, da Lei 9.782/1999, que determina que a atuação da Anvisa no que diz respeito aos medicamentos deve estar em conformidade com a legislação vigente.

Ou seja, embora a agência exerça uma função regulatória relevante, ela não tem competência para legislar, cabendo-lhe apenas detalhar as normas legais já existentes para garantir sua aplicação correta e efetiva.

Restrição à propaganda comercial
No acórdão, a ministra Regina Helena Costa, relatora do caso, destacou que o artigo 220 da Constituição veda qualquer forma de censura, mas permite que a legislação federal imponha restrições à propaganda comercial de produtos como tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias, visando a proteger a sociedade dos riscos à saúde ou ao meio ambiente potencialmente causados por estes artigos.

De acordo com a ministra, as restrições à propaganda de medicamentos estão previstas na Lei 9.294/1996, complementada pelo Decreto 2.018/1996, e possuem aplicação imediata, sendo obrigatórias para todos, incluindo a administração pública. No entanto, a ministra afirma que a RDC 96/2008 contém várias disposições que excedem os limites previstos na Lei 9.294/1996. Entre elas, estão a proibição de propaganda indireta em eventos e filmes; a vedação de publicidade que mostre pessoas utilizando medicamentos, especialmente se sugerirem qualidades agradáveis, como sabor; a exigência de advertências sobre substâncias que podem causar sedação ou sonolência; e a restrição ao uso de determinadas expressões em publicidade de medicamentos isentos de prescrição médica.

Assim, a ministra destacou que, ao editar a resolução, a Anvisa foi além de sua competência regulatória, criando obrigações para os particulares, o que extrapola sua função de apenas fiscalizar, acompanhar e controlar as práticas publicitárias. Com esse entendimento, o STJ suspendeu uma resolução da Anvisa que visava regular a propaganda e negou provimento ao recurso especial.

A despeito da decisão acima, que enfatizou que a Anvisa não tem a autoridade para criar normas que excedam as disposições da Lei 9.294/1996, é importante lembrar que medicamentos e produtos farmacêuticos são bens de saúde e não apenas produtos de consumo, razão pela qual a publicidade destes continua sujeita a todas as demais normas vigentes.

Dentre estas normas, encontra-se a autorregulamentação realizada pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária. Diferentemente das regras da Anvisa e das leis já mencionadas, o Conar estabelece normas éticas, de natureza consultiva, e, quando provocado, profere decisões destituídas de força coercitiva, mas que habitualmente são acatadas pelos anunciantes, produzindo impacto significativo no comportamento das empresas e na regulação da publicidade no Brasil, atuando para garantir que as informações presentes nos anúncios publicitários sejam verdadeiras, honestas e não induzam o consumidor ao erro.

Cumpre frisar também que, apesar das restrições impostas pela decisão em comento, a Anvisa segue desempenhando papel fundamental na proteção e promoção da saúde pública no Brasil, dentre as quais se destacam:

Como se pode perceber, ainda é dever da Anvisa garantir que os produtos médicos e farmacêuticos disponíveis no mercado brasileiro estejam em conformidade com as normas de saúde pública, sejam seguros e eficazes, contribuindo para a saúde e o bem estar da população.

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