A estabilização da tutela provisória antecipada concedida em caráter antecedente
Victória Tonin Carminati
A tutela provisória é o instrumento mediante o qual se busca assegurar ou proteger determinado direito em situações de urgência ou em casos de evidência, sem que, para isso, tenha que ser aguardada a decisão final do processo. Em outras palavras, dá-se através de ato do juiz, por meio de decisão interlocutória, que admite ao postulante, total ou parcialmente, a antecipação dos efeitos do mérito, permitindo, ainda, a fruição do bem jurídico buscado em juízo.
Inicialmente, cumpre esclarecer que o Código de Processo Civil de 1973 contemplava apenas duas modalidades de tutela provisória: a antecipada, concedida somente em caráter incidental; e a cautelar, concedida em caráter antecedente, ou na forma incidental mediante processo autônomo.
No antigo Código de Processo Civil, a tutela antecipada somente era admitida em caráter incidental, ou seja, o autor, na inicial, pedia a antecipação dos efeitos de decisão que o juiz teria condições de conceder em tutela definitiva.
Como se sabe, o Código de Processo Civil de 2015 introduziu significativas mudanças no cenário jurídico brasileiro. À luz do novo Código, a tutela antecipada, que antes pressupunha o ajuizamento do pedido principal, feito na petição inicial, pode agora ser requerida também em caráter antecedente, ou seja, em momento anterior à propositura da ação.
A tutela provisória antecipada concedida em caráter antecedente está elencada nos artigos 303 e 304 do novo Código de Processo Civil, e é utilizada para possibilitar, nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, que a petição inicial se limite ao pedido de antecipação da tutela jurisdicional e à indicação do pedido de tutela final.
Concedida a tutela antecipada em caráter antecedente, tem o autor o ônus de aditar a petição inicial com a complementação de seus argumentos, juntando novos documentos e confirmando o pedido de tutela definitiva, no prazo de 15 dias, sob pena de extinção do processo sem resolução de mérito.
Diante do aditamento supramencionado, haverá a citação do réu para a audiência de tentativa de conciliação que, restando infrutífera, marcará o início do prazo para apresentação de contestação, conforme estabelecem os incisos I e II do parágrafo 1° do artigo 303 do Código de Processo Civil.
Como mencionado anteriormente, a tutela provisória é concedida por meio de decisão interlocutória, assim, o recurso cabível contra essa decisão é o Agravo de Instrumento, conforme dispõe o artigo 1.015, inciso I, do Código de Processo Civil.
Não havendo insurgência recursal quanto à decisão que concedeu a tutela provisória antecedente, esta se estabiliza, extinguindo o processo, nos termos do artigo 304, caput e parágrafo 1°, do Código de Processo Civil, in verbis:
Art. 304. A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso.
- 1o No caso previsto no caput, o processo será extinto.
A rápida leitura do dispositivo suprarreferido parece sugerir que o réu, para não ver estabilizada a tutela provisória e extinto o processo, deve obrigatoriamente interpor recurso de Agravo de Instrumento contra a decisão que concedeu a tutela de urgência antecipada em caráter antecedente.
Contudo, há entendimento doutrinário, já adotado por alguns juízes, no sentido de que, não interpondo o réu Agravo de Instrumento, mas, desde logo, oferecendo contestação no mesmo prazo, ou, ainda, manifestando-se acerca do interesse em audiência de conciliação, servem tanto quanto a interposição de recurso para afastar os efeitos da estabilização.
Assim, não deve prevalecer a interpretação literal do artigo 304 do novo Código de Processo Civil, mas sim a interpretação no sentido de que qualquer atitude do réu que se contraponha à estabilização da tutela provisória antecipada, como, por exemplo, a apresentação de contestação ou a simples manifestação para que seja designada a audiência, são aptos a obstar a referida estabilização.
Não se manifestando o réu pelo exaurimento da cognição, a tutela antecipada concedida em caráter antecedente se estabiliza e os efeitos dessa estabilização perdurarão enquanto não for proposta ação revisional, no prazo decadencial de 02 anos, a contar da ciência da decisão que extinguiu o processo.
A ação revisional possui a finalidade de rever, modificar ou invalidar a decisão que concedeu a tutela antecipada antecedente. A parte que desejar rever, reformar ou invalidar a tutela provisória estabilizada deverá ajuizar nova demanda em face da outra, de acordo com o artigo 304, §2º, do N.C.P.C.
Pode, então, a tutela provisória ser revogada ou modificada a qualquer tempo, passando a ser permanente somente após substituição por provimento definitivo. Portanto, apesar de não fazer coisa julgada, os efeitos da tutela de urgência estabilizada não poderão ser afastados senão por ação tendente ao exaurimento da cognição.
Assim, concedida a antecipação da tutela e ocorrendo o aditamento da inicial pelo autor, não havendo manifestação contrária por parte do réu, a tutela antecipada concedida em caráter antecedente tem seus efeitos estabilizados e, não sendo ajuizada ação revisional dentro do prazo legal, referida estabilidade torna-se inafastável.