Importações por e-commerce: uma questão tributária ou de fiscalização?

Bichara Advogados para Jota

Por Giuseppe Pecorari Melotti e Carolina Jezler Müller

Muito se tem discutido sobre os impactos das compras internacionais em plataformas de e-commerce no mercado brasileiro e a eventual necessidade de tributar essas importações. Recentemente, o governo federal recuou da proposta de eliminar a isenção existente para remessas de até US$ 50, mas destacou que buscaria soluções para a questão da sonegação. 

De fato, mais do que uma questão tributária, necessita-se incrementar e tornar mais eficiente a fiscalização.

A legislação prevê que produtos enviados por remessas postais internacionais e remessas expressas (operadas por empresas de courier) no valor de até US$ 3.000 – que são os meios mais utilizados por essas plataformas – estão sujeitas a um Imposto de Importação (II) de 60%, com a isenção do IPI e PIS/Cofins-Importação. Assim, tem-se uma alíquota majorada do II, que, na prática, incorpora o valor de outros tributos geralmente devidos na importação. Há, ainda, a incidência de ICMS. 

Apenas as remessas postais até US$ 50, enviadas e destinadas a pessoas físicas, bem como remessas postais e remessas expressas de amostras, estão isentas dos tributos federais na importação. 

Assim, nos termos da legislação atualmente em vigor, a imensa maioria de compras internacionais em plataformas de e-commerce deveria ser tributada quando de sua entrada no país. Porém, não é raro ouvir histórias de compras internacionais de valores relevantes que não teriam sido “taxadas”. 

A recorrência dessas histórias gera críticas de setores que comercializam produtos nacionais e regularmente importados, preocupados com o potencial impacto concorrencial de tais operações em seus negócios. 

Ora, se a previsão de tributação das operações já existe, o problema da entrada desses produtos no país sem a devida cobrança de tributos decorre de dificuldades de fiscalização na aduana. 

Não se nega a importância dessa nova modalidade de negócios, que permite o engajamento de pequenas empresas em operações internacionais – incomum nas operações normais de comércio exterior –, bem como o acesso dos consumidores a uma oferta maior de produtos. É uma forma de operação que não existia no passado e tem um enorme potencial de crescimento. 

Entretanto, o aumento exponencial das compras internacionais em plataformas de e-commerce nos últimos anos vem gerando uma série de dificuldades nas aduanas mundo afora, pouco adaptadas a um negócio relativamente recente. 

Essas compras internacionais têm como principal característica um grande volume de operações de baixo valor – ao passo que as operações de importação comuns são majoritariamente de alto valor, concentradas em poucos players. 

Com isso, surge a primeira dificuldade: vale a pena despender recursos para fiscalizar operações pulverizadas, com baixo potencial de arrecadação (que muitas vezes será inferior ao próprio custo dessa fiscalização)? É justamente por isso que muitos países possuem um valor de minimis abaixo do qual as remessas ingressam livremente no território nacional. Em algum grau, era esse também o objetivo da isenção brasileira para remessas postais de até US$ 50. 

Entretanto, se a concessão de um valor de minimis se justifica do ponto de vista da comparação das despesas e potenciais receitas da União, com o aumento exponencial dessas operações, entra em jogo um segundo fator: o impacto na concorrência com o comércio de produtos nacionais ou importados pelo regime de importação comum, com o pagamento de todos os tributos devidos. 

A concepção do de minimis envolve não só a obrigação, mas também obrigações acessórias – a prestação de informações à aduana antes da entrada do produto no país. 

A Portaria Coana 82/2017, que trata das remessas postais, por exemplo, prevê a dispensa de formalização do desembaraço aduaneiro das remessas com isenção de US$ 50 e das amostras sem valor comercial. 

Mais uma vez, cabe avaliar o custo imposto tanto à fiscalização quanto aos operadores logísticos envolvidos (responsáveis pela prestação dessas informações) em face do potencial de arrecadação a ser atingido com a criação de obrigações acessórias para essas operações. 

Por outro lado, a ausência de formalização do despacho aduaneiro implica na ausência de dados precisos acerca dessas operações e, consequentemente, em uma margem para fraudes, tais como subfaturamento para enquadramento no limite de US$ 50, fracionamento de remessas, declaração de bens objeto de operação de compra e venda como amostras, importações com destinação comercial, dentre outras. 

Assim, uma das medidas a serem avaliadas seria a exigência de formalização de declaração de remessa. Poderá ser adotada uma declaração bastante simplificada, mas que permita que a aduana disponha de dados suficientes para combater eventuais fraudes. As autoridades poderiam, por exemplo, cruzar os dados do remetente, destinatário, endereço de entrega e operador para identificar eventuais remessas com fins comerciais ou fracionados. 

Também seria possível utilizar sistemas informatizados para identificar, por meio de palavras-chave, produtos frequentemente adquiridos no exterior e que, muito provavelmente, possuem valor superior a US$ 50, para os quais haveria indício de subfaturamento. Por outro lado, a fim de não sobrecarregar os operadores logísticos e a própria fiscalização no processamento desse grande volume de declarações, seria possível implementar um programa voluntário junto a plataformas de e-commerce, visando que essas alimentassem os correios e os couriers com informações sobre as operações realizadas. 

Isso porque um dos problemas dessas operações é a baixa confiabilidade dos dados fornecidos aos operadores logísticos responsáveis pelo desembaraço aduaneiro. Muitas vezes, os correios dependem integralmente das informações prestadas pelo vendedor no exterior, que pode prestar declaração falsa sobre a operação com o objetivo de burlar o pagamento de tributos pelo destinatário das mercadorias. 

Se essas informações forem prestadas pelas plataformas de e-commerce – com a possibilidade de fiscalização por parte da Receita Federal –, haverá maior confiabilidade dos dados do vendedor, comprador, conteúdo da remessa e valores efetivamente pagos. Em contrapartida, a formalização do desembaraço aduaneiro será mais fluída – em razão da potencial utilização de sistemas informatizados integrados – e a Receita Federal poderá oferecer um canal de desembaraço aduaneiro mais ágil, em comparação com o procedimento comum, que deverá se tornar mais moroso em razão da nova exigência. 

Essas são apenas algumas medidas que poderiam ser avaliadas para intensificar a fiscalização aduaneira sobre as compras internacionais em plataformas de e-commerce. Há inúmeras outras sendo debatidas em fóruns nacionais e internacionais, visando não apenas alterações legislativas, mas também soluções tecnológicas que possam melhorar os procedimentos na aduana. 

O problema da fiscalização das importações relativas a compras internacionais em plataformas em e-commerce é complexo, mas o crescimento exponencial dessas operações requer que seja dada a devida importância ao tema. 

Escritório Aliado: Bichara Advogados para Jota

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