No dia 04/03, em pedido de tutela antecipada deferido pelo TRF3, um contribuinte que havia deixado de pagar uma prestação de transação tributária excepcional obteve o direito de voltar ao parcelamento negociado com a Fazenda Nacional. Com fundamento nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade da Administração Pública, a devedora retorna ao regime de transação tributária do qual havia sido excluída pelo não pagamento de uma única parcela da entrada, também conhecida como “pedágio”.
A contribuinte havia negociado a redução do montante de R$ 400.000,00 em Imposto de Renda Pessoa Física – IRPF inscrito na dívida ativa para o valor de R$ 150.000,00. Aderindo à transação excepcional regulamentada pela Portaria PGFN nº 14.402/2020, a devedora deveria quitar esta quantia em 145 prestações, sendo 12 delas como entrada, no valor de R$ 1.335,24 mensais, e outras 133 parcelas, de R$ 1.050,90 cada.
Devido a problemas de saúde, a contribuinte deixou de pagar no prazo a última das parcelas da entrada. Superado este quadro, buscou pagar a parcela em atraso, através do programa ”Regularize”, também da PGFN; porém a negociação – incluindo os descontos concedidos e o parcelamento – havia sido cancelada, por aplicação do art. 16, § 3º, da Portaria PGFN nº 14.402/2020. Segundo a devedora, o cancelamento ocorreu sem aviso prévio ou notificação para pagamento ou interposição de recurso no prazo de 30 dias, tal como dispõe o art. 20 da portaria citada acima.
Buscando o Judiciário, a contribuinte teve, em primeira instância, o seu pedido de retorno ao parcelamento negado, sob o argumento de que o pagamento de todas as parcelas de entrada seria condição necessária à adesão ao programa de parcelamento. Em sede de agravo de instrumento interposto contra esta decisão, contudo, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região determinou, por ora, a reinclusão da agravante na transação excepcional.
Concedendo a antecipação da tutela recursal, o desembargador Nelton Agnaldo Moraes dos Santos adota como fundamento para sua decisão o argumento de que negar à contribuinte sua reinclusão no parcelamento fere os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade da Administração Pública. Nesse ponto, o julgador também ressaltou que o retorno da recorrente ao programa não geraria prejuízos ao fisco, por conta da postura de boa-fé da devedora ao buscar quitar suas dívidas.
Comentando o ocorrido, José Henrique Guaracy, sócio do CCBA, vê como acertada a concessão da tutela recursal antecipada: “À primeira vista, a leitura da letra fria da Portaria PGFN nº 14.402/2020 pode dar a entender que a Fazenda agiu corretamente ao cancelar a transação tributária da contribuinte. Contudo, não se pode descurar que o fim ao qual o art. 16, § 3º, deste regulamento se presta é justamente a garantia de que o Estado receberá os valores que lhe são devidos, levando a conclusão necessariamente diversa, favorável ao contribuinte: excluir do regime de parcelamento o devedor que busca, de boa-fé, pagar suas dívidas tributárias é, certamente, emprego abusivo das disposições da referida portaria, incabível em um ordenamento jurídico que conta com princípios como proporcionalidade e razoabilidade norteando a administração pública”.
Além disso, analisando os fundamentos da decisão, Guaracy aponta ainda que a mesma solução empregada pelo julgador neste caso seria, também, plenamente aplicável a pessoas jurídicas em situação análoga. O argumento é de que “assim como se decidiu no caso de uma pessoa física, a severa sanção de exclusão do regime de transação tributária, se aplicada, por conta de um descumprimento mínimo das obrigações assumidas, a uma pessoa jurídica que busca ativamente efetuar os pagamentos em atraso, viola igualmente os princípios de proporcionalidade e razoabilidade no trato do Poder Público com os seus jurisdicionados”.
Em conclusão, nosso sócio ainda relembra que a aplicação da norma deve ser pertinente com os objetivos por ela própria esposados: “Vale lembrar que a Portaria PGFN nº 14.402/2020 tem por objetivos expressos – previstos em seu art. 2º – o enfrentamento da grave crise econômica causada pela pandemia do novo coronavírus, assim como viabilizar uma cobrança de créditos tributários que não seja descolada da real capacidade de geração de resultados de pessoas jurídicas em contexto de forte recessão. É evidente que tais objetivos não serão alcançados por meio de uma interpretação literal e desarrazoada do texto legal, mas sim através da consideração de todo o cenário jurídico e econômico no qual o dispositivo legal se insere”, destaca José Henrique Guaracy.