Por Luciana Gil, Luciana de Campos Maciel e Patrícia Mendanha Dias
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Após dois anos de tramitação, o Projeto de Lei nº 528/2020, conhecido por “PL do Combustível do Futuro”, está mais próximo de se tornar realidade. A proposição, iniciada na Câmara dos Deputados em 2020 pelo deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), foi aprovada pelo Plenário no dia 15 de março, mediante relatoria e texto substitutivo do deputado Arnaldo Jardim (Cidadania – SP). O projeto, que agora vai para o Senado, foi comemorado por grupos ambientalistas e apoiadores da transição energética.
De todo modo, a despeito dos avanços para a vanguarda brasileira no tema, ainda há desafios a serem enfrentados no Senado, na futura regulamentação – especialmente pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPJ) e Agência Nacional de Petróleo (ANP) –, e para a operacionalização.
Dentre essas frentes tratadas no projeto, chamam atenção as inovações estruturais nos setores de aviação civil, gás natural, diesel verde e nas atividades de captura e armazenamento de carbono (CCS).
Para a aviação civil, a novidade está na imposição de uma meta de utilização de combustível sustentável com menor emissão de carbono (o chamado SAF), exigível a partir de 2027. Para algumas companhias aéreas, que já possuem metas voluntárias de aumento do SAF até 2030, o cumprimento se tornará cogente, implicando multas em caso de descumprimento.
Nesse ínterim de três anos até a utilização do SAF se tornar obrigatória, um importante entrave a ser superado será a própria disponibilidade de combustível no mercado. Sabe-se que, no Brasil, apesar dos projetos de plantas piloto, ainda não existe produção em escala comercial para atender a demanda criada pela nova normativa.
Já para o setor de gás natural, a mudança acende um alerta relevante. No PL propõe-se a criação do nominado “Programa Nacional de Descarbonização do Produtor e Importador de Gás Natural e de Incentivo ao Biometano”.
O programa, que depende de regulamentação pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), implicará definição das metas anuais de redução das emissões de GEE no mercado de gás natural, por meio da utilização de biometano, e abrangerá produtores e importadores.
Pelo texto aprovado na Câmara, essa obrigação entrará em vigor em 1º de janeiro de 2026, com valor inicial de 1%, não podendo exceder 10%.
O grande desafio dessa frente, entretanto, está na própria execução e fiscalização do programa. Isso porque, dentre as formas de cumprimento da obrigação de introdução do biogás, está prevista a aquisição do respectivo volume percentual de biometano ou de Certificados de Garantia de Origem do Biometano (CGOB).
Ocorre que nessa segunda alternativa, há previsão de que o referido CGBO poderá ser comercializado livremente até sua aposentadoria, mas que apenas deverá ser utilizado uma única vez, o que se assemelha às preocupações de “dupla contagem” próprias do mercado de créditos de carbono. No próprio artigo 19 do PL é estabelecido que a regulamentação do CGOB deverá garantir rastreabilidade, transparência, credibilidade e fungibilidade com outros certificados, quando couber, garantida a não ocorrência de dupla contagem do atributo ambiental.
Ou seja, a forma de rastreio de tais certificados, o lastro de origem e a citada “fungibilidade com outros certificados”, exigirá a instituição de um sistema robusto de validação, credenciamento e controle, o que ainda será regulamentado e implementado no âmbito do CNPE e ANP.
Passando para o setor de produção de diesel verde, o grande impulso foi garantido pela determinação, ao CNPE, que estabeleça, a cada ano, até 2037, a participação volumétrica mínima obrigatória de diesel verde, produzido a partir de matérias-primas exclusivamente derivadas de biomassa renovável, em relação ao diesel comercializado ao consumidor final. Lembrando que a especificação desse combustível foi regulamentada pela ANP em 2021, por meio da Resolução nº 842, e já é anunciada por diversas empresas como uma estratégia para descarbonização.
Essa transição no caso dos combustíveis também será garantida pelo aumento percentual da mistura de etanol à gasolina (22 a 27%, podendo chegar a 35%) e do biodiesel ao diesel de origem fóssil – atingindo 20% em março de 2030.
Por fim, importante citar o avanço com a aprovação dos dispositivos sobre CCS, ainda que de forma não exaustiva e sem o detalhamento do PL 1425/2022, do senador Jean-Paul Prates, específico sobre o tema e aprovado no Senado no ano passado. De qualquer forma, essa ausência de conceitos e procedimentos no PL do Combustível do Futuro, não impedirá a aprovação daquela proposição específica, tampouco da especificação via regulamento, o que será a maior dificuldade diante da complexidade do setor.
Nota-se, portanto, que a transição energética nacional tem se aproximado e estruturado de forma célere, o que poderá colocar o Brasil em uma posição de ainda mais destaque na descarbonização do setor energético.
Resta, então, que a aprovação do Senado ocorra para que, em ajustes finais, sejam endereçadas as sensibilidades e desafios de cada setor, mediante a construção de um texto legal que contribua com a regulamentação futura e garanta os incentivos e segurança jurídica necessários para a efetivação da política.
Aos setores afetados cabe a avaliação das exigências e entraves para a implementação, especialmente para que, no momento da regulamentação, possam ser apresentadas contribuições às avaliações de impacto regulatório, nas consultas públicas e em outras formas de participação setorial, garantindo que a operacionalização do sistema seja exequível e sustentável.
Escritório Aliado Bichara Advogados para o Valor Econômico