PGFN publicou portaria para regulamentar mudanças na Lei de Falências
Empresas em recuperação judicial terão dificuldades de se manter no mercado se, nas suas contas, existirem pendências fiscais. Publicada ontem pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), a Portaria nº 2.382 era o último ato para que as mudanças provocadas pela nova Lei de Recuperações Judiciais e Falências começassem, de fato, a valer.
A norma regulamenta as modalidades de pagamento de dívidas tributárias que foram criadas com a nova lei: o parcelamento – com prazo alongado, mas sem descontos – e a possibilidade de um acordo individual.
Ignorar as novas regras, para as empresas, poderá custar a vida. Aquelas que se mantiverem inertes, sem ao menos tentar uma solução, correm o risco de sequer poder continuar com o processo de recuperação judicial, além de ficarem sujeitas à execução fiscal e penhora de bens e valores.
A exigência de regularidade fiscal sempre esteve prevista em lei, mas havia uma flexibilização por parte dos juízes por causa da “falta de colaboração” do Fisco. Não existiam programas direcionados para as empresas em recuperação. Criou-se jurisprudência, por exemplo, em razão disso, para liberar essas companhias de apresentarem certidão de regularidade fiscal no processo.
Com a nova lei (nº 14.112, de 2020), que entrou em vigor no mês de janeiro, a situação mudou e a aposta da PGFN é que se altere também a jurisprudência.
As empresas em recuperação, podem, agora, escolher entre duas modalidades de parcelamento: em até 120 vezes ou usar prejuízo fiscal para cobrir 30% da dívida e parcelar o restante em até 84 meses. A Fazenda não exige, além disso, que as empresas apresentem garantias à dívida.
As companhias, com a nova lei, também passaram a ter mais vantagens nas chamadas transações tributárias – quando a Fazenda e o contribuinte sentam à mesa para negociar. Elas podem, por exemplo, pagar as suas dívidas em até 120 meses e com até 70% de desconto em juros e multas. Os demais contribuintes conseguem, no máximo, 50% e o parcelamento em até 84 vezes.
A Portaria nº 2.382, da PGFN, está sendo tratada no mercado como “o início dos trabalhos”. As empresas estavam aguardando o que viria, por meio dessa norma, para decidir o que fazer.
No texto constam os princípios que devem ser observados, as obrigações dos contribuintes e da Fazenda, as exigências e as concessões. A norma diz, por exemplo – uma novidade em relação à lei -, que aqueles que aderirem tanto ao parcelamento como à transação poderão migrar para outros programas que venham a surgir no futuro e sejam considerados mais vantajosos.
As empresas que já estão em processo de recuperação judicial – têm plano aprovado e homologado pela Justiça – a partir de agora, com a publicação da portaria, têm prazo de até 60 dias para apresentar pedido de transação (se tiverem interesse nessa modalidade). Para os parcelamentos não há prazo.
As demais companhias, que ainda não chegaram nessa etapa do processo, não têm prazo em nenhuma das duas modalidades. Se mudar a jurisprudência e os juízes começarem a exigir a apresentação de certidão fiscal, no entanto, a regularização será o único caminho para dar continuidade ao processo de recuperação. As empresas, pela lei, precisam desse documento para que o plano de pagamento aos credores particulares seja aceito pela Justiça.
“Vai ter uma corrida para, de fato, regularizar o que precisa ser regularizado. O cerco está se fechando. As empresas sabem que vai ficar difícil deixar alguns débitos de lado sem que haja o andamento das execuções fiscais e o risco de penhora”, diz Luís Henrique Costa, sócio da área tributária do BMA Advogados.
Ele afirma isso com base em uma outra mudança provocada pela nova lei. Havia uma construção jurisprudencial, até então, que permitia ao juiz da recuperação impedir a constrição de bens essenciais para o funcionamento da companhia. Agora, com a nova lei, o juiz só poderá liberar esses bens se indicar outros em substituição.
Essa questão é importante porque as dívidas fiscais não são tratadas no processo de recuperação judicial e a constrição de bens não depende do juiz que cuida do caso da empresa em crise. A cobrança é feita por meio de uma via própria – a ação de execução fiscal, que no caso da União, tramita na Justiça Federal – e, nesse processo, a Fazenda pode conseguir penhorar bens e valores do devedor.
O advogado Luís Henrique Costa diz que, nesse período entre a publicação da portaria e a data em que a nova lei entrou em vigor, a Fazenda Nacional apresentou pedido a juízes de recuperações judiciais para que as situações sejam adequadas à nova lei.
A PGFN, além disso, aguarda uma resposta do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a liberação das ações contra as empresas em recuperação. Esses processos estão suspensos em todo o país desde 2018. A 2ª Seção optou por sobrestar as execuções fiscais ao decidir, naquele ano, que julgará, em caráter repetitivo, se o patrimônio dessas companhias pode ou não ser penhorado.
Existem mais de três mil ações paradas à espera desse julgamento – somente em relação à cobrança de tributos federais. Os procuradores argumentaram ao ministro Mauro Campbell, relator desse tema no STJ, que com a nova lei não haveria mais justificativa para manter os processos suspensos.
As empresas em recuperação judicial têm dívida acumulada de R$ 106,5 bilhões, segundo levantamento realizado no mês de novembro pela PGFN. Desse total, só R$ 8,9 bilhões estão em situação regular (o contribuinte apresentou garantia à dívida ou aderiu a um parcelamento, por exemplo).
“Esses instrumentos de negociação visam garantir que o passivo fiscal possa ser equalizado de maneira a equilibrar os interesses da União e do contribuinte no âmbito do processo de recuperação judicial”, afirma, em nota, a procuradoria.
O advogado Mattheus Montenegro, sócio do escritório Bichara, alerta, no entanto, que as empresas têm de ficar atentas a alguns detalhes da portaria, como o artigo 10º. Consta que em qualquer uma das modalidades – parcelamento ou transação – a empresa terá que incluir todo o passivo. Há exceção para casos com decisão judicial favorável ao contribuinte e para os débitos que têm garantias. “A lei menciona expressamente essa questão com relação aos parcelamentos. Sobre a transação, porém, não há essa previsão”, diz.
Para a advogada Ana Carolina Monteiro, do escritório Kincaid Mendes Viana, a Justiça não deve interpretar essa nova condição fiscal “a ferro e fogo”. “Nós temos uma jurisprudência que sempre aceitou flexibilizar. Acredito que o Judiciário vai abrir brechas para as empresas que têm condições de se soerguer, mas nesse momento não têm fluxo de caixa. Terá que ser analisado caso a caso.”
Fontes: Valor Econômico e Bichara Advogados