Por Amanda Ferreira Momenté
A fim de promover uma reflexão sobre o acentuado número de acidentes, doenças e óbitos ocorridos nos ambientes de trabalho, no dia 27 de julho, comemora-se o dia nacional de prevenção de acidentes de trabalho.
A campanha é no sentido de conscientizar, para que o trabalho não seja uma fonte de riscos ao empregado, pois, por óbvio, o trabalhador, quando inicia seu labor diariamente, o faz na tentativa de garantir sua subsistência e de sua família, não imaginando que poderá sofrer um acidente no trabalho, o que devemos lutar para evitar.
Não se pode desconsiderar que os avanços tecnológicos têm efeitos diretos nos números de acidentes de trabalho, posto que lidamos com máquinas mais potentes, produção em larga escala, aceleração dos procedimentos, entre outros fatores que exigem cuidados redobrados para evitarmos os fatídicos.
É necessária a compreensão que um dos pilares para o desenvolvimento econômico e social em um modelo de negócios sustentável é através da promoção da vida e da saúde.
Segurança do trabalho
Garantir a segurança no trabalho é dever do empregador e não pode ficar em segundo plano, vez que estamos diante de direitos humanos garantidos constitucionalmente, quais sejam, a vida, saúde e meio ambiente de trabalho equilibrado e sadio, os quais devem ser assegurados a todos os trabalhadores, por se tratar de bem comum de interesse social.
A Portaria Nº. 3.214 de 08 de junho de 1978 do Ministério do Trabalho (atual Ministério da Economia) aprovou as Normas Regulamentadoras (NRs) da CLT relativas à segurança e medicina do trabalho e devem ser seguidas, obrigatoriamente, pelos empregadores.
O acidente de trabalho e equiparados
Nos termos do art. 19 da Lei 8.213/91, considera-se acidente de trabalho aquele que ocorre pelo exercício do trabalho, quando a serviço da empresa, que provoque lesão corporal ou perturbação funcional, causa a morte, perda ou redução da capacidade para o trabalho.
Nos termos da legislação vigente, além do acidente de trabalho típico, os acidentes de trajeto, acidente sofrido no local e horário de trabalho, em consequência de ato de agressão, ofensa física, ato de imprudência, imperícia, negligência, causados por terceiros, bem como inundações, desabamentos, incêndios e casos fortuitos provenientes de força maior, assim como as doenças profissionais, desenvolvidas pelo colaborador devido ao exercício do trabalho, situações que se equiparam a acidentes de trabalho para todos seus efeitos legais, devendo proceder a abertura de Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) e decorre estabilidade.
Acidente de trajeto
A Lei de Benefícios Previdenciários (Lei 8.213/91) estabelece que, ainda que o acidente não ocorra no estabelecimento e no horário de trabalho, será considerado acidentes de trabalho, aquele que ocorrer no percurso da residência para o local de trabalho, nos termos do item d, inciso IV, artigo 21.
A questão começou a apresentar discussões com o advento da Reforma Trabalhista, a qual retirou o tempo dispendido pelo empregado para percorrer o trajeto de sua residência ao posto de trabalho, para computo na jornada de trabalho, não sendo mais considerado tempo à disposição do empregador.
A Medida Provisória 905 de 12 de novembro 2019 havia consolidado o entendimento sobre o tema, no sentido que o acidente de trajeto não se equiparava a acidente de trabalho. Entretanto, a MP 905 vigorou, tão somente, até o dia 20 de abril deste ano, quando foi completamente revogada pela MP n° 955/2020. Assim, foi retomada a discussão que permeava após o advento da Reforma, emergindo duas correntes.
De um lado, há aqueles que defendem que o acidente de trajeto, nos termos da legislação previdenciária, volta a ser equiparado ao acidente de trabalho, sendo irrelevante se o transporte é fornecido pelo empregador, se o empregado possui transporte próprio ou se utiliza o transporte público.
De outro, existem aqueles que argumentam que, se o tempo para deslocamento não integra da jornada, não pode ser de responsabilidade da empresa a prevenção de acidentes durante esse período, entendo estar tacitamente revogado a equiparação a acidentes de trabalho o disposto na Lei de Benefícios Previdenciários, exceto se o empregador fornecer o meio de transporte para que o empregado chegue até o local de trabalho, hipótese em que o acidente passa a ser de responsabilidade da empresa, pois ao oferecer o translado a empresa se equipara ao transportador.
