Por Marcelo Carvalho da Silva Mayo
A Terceira Turma do Superior Tribunal Federal, em relatoria do Ministro Villas Bôas Cueva, julgou recentemente o Recurso Especial n.o 1.803.250-SP, pelo qual se decidiu que as cotas sociais de empresas, mesmo que em recuperação judicial, podem responder por dívida particular dos sócios.
O entendimento prevalecente na análise do colegiado sustenta que o devedor (sócio) responde por suas obrigações com todos os seus bens, incluindo cotas que detiver em sociedade simples ou empresária, em conformidade com o Art. 789 do atual Código de Processo Civil.
A inclusão das cotas sociais no rol de bens capazes de satisfazer dívidas parte do entendimento de que estas são dotadas de expressão econômica e, portanto, são passíveis de alienação e/ou oneração. Contudo, eventual penhora de cotas sociais não significa que o credor do sócio por dívida particular passará a integrar o quadro social da pessoa jurídica, tampouco exercerá quaisquer poderes sobre a sociedade.
Isto porque a própria decisão em análise tratou de especificar como a penhora de cotas sociais é feita: uma vez penhoradas, as cotas poderão ser supridas pelos sócios remanescentes ou pela própria sociedade, desde que haja previsão contratual e a situação patrimonial o permita. E, não havendo interesse dos demais sócios na aquisição das cotas, estas serão liquidadas e seu valor depositado em Juízo para satisfazer a dívida particular executada. Este rito está previsto no Art. 861 do CPC.
Tal cenário é plausível e lógico para empresas em situação de normalidade da atividade empresarial. A complexidade do debate começa no cenário em que a sociedade afetada pela dívida particular de um dos sócios encontra-se em recuperação judicial. Hipótese em que, em tese, o patrimônio empresarial deveria ser protegido e preservado.
No processo em análise, a empresa cujas cotas sociais foram penhoradas argumentou que a medida era demasiadamente onerosa e violava o direito da sociedade em dispor da recuperação judicial para se reerguer. Porém, o Superior Tribunal de Justiça discordou deste argumento, por entender que a onerosidade da execução deve ser analisada pela ótica do devedor principal, ou seja, o sócio que adquiriu a dívida própria. E se inexistirem quaisquer bens deste sócio capazes de satisfazer a dívida, a sociedade responderá, independentemente de sua situação econômica.
O Ministro Relator também argumentou que a dívida particular do sócio não deve ser submetida ao plano de recuperação judicial da sociedade em recuperação, eis que a dívida não está constituída perante tal sociedade e sim em face de um dos seus sócios. Então, o plano de recuperação somente é aplicável a dívidas constituídas pela própria empresa.
Ademais, apontou-se que as cotas sociais somente não responderão pela dívida particular de sócio caso alguma proibição legal assim disponha, e que não existe vedação legal para a penhora de cotas de empresas em recuperação judicial. Portanto, quanto à hipótese de sociedade em recuperação judicial, o magistrado ressalvou que poderia haver restrição à liquidação das cotas penhoradas, mas não à penhora em si.
Por fim, a Terceira Turma concluiu que o pagamento do valor relativo às cotas sociais para satisfação da dívida particular do sócio pode ter prazo alongado nas hipóteses em que houver risco à estabilidade da sociedade. Assim, a depender da fase em que a recuperação judicial estiver, o juízo pode ampliar o prazo para o pagamento, aguardando o seu encerramento.
Divergiram da relatoria os Ministros Marco Aurélio Bellizze e Paulo de Tarso Sanseverino.
É importante lembrar que as cotas societárias estão ao final de uma lista de patrimônios a serem penhorados. Essa lista deve ser seguida na ordem em que disposta no Art. 835 do Código de Processo Civil. Assim, somente serão afetadas as cotas sociais do sócio se este não dispuser de patrimônio próprio suficiente para satisfazer a sua dívida particular.
Fonte: Andrade GC