Por Fernanda Teixeira Freire Poli e Felipe Weber da Cruz
A Lei no 12.846/13, chamada Lei Anticorrupção, difundiu a utilização do compliance no meio das organizações empresariais, o qual tem por fim criar uma cultura de adequação às normas legais e regulamentares. Tal cultura deve partir da alta administração, caracterizando-se como uma meta empresarial que tem por complemento a auditoria pela constante necessidade de detectar irregularidades na empresa para a efetividade do compliance.
Dessa forma, passou também a ser uma técnica usada no âmbito trabalhista, principalmente com o escopo de reduzir passivos e a judicialização na Justiça do Trabalho. Torna-se relevante investigar, nesse contexto, quais as principais ferramentas dispõem o compliance trabalhista¹.
As principais ferramentas de compliance, em geral, e que podem ser inseridas nas relações de trabalho, são os códigos de ética e conduta, incluindo os canais de denúncia, o consultivo, os programas de treinamento, além da difusão da cultura de estar em compliance. Com a promulgação da Lei Geral de Proteção de Dados, também deve ser considerado o Relatório de Impacto à Proteção de Dados Pessoais. Por fim, como ferramenta específica no compliance trabalhista, tem-se o regulamento interno.
Os regulamentos internos são de grande importância no direito comparado.
Na França, são obrigatórios em empresas com mais de 20 empregados, bem
como estão positivados no art. 99 no Código de Trabalho de Portugal, podendo ser obrigatórios a respeito de determinadas matérias quando tal previsão constar em normas coletivas. Como exemplo da experiência portuguesa, o art. 611-A, inciso VI, da CLT², passou a prever a possibilidade de cláusula sobre o regulamento empresarial.
O regulamento interno da empresa consiste em um instrumento de
delimitação das regras de conduta do trabalhador no seio da organização
empresarial, sendo que tais regras podem ser relacionadas ao objeto principal do trabalho, assim como deveres acessórios do trabalhador. Os regulamentos podem ser genéricos ou aplicáveis a determinados setores (categorias de trabalhadores), bem como podem tratar de matérias específicas (por exemplo, higiene e segurança no trabalhou ou disciplinar).
Desse modo, podem ser inseridas regras de registro de jornada, prazo para apresentação de atestados, regras e fiscalização sobre o uso de Equipamentos de Proteção Individual, proteção das relações humanas com a finalidade de coibir a discriminação e assédio. Em linhas gerais, o documento pode conter uma série de regras não arbitrárias que fazem parte do poder regulamentar do empregador, inclusive trazendo previsão de punições como advertência, suspensão e justa causa pelo descumprimento.
O regulamento interno deve ser entregue e assinado pelos trabalhadores
no início da contratualidade, aderindo ao contrato de trabalho e sendo parte integrante desse para todos os efeitos. Vale destacar, além disso, que é
importante a publicidade do regulamento interno, podendo se disponibilizado até mesmo em sistema intranet da empresa ou fixado em local de circulação no estabelecimento.
Além do regulamento interno e das outras ferramentas acima referidas, existem conceitos amplamente utilizados no direito comparado e que também podem ser aplicados no compliance trabalhista. São exemplos o knowyourcostumer e o knowyouremployee, que consistem no conhecimento prévio do cliente ou do terceiro a ser contratado e do funcionário, ainda no processo seletivo. Para tanto, faz-se uma triagem dos antecedentes com vistas a estabelecer relação com pessoas e organizações íntegras, evitando o acúmulo de passivos dentro da empresa.
O “conheça seu cliente” ou knowyourcostumer caracteriza-se pela prévia avaliação de terceiros, constituindo ferramenta indispensável de compliance. A sua aplicação tem caráter preventivo, especialmente na prestação de serviços a terceiros. Para as empresas tomadoras, existe grande risco de aumentar o passivo trabalhista diante de empresas prestadoras que não efetuam corretamente os depósitos de FGTS e não realizam os devidos repasses à previdência, bem como deixam de adimplir corretamente outras verbas trabalhistas. Assim, torna-se necessária a inclusão de cláusula de fiscalização das obrigações trabalhistas e de retenção no caso de descumprimento, principalmente porque a responsabilidade na terceirização lícita é subsidiária, conforme previsão
legal.
Nessa esteira, o knowyouremployee consiste na investigação social prévia de antecedentes do empregado e, antes da contratação e durante o processo seletivo, na busca de informações do trabalhador. No Brasil, a pesquisa do
knowyouremployee necessita determinados cuidados. Recentemente, o Tribunal Superior do Trabalho, por meio do julgamento do IRR-243000-58.2013.5.13.0023, decidiu que a exigência de certidão negativa de antecedentes criminais caracteriza dano moral presumido, independente de o empregado ter sido ou não admitido, quando caracterizar tratamento discriminatório ou, ainda, quando não se justificar em razão de previsão legal, da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido. Todavia, as empresas podem diligenciar, nos limites da lei, a fim de conhecer os seus trabalhadores previamente para contratar aqueles que efetivamente estejam comprometidos com a visão e valores da empresa.
Ainda, em relação ao procedimento no processo seletivo, em razão da Lei Geral de Proteção de Dados, deve a empresa observar os dados solicitados aos candidatos, sobretudo aos dados pessoas sensíveis e de maior potencial discriminatório, não colhendo dados que não sejam sensíveis e indispensáveis para o processo. Cabe notar que a citada lei dispõe, por meio do art. 50, inciso II, acerca do compliance, das boas práticas e de governança, as quais integram o Programa de Integridade. Portanto, no compliance trabalhista, deve a empresa ter cuidado para solicitar o consentimento para tomar dados pessoais, sendo necessário constar de forma específica os fins determinados, inclusive para armazenamento de currículos e transferência de dados a terceiros, tais como planos de saúde.
Um programa de integridade trabalhista deve iniciar com a implementação de técnicas e ferramentas para assegurar a adequação à norma, compliance trabalhista e, como fase complementar, deve passar por uma auditoria auxiliar para análise de risco e eventuais regras descumpridas pela empresa, pontuando os riscos e tudo que deve ser corrigido. Posteriormente, devem ser analisados os contratos trabalhistas e incluídas cláusulas importantes, que não existam, para futuros contratos ou avaliar a necessidade de aditivos contratuais para adequar dos contratos antigos.
Desse modo, considerando as ferramentas e conceitos acima enumerados, verifica-se a importância do programa de compliance trabalhista para assegurar a adequação às normas com a finalidade de multas e passivos trabalhistas, criando-se uma cultura que deve observar os princípios da ética e da integridade como uma meta a alcançar.
¹ Tais ferramentas e conceitos podem ser verificados em CARLOTO, Selma. Compliance trabalhista/Selma Carloto – São Paulo: LTr, 2019
² Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: (Incluído pela Lei no 13.467, de 2017)
[…]
VI – regulamento empresarial; (Incluído pela Lei no 13.467, de 2017)
Fonte: Lippert Advogados