No mês passado, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF proferiu uma importantíssima decisão para os contribuintes no que diz respeito a planejamentos tributários e propósito negocial, entendendo que “não existe regra federal ou nacional que considere negócio jurídico inexistente ou sem efeito se o motivo de sua prática foi apenas economia tributária.” – Acórdão nº 1401002.835 – 4ª Câmara / 1ª Turma Ordinária.
Atualmente, o entendimento majoritário sobre o tema no âmbito administrativo sinaliza a necessidade de que, para que se considere lícita a operacionalização de planejamentos tributários, o contribuinte deve possuir um propósito negocial, assim entendido como uma finalidade extrafiscal, não sendo bastante que se vise apenas a economia tributária.
Na emblemática decisão proferida pelo CARF, que agora soma-se de outras poucas, o Tribunal analisou lançamento por meio do qual se exigia Imposto de Renda Pessoa Jurídica – IRPJ e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, no montante total de R$ 89.805.289,42, decorrente de suposta falta de contabilização de ganho de capital.
No seu voto, o Conselheiro Daniel Ribeiro Silva analisou a base fática que sustentou a autuação do contribuinte e criticou a utilização recorrente da expressão “propósito negocial” por parte do Fisco, a qual não possui qualquer definição legal, o que impede a formação de um entendimento uniforme sobre o seu conceito, tornando as discussões extremamente subjetivas e afastando as análises do princípio da tipicidade cerrada, base do direito tributário.
No seu voto, o julgador também criticou a frequente utilização pelo Fisco, da teoria da ausência de propósito negocial para invalidar atos ou benefícios do contribuinte quando, sob a análise fiscal, estiverem ausentes outros motivos para a sua prática, que não a redução do custo tributário, citando que essa postura afeta a segurança jurídica, uma vez que o legislador brasileiro, por muitas vezes, oferece um benefício fiscal aos contribuintes como parte integrante de uma política econômica. Para elucidar o seu entendimento, citou como exemplo a Zona Franca de Manaus, em que, sabidamente, nenhuma empresa lá se instala por outra razão, como por exemplo, proximidade com o mercado consumidor, senão visando economia tributária.
A conclusão do Conselheiro foi que a “redução de incidência tributária por si só já se constitui em propósito negocial que viabiliza a reorganização societária, desde que cumpridos os demais requisitos”. E pela leitura da íntegra do voto, o que se entende é que os demais requisitos seriam, em síntese, dois: que as operações societárias tenham sido realizadas antes da ocorrência do fato gerador; e que não visem gerar economia de tributos mediante criação de despesas ou custos artificiais ou fictícios.
O conceito de “propósito negocial”, importado para o sistema jurídico brasileiro, surgiu em meados de 1934, nos Estados Unidos, após o julgamento do caso Gregory vs Helvering pela Suprema Corte, a partir do que se passou a diferenciar os planejamentos tributários com finalidade negocial e aqueles com finalidade eminentemente de economia tributária.
Decisões como a recentemente proferida pelo CARF sinalizam a preocupação do Tribunal Administrativo com a segurança jurídica, uma vez que atualmente existe uma linha extremamente tênue entre os planejamentos lícitos e aqueles considerados abusivos e, por consequência, desconsiderados para fins fiscais. Além disso, também sinalizam para a necessária vinculação a legalidade, uma vez que o ordenamento jurídico não possui qualquer dispositivo que conceitue “propósito negocial” ou que tenha estabelecido um requisito de validade dos negócios jurídicos.
Sem dúvida, esse precedente poderá e deverá ser utilizado por contribuintes que sagraram-se vencidos no âmbito administrativo, em vista das reiteradas decisões que, cegamente, aplicam o indefinido e subjetivo “propósito negocial” como razão de decidir.