Por Carolina Ribeiro Botelho
Um novo artigo da série de artigos[1] objetivando a análise da crise gerada pelo COVID-19 no mundo do direito civil. O presente objetiva avaliar os efeitos da pandemia sobre os contratos de locação, especificamente os firmados entre empresas, bem como contratos com Shopping Centers.
Como apontado no primeiro artigo cível, demonstra-se evidente que o Corona Vírus (COVID-19), em razão da pandemia mundial declarada pela OMS e do estado de Calamidade Pública pelo Governo Federal, se caracteriza claramente como evento de força maior, uma condição natural que não pode ser controlada pelo ser humano.
A consequência disso, como já exposto, é a possibilidade de se realizar a revisão de contratos ou mesmo sua resolução, pautando-se na onerosidade excessiva ou na aplicação da excludente ocasionada pelo COVID-19, ambos autorizados pelos artigos 478, 479 e 393 do Código Civil.
Obviamente que o contrato de locação não ficaria à margem desta revisão. Embora não tenha havido regulação do Governo acerca dos referidos contratos, como aconteceu em relação aos contratos de trabalho, a sua revisão pode ocorrer em comum acordo entre as partes, ou mediante sua judicialização.
E quando se pesquisam decisões judiciais sobre as revisões de contratos de locação em virtude do COVID-19, encontram-se 2 procedentes bastante razoáveis e absolutamente coerentes com a situação decorrente da pandemia.
O primeiro deles trata do contrato de locação com Shopping Center.
Para que seja possível compreender a conclusão do Julgador, é importante entender como é composto o contrato de locação com Shopping Center. Contrato classificado como “atípico misto” em vista das inúmeras obrigações envolvidas. Vejamos como se subdividem:
– Condomínio: engloba os custos do shopping com segurança, luz, água, entre outros. Rateado entre todos, de acordo com espaço ocupado;
– Fundo de promoção e propaganda: corresponde a um valor arrecadado mensalmente para ser investido em propaganda, promoções e publicidade que promovam o Shopping Center;
– Aluguel percentual: é variável, calculado sobre o faturamento bruto do inquilino;
– Aluguel mínimo: é uma quantia fixa estabelecida, devida na eventualidade do valor do aluguel percentual não alcançar o valor da quantia fixa.
Em notícia recente, a Abrasce (Associação Brasileira de Shopping Centers) informou que ficaria suspensa sua cobrança enquanto o período de fechamento permanecer, “mantendo-se exigibilidade do aluguel para uma posterior definição sobre o assunto”[2].
Ocorre que, a realidade no Estado do Amazonas não tem sido esta, muitos lojistas continuam recebendo os boletos do aluguel. Além do mais, a suspensão não resolveria o problema de forma absoluta, já que o aluguel permaneceria devido.
Diante deste cenário, considerando que houve decreto do Governo Estadual fechando o comércio (que acabou de ser renovado por mais 15 dias – Decreto 42.165) e que os Shopping Centers estão fechados por tal imposição e não por vontade própria, qual seria a melhor solução?
É razoável entender que não lícito beneficiar apenas o locador ou locatário, para cobrar integralmente a locação ou isentá-la.
É preciso avaliar que o shopping, apesar de fechado, ainda incorre em custos com segurança, luz, água e outros – embora reduzidos. Da mesma forma, os locatários ainda armazenam os produtos no local e podem realizar a venda on line ou entregas em domicílio.
Então, demonstrou-se razoável a conclusão adotada pelo Julgador do Tribunal de São Paulo, que determinou:
– A não exigibilidade do fundo de promoção e propaganda, bem como do aluguel mínimo durante o fechamento do shopping.
– Ainda exigíveis o condomínio e o aluguel percentual (ou seja, a empresa pagará aluguel em percentual de acordo com faturamento, sem a exigência do mínimo).
A conclusão demonstrou-se bastante lógica, pois obviamente não se justifica a cobrança pela propaganda que praticamente deixou de existir. Da mesma forma, seria bastante oneroso cobrar um valor mínimo de empresas que faturam próximo de zero.
Ultrapassada a questão da locação com Shopping Center, passa-se ao enfrentamento de qual seria a alternativa das lojas de rua, onde o aluguel é apenas um valor fixo e estão fechadas em observância ao Decreto Estadual.
Seguindo a mesma lógica, é justa a redução proporcional, se o comércio está obrigatoriamente fechado, ou se aberto, como restaurante que pode vender no balcão ou aplicativo, tenha tido queda brusca no faturamento, devidamente comprovado.
Na decisão do Tribunal do Distrito Federal, a redução determinada pelo Julgador foi de quase 50%.
É claro que para a fixação do percentual deve ser observado o efetivo prejuízo do locatário, sem que se possa admitir que o locador deixe de receber valor decorrente do contrato de aluguel ainda em vigor.
O que se defende, portanto, é a busca do equilíbrio. O ideal é que possa ser alcançado através de acordo entre as partes, em sendo inviável, a única alternativa passa a ser a judicialização, em vista da ausência de regulação sobre o assunto.
Fonte: Andrade GC Advogados