Impactos da pandemia do coronavírus
A Pandemia do Coronavírus trouxe inúmeras modificações e incertezas para as relações de trabalho, dentre elas a possibilidade de relacionar a doença a doença ocupacional e a massificação da adoção do regime de teletrabalho.
As empresas, com intuito de manter o distanciamento social, para as atividades em que era compatível, passaram a adotar o regime trabalho à distância, com previsões para perdurar, inclusive, em um cenário pós pandemia.
Em que pese já haver a previsão de trabalho remoto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ele era pouco utilizado e agora devido a sua adoção massiva, começaram a surgir inúmeras dúvidas quanto as suas particularidades, dentre elas, a imputação de responsabilidade ao empregador por acidente de trabalho ocorrido fora das dependências da empregadora.
Dispõe o artigo 75-A da CLT, que a empregadora é responsável pelas normas de medicina e segurança do trabalho, inclusive para os trabalhadores que prestam serviços na modalidade de teletrabalho ou home office.
A grande celeuma em razão da particularidade desta modalidade de trabalho, está exatamente em distinguir o acidente doméstico de um acidente de trabalho, para fins de imputação de responsabilidade ao empregador, uma vez que não se pode considerar como acidente de trabalho todo infortúnio ocorrido durante o horário laboral, sendo necessário que os motivos do acidente se correlacionem com a prestação de serviços realizada.
Lado outro, se o empregado se lesionar em seu domicílio em decorrência da prestação de serviços, como por exemplo, ao não utilizar os equipamentos necessários para postura correta ou sofrer uma queda da cadeira ou escada enquanto trabalha, a responsabilidade, certamente, será atribuída à empresa.
Esta responsabilidade advém da obrigação que o empregador tem, além de fornecer os equipamentos tecnológicos e estrutura adequados para o trabalho remoto, também instruir o empregado, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções contra doenças e acidentes de trabalho.
Entretanto, naquelas atividades em que o teletrabalho era incompatível e os trabalhadores continuaram comparecendo aos estabelecimentos do empregador, surgiram as discussões sobre a possibilidade de enquadramento de contaminações por COVID-19 como doença ocupacional.
A Medida Provisória 927/2020, em seu art. 29, estabelecia que os casos de contaminação pelo coronavírus não seriam considerados ocupacionais, exceto mediante de comprovação do nexo causal. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), quando a Medida Provisória ainda estava em vigor, suspendeu, em caráter liminar o referido artigo, fazendo surgir o questionamento, se a patologia poderia ser considerada doença do trabalho.
Ocorre que, em que pese o STF ter suspendido a redação do artigo, fato é, que não se pode indiscriminadamente considerar toda e qualquer contaminação pelo novo vírus, de fácil e rápida propagação através de simples contato com uma pessoa contaminada, ainda que assintomática, ou superfície contaminada, como proveniente do trabalho.
A decisão do STF pretendeu, em verdade, inverter o ônus da prova, nessas situações, para a empresa, em evidente aplicação ao princípio da proteção ao trabalhador, posto que entendeu ser dificultoso ao empregado comprovar o nexo causal entre o vírus e o ambiente laboral.
Assim, a empresa, a fim de afastar o reconhecimento como doença ocupacional equiparada a acidente de trabalho, deverá comprovar que adotou todas as medidas de segurança e orientou seus trabalhadores sobre elas no período de pandemia.
Todavia, nas atividades em locais que apresentem alto risco de contaminação, como hospitais e até funerárias, os juristas tem se pronunciado de forma a considerar que a responsabilidade do empregador, em caso de eventual contaminação do empregado, seria objetiva, ou seja, independente de comprovação de culpa, tendo em vista o alto risco que envolve a atividade.
É inegável que o assunto comporta inúmeras controvérsias, ainda sem precedentes jurisprudenciais, sobretudo quanto à necessidade de comprovação de culpa.
O que fazer após um acidente de trabalho?
