Ana Paula Borges Lichffet
Paulo Cesar da Silva Filho
No último dia 23.08, por seis votos a três, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) surpreendeu os contribuintes de todo o país ao decidir que a falta de pagamento do Imposto sobre Circulação de Serviços e Mercadorias (“ICMS”) em operações próprias, ainda que devidamente declaradas ao Fisco, configura crime de apropriação indébita tributária.
A decisão proferida no bojo do REsp nº 1.598.005 encerra discussão que se alastra há quase dois anos e uniformiza a jurisprudência do Tribunal sobre a matéria, que até então era objeto de divergência entre a 5ª e 6ª Turmas. De acordo com os Ministros do STJ, o ICMS próprio quando destacado integra o preço da mercadoria ou do serviço, e é integralmente repassado ao consumidor final. E, justamente pelo fato de apenas transitar pelo resultado da empresa, a falta de recolhimento do tributo caracterizaria o dolo do agente de apropriar-se indevidamente de receita pertencente à Administração Tributária, em flagrante prejuízo ao Erário Público.
Com efeito, na esfera penal, o acórdão sob análise introduz precedente que contraria o entendimento há muito majoritário no sentido de que a mera inadimplência, por si só, não configura crime contra a ordem tributária: somente se reputa típica a conduta do sujeito passivo que deixe de efetuar o pagamento de tributos munido do desígnio de fraudar a Administração Tributária. É dizer: ausente o animus específico de incitar o Fisco em erro para se escusar do cumprimento de obrigações tributárias próprias, não há crime de apropriação indébita fiscal.
De fato, nos parece ilógica a presunção de que o sujeito passivo que deixar de pagar o ICMS próprio, no montante que efetivamente declarou ao Estado, pretenda fraudar o Fisco. Aliás, é justamente este o fundamento adotado, em âmbito tributário, para afastar a aplicação de multa qualificada. Se assim o é em âmbito tributário, com mais razão ainda deveria sê-lo na esfera criminal.
A nosso ver, embora ainda não publicado o acórdão, inúmeros são os desacertos verificados na decisão proferida no REsp nº 1.598.005 que, embora não seja vinculante, institui temerário precedente contrário aos contribuintes, que poderão sujeitar-se a penas de até dois anos de reclusão, na hipótese de declarar e não recolher o ICMS.
Esperamos que a questão seja em breve reavaliada pelo Supremo Tribunal Federal (“STF”), para que sejam corrigidas as equivocadas conclusões fixadas no âmbito do STJ.