Por Diogo Ciuffo Carneiro
Que o STF cumpra sua missão em breve, assim que que as ADIs 5.956, 5.959 e 5.964 voltem à julgamento no plenário
A prudência sempre aconselhou que não se deve legislar sob clima de emoção e clamor. Como melhor disse Aristóteles, “a lei é [ou deveria ser] a razão livre da paixão”. O momento de se passar uma norma geral para a população há de ser um momento de reexão racional, de análise objetiva, estudo e prudência. Nunca, em hipótese alguma, um ato de paixão, sob forte clamor popular.
Na semana passada o STF iniciaria o julgamento das ADI nº 5.956, 5.959 e 5.964, em que examinaria a constitucionalidade de uma lei editada e sancionada em um momento de forte clamor. Trata-se da Lei 13.703, que instituiu o tabelamento do preço do frete rodoviário. Tal lei, na verdade, foi resultado da conversão da MP 832, editada no auge das paralisações dos caminhoneiros que imobilizou o Brasil em maio do ano passado. O julgamento das ADIs foi adiado, mas as reflexões sobre o tabelamento devem continuar.
Poucos devem ter esquecido daquele mês em que o Brasil pareceu parar. Os caminhoneiros mostraram sua força e zeram um governo impopular – que já lutava contra delações e gravações – ceder. O tabelamento do frete foi instituído no auge dessas paralisações dos caminhoneiros como um remédio amargo para fazer o país voltar a respirar. Uma espécie de “Tratado de Versailles” imposto pelos vencedores.
E não se diga que os caminhoneiros não tinham suas razões. A economia estava estagnada, havia um excesso de mão de obra (em decorrência de uma mal calculada política de governos anteriores de estimular a venda de caminhões no país) e, ainda por cima, o preço do diesel subia diariamente nas bombas. Tudo isso, de fato, colocava uma pressão nos caminhoneiros que vocalizaram sua insatisfação de modo que não se podia deixar de ouvir.
Mas será que o remédio do tabelamento é constitucional? Será (mais importante) que é eficaz? Hoje parece muito claro que a resposta a todas a essas perguntas é um simples e sonoro “não”.
A jurisprudência do STF, há muito, já assentou que a intervenção estatal na economia deve ser feita com respeito aos princípios e fundamentos da Ordem Econômica, de modo que a xação de preços articiais congura empecilho ao livre exercício da atividade econômica e à livre iniciativa, violando o disposto nos art. 1°, IV e 170 da Constituição.
O Ministro Barroso chegou a escrever artigo jurídico em que pontua com propriedade que “controle de preços e a indexação são duas tentações permanentes, que levam direto para o inferno”. Ainda mais em se tratando de frete rodoviário em um país continental como o Brasil, em que se pretende impor um preço uniforme para quem roda em estradas e condições tão diferentes como nossa ora e fauna. E isso mediante uma tabela preparada em incríveis 3 dias pela ANTT.
Sobre a sua eficácia, um estudo recente da Universidade Federal do Rio Grande demonstra que a remuneração dos caminhoneiros autônomos foi reduzida em 20% após a adoção do tabelamento. Aliás, para quem tem um pouco mais de idade, a experiência do tabelamento de preços não pode trazer qualquer lembrança feliz.
A política de fixação de preços das passagens aéreas internacionais foi um fracasso, da mesma forma que não funcionou com o Instituto do Açúcar e do Álcool, cuja fixação dos preços de produtos sucroalcooleiros gerou passivo multimilionário à União Federal, tendo se criado firme jurisprudência no sentido de que tabelamento de preço é uma violação à livre iniciativa.
Foi o próprio Ministro Barroso quem lembrou, a propósito das desastrosas intervenções do Estado brasileiro na economia de mercado, estar “convencido de que o Estado, na sua atuação econômica, é quase sempre um Midas pelo avesso: o que ele toca vira lata. Em seguida, enferruja.”
O efeito do tabelamento, na verdade, é terrível. Há um aumento generalizado de custos que impacta a inação diretamente. Estudo da CNI aponta que em 2018 o tabelamento trouxe uma redução de 7 bilhões de reais no PIB brasileiro.
Que o STF cumpra sua missão em breve, assim que que as ADI nº 5.956, 5.959 e 5.964 voltem à julgamento no Plenário. Que mostre que o ato de legislar há de ser sereno e sem paixões. Que mostre que o açodamento legislativo conduz à inconstitucionalidade. Que devolva ao Executivo a tarefa de atender ao justicado pleito dos caminhoneiros. E que assim seja feito. Sem paixões.
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