A Empresa deve tomar todas as medidas necessárias para o atendimento e acompanhamento médico do empregado e, também, para a família da vítima, indiretamente afetada. Na sequência, a empregadora terá até um dia útil após a ocorrência do acidente de trabalho para abrir uma CAT identificando os envolvidos, local e as circunstâncias em que se deram o acidente.
O caso será analisado pelo médico especialista, que à luz da gravidade, pode recomendar afastamento do empregado das suas atividades laborais até recuperação. Se o afastamento do trabalho perdurar por mais de 15 dias, o colaborador deverá requerer perante e Autarquia Previdenciária (INSS) o benefício de auxílio acidente ou auxílio doença acidentário.
O empregado que recebe o afastamento previdenciário devido ao acidente de trabalho gozará de estabilidade no trabalho por mais 12 meses, após o retorno do empregado ao trabalho.
Lado outro, se o acidente decorrer em afastamento do trabalho inferior a 15 dias, o empregador deixará de contar com a mão de obra temporariamente, tendo em vista que o empregado se encontrará afastado em decorrência do acidente sofrido e deverá arcar com os custos econômicos da relação de emprego.
Quando o trabalhador puder retornar ao trabalho, se em razão das sequelas advindas do acidente, não puder mais exercer a mesma atividade anteriormente desempenhada na empresa, o empregador deverá reintegrá-lo para função compatível com a situação atual.
Responsabilidade social pela prevenção aos acidentes de trabalho
A tentativa de combater os acidentes de trabalho envolve esforços e interesses múltiplos, que não se resumem na relação: empregador e empregado, pois quando ocorre um evento que desencadeia em um acidente de trabalho, aqueles, por óbvio, são os principais envolvidos, mas não únicos.
Um acidente de trabalho traz graves danos à vida e saúde, tanto do colaborador, que sofreu o fatídico, como de seus familiares, não raro à coletividade, em razão de tragédias ocorridas em locais de grande circulação de pessoas, e também à empresa, pois pode ter um impacto, tanto financeiro com pagamento de indenizações caso o empregado sofra prejuízos físicos, estéticos e morais, como em sua imagem e reputação. Por isso é tão importante o envolvimento geral na busca pela prevenção a acidentes de trabalho.
É dever do empregador, sobretudo, garantir um ambiente de trabalho seguro, fornecer aos seus colaboradores os equipamentos de proteção individuais e coletivos, substitui-los, quando necessário, treinar os empregados, bem como fiscalizar seu uso correto, nos termos do art. 157 da CLT. Vez que, na maioria das vezes, os acidentes de trabalho, decorrem da inobservância de condições de segurança local.
Para as empresas que contam com mais de 20 empregados, é obrigatória a instituição de uma Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), a qual tem a função de orientar os empregados, promover palestras e cursos, fiscalizar e sugerir medidas que reduzam os riscos para evitar acidentes de trabalho.
Os Cipeiros atuam como verdadeiros aliados aos empregadores no combate aos acidentes de trabalho, pois, além de promover uma conscientização, sempre que ocorre um acidente, investigam as causas e propõem medidas para evitar que situações semelhantes se repitam, encaminhando os resultados das reuniões ao empregador e ao Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT), composto por profissionais de segurança e medicina do trabalho, que tem por finalidade preservar a saúde e a integridade física dos trabalhadores no local de trabalho.
Ao empregado, por sua vez, é fundamental que se atenha às normas da empresa, utilizando os equipamentos fornecidos e os mantenha em bom estado de conservação, contribuindo, assim, para um meio ambiente seguro e saudável, conforme art. 158 da CLT.
Os Auditores do Trabalho do Ministério da Economia e os Procuradores do Ministério Público do Trabalho, tendo em vista a tarefa que lhe é atribuída de guardiões das relações de trabalho, também têm o papel de zelar pelas condições de saúde e segurança do trabalho, através de inspeções periódicas.
Quanto à responsabilidade do empregador, que gera o dever de indenizar, deve-se comprovar, obrigatoriamente, o nexo causal e o dano ocorrido. Em que pese ter ocorrido um acidente, se é afastado o nexo causal, tendo a empresa demonstra que cumpriu todas as medidas de segurança, não há que se falar em dever de indenizar.
