Fabrício Loureiro de Carvalho Freitas
As operações de incorporação, fusão e cisão são reconhecidas por sua capacidade de alterar os sistemas jurídicos particulares das sociedades nelas envolvidas e refletir diretamente nos direitos de participação dos sócios destas sociedades. Não por outra razão, são identificadas, também, como operações de reorganização societária. A operação de incorporação é a aquela mais comumente utilizada no mercado e diferencia-se das demais por deter a função de unificar as sociedades incorporada e incorporadora envolvidas na operação e provocar a extinção da incorporada. Entre os principais efeitos da incorporação, estão: a) unificação dos patrimônios das sociedades; e b) a unificação dos grupos sociais das sociedades.
A unificação dos patrimônios das sociedades envolvidas na operação é decorrência da transmissão obrigatória da totalidade do patrimônio da incorporada para incorporadora. Transmissão de patrimônio que ocorre por sucessão universal, pela qual a incorporadora passa a ocupar a posição de sujeito ativo e passivo de todos os direitos e obrigações do patrimônio da incorporada, ainda que não conhecidos por ocasião da operação.
Em razão desse efeito, a situação patrimonial que cada uma das sociedades envolvidas tinha antes da operação pode ser alterada. É possível que uma sociedade geradora de prejuízos ou com passivos ocultos quando incorporada a outra lucrativa torne a remanescente menos lucrativa ou até mesmo geradora de prejuízo. Também possível que a incorporação operada entre sociedades lucrativas reflita, ao cabo, em uma incorporadora remanescente com maior potencial lucrativo.
Essas variantes devem refletir diretamente sobre o objeto dos direitos de participação dos sócios das sociedades envolvidas. A perspectiva que o sócio detinha sobre a rentabilidade, a política de distribuição de dividendos e o acervo líquido antes de efetivada a operação, no âmbito da incorporada e no âmbito da incorporadora, pode ser alterada para melhor ou pior a depender da alteração da situação patrimonial das sociedades.
De acordo com o segundo efeito da operação, os sócios da incorporadora e os sócios da incorporada, que até a efetivação da incorporação formam grupos sociais distintos, cada qual ligado a uma das sociedades envolvidas na operação, passam, com a incorporação, a integrar o novo grupo social da incorporadora. São os sócios da incorporada, com exceção daqueles que exerceram o direito de retirada, que passam obrigatoriamente a integrar o grupo social da incorporadora e unificam os grupos sociais das sociedades.
É possível que os sócios da incorporada não encontrem no contrato social/estatuto social da incorporadora os direitos que anteriormente lhes eram assegurados no contrato social/estatuto social da extinta incorporada. A nova posição de sócio dos sócios das duas sociedades pode implicar a perda dos direitos que lhes eram assegurados na titularidade de determinados percentuais do capital social da sociedade, bem como na perda ou na redução da capacidade que detinham de definir a vontade social da sociedade sobre determinadas matérias postas à deliberação nas reuniões de sócios ou assembleias gerais.
Nesse cenário, a depender da redução da fração ideal que detém o sócio da incorporadora sobre o capital social da sociedade, os direitos de minoria atrelados à titularidade de determinados percentuais do capital social, que até a operação lhe eram assegurados (principalmente nas sociedades anônimas), podem, a partir de então, não mais o ser. Para fins de exemplo, veja-se que a Lei das S.A. assegura ao acionista titular de 5% do capital social da sociedade o direito de requerer judicialmente a apresentação dos livros da sociedade (artigo 105) e o direito de obter informações do Conselho Fiscal (artigo 163, §6º), quando instalado. Ainda, entre os direitos assegurados aos acionistas titulares de pelo menos 10% do capital votante: a) requerer à assembleia geral que instale o Conselho Fiscal da companhia (artigo 161, §2º); e b) requerer a adoção do sistema de votação múltipla na eleição dos membros do Conselho de Administração da companhia (artigo 141).
Quanto aos sócios da incorporada, veja-se que os direitos de participação que lhe foram conferidos no âmbito da incorporada são completamente extintos por ocasião da extinção das quotas/ações, sem garantia de reestabelecimento no âmbito da incorporadora. A depender das estipulações do negócio, portanto, as quotas/ações emitidas pela incorporadora podem representar número, espécie e classe diversa daquelas até então detidas pelo sócio no âmbito da incorporada e, por consequência, alterar os direitos de participação que lhe eram assegurados até então. É possível que a reestruturação implique a alteração do direito do sócio da incorporada sobre a prioridade na distribuição de dividendo, o dividendo fixo e o dividendo mínimo.
Nesse cenário, importante compreender que a legislação societária brasileira disponibiliza diversos instrumentos capazes de compor a relação entre o poder do sócio controlador e os interesses e direitos dos sócios minoritários na operação em comento. Trata-se tanto de normas materiais, que criam direitos e deveres, quanto de normas instrumentais, sustentadas em procedimentos específicos. Para fins de exemplo, refere-se: a) à necessidade de a operação de incorporação ser aprovada pela reunião de sócios/assembleia geral; b) ao direito de recesso dos sócios dissidentes; c) às regras para fixação da relação de substituição de quotas/ações; e d) às regras para divulgação de informações.
Por certo, face a especificidade da matéria, a definição da posição a ser tomada pelos sócios por ocasião do recebimento de proposta de reorganização societária, bem como a definição de proposta de reorganização societária depende do trabalho de profissionais especializados que trabalham com a matéria.