O entendimento dominante tem sido que é necessária, também, a prova da culpa do empregador para que este seja responsabilizado pelo ocorrido, exceto nas atividades de elevado grau de risco, nas quais se responde objetivamente, ou seja, independente de demonstração de culpa.
Entretanto, importante pontuar que na Justiça do Trabalho, em razão de seu caráter protecionista ao trabalhador, essa questão ainda é bem sensível e demanda que empregador disponha de largo arcabouço probatório e baixo grau de risco da atividade, para conseguir se ver livre de uma condenação decorrente de um acidente de trabalho.
A Norma Regulamentadora Nº 4 classifica o grau de risco das atividades de 1 a 4, sendo 1, muito baixo, e 4, alto, a depender da atividade principal da empresa definida em seu CNAE. Logo, se a empresa apresenta risco considerável, médio para alto, não se discute culpa em um acidente de trabalho, que possa ter ocorrido. Nesses casos, a discussão limitar-se-á ao nexo de causalidade entre o acidente de o trabalho exercido.
É a partir da análise do grau de risco que os colaboradores têm no desempenho de suas atribuições, que a instituição poderá estudar e determinar quais as melhores maneiras para prevenir os acidentes, diminuindo, por consequência, as multas e pesadas condenações impostas pela Justiça do Trabalho.
Um acidente de trabalho pode gerar desde uma reclamatória trabalhista do colaborador que sofreu a lesão, como de sua família, caso aquele venha a óbito, e pode advir condenações pesadas para as empresas, pois, na maioria das vezes, os pedidos vêm acompanhados de danos morais, danos materiais, pensão mensal vitalícia, pedido de reintegração ou indenização substitutiva, além de intensificar a fiscalização pelo órgãos responsáveis e até mesmo se desdobrar em Ação Civil Pública, com pedido de danos morais coletivos, devido aos danos à comunidade.
Além de todas essas consequências, não podemos esquecer de pontuar que, caso o empregado receba atestado médico indicando afastamento superior a 15 dias, em decorrência das atividades laborais ou acidente de trabalho, e venha a ser afastado pelo INSS, a Autarquia Previdenciária poderá, com base no art. 120 da Lei 8.213/91, intentar ação regressiva contra a empresa com a finalidade de obter o ressarcimento das despesas decorrentes de acidente de trabalho e doenças profissionais.
Análise de riscos e cultura organizacional
É muito importante que a empresa tenha um planejamento e análise dos riscos de seu empreendimento, de modo que tente eliminar, ou ao menos mitigar os riscos existentes, seja através da contratação de seguros contra acidentes ou investindo em capacitação para seus colaboradores, para que entendam como agir em determinadas situações laborais.
A Organização Internacional do Trabalho desenvolveu normas para o Sistema de Gestão de Saúde e Segurança Ocupacional, com foco na melhoria do desempenho das empresas em questões de saúde e segurança do trabalho, dentre elas, destaca-se a Norma ISO 45001/2018, que fornece recomendações relacionadas as atividades necessárias para o processo de gestão de riscos, reforçando a importância de ações preventivas.
Uma das principais recomendações dizem respeito à transformação da cultura organizacional e engajamento no cumprimento de normas, que podem reduzir, drasticamente, os índices e altos custos dos acidentes e afastamentos. Difundir a cultura organizacional tem efeitos, desde a imagem e reputação da empresa até a redução da judicialização e o passivo trabalhista.
Por mais utópico que possa parecer, devemos lutar para termos relações de trabalho seguras, mitigando os alarmantes números de registro dos acidentes e, consequentemente, rechaçando os seus efeitos nefastos à ordem jurídica e, principalmente, aos destinatários desta, quais sejam, as partes desta relação.
A cultura de prevenção de acidentes e doenças também faz com que a empresa ganhe mais credibilidade e confiabilidade perante o mercado e seus colaboradores, que compreendem que a saúde e segurança do time é tida como prioridade.
O crescimento econômico deve caminhar com a responsabilidade social, de modo que a empresa responsável, identifica, previne, reduz e repara os danos de suas atividades às pessoas e ao meio ambiente. Entretanto, cumpre frisar que: prevenção é responsabilidade de todos! Logo, a participação e envolvimento conjunto são fortes aliados no combate aos acidentes de trabalho.
Fonte: Cerizze