Por Luiza Porcaro P. da Costa
Convertida em lei no dia 27 de junho deste ano, a Lei nº 13.382/2022 é originária da Medida Provisória nº 1.085/2021 (“MP”), publicada em 27 de dezembro de 2021, que teve como objetivo criar o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (“SERP”) e alterar a Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973) e a Lei de Condomínios e Incorporações Imobiliárias (Lei nº 4.591/1964), entre outros.
Nos termos do artigo 2º da Lei nº 13.382/2022, o SERP aplica-se às relações jurídicas que envolvam oficiais dos registros públicos e usuários dos serviços de registros públicos, e tem como objetivo viabilizar, entre outros, (i) o registro eletrônico de atos e negócios jurídicos, (ii) a interconexão dos cartórios (na prática, o SERP irá centralizar as solicitações de quaisquer documentos registrados em quaisquer cartórios), (iii) o atendimento remoto a usuários, mediante identificação por biometria, pelo e-Notariado ou pelo gov.br, (iv) a consulta de indisponibilidades, restrições e afins decretadas pelo Poder Judiciário, (v) a consulta aos atos que a pessoa pesquisada conste como devedora, garantidora, cedente de crédito ou titular de direito objeto de constrição, e (vi) o recebimento e envio de documentos, títulos e certidões por meio eletrônico.
Vale informar que, ainda que a criação do SERP tenha sido recebida como uma inovação trazida pela Lei nº 13.382/2022, a sua criação já estava prevista na Lei nº11.977/2009, que regulamenta o Programa Minha Casa Minha Vida. A motivação do legislador, à época, era permitir o acesso gratuito do Poder Judiciário e do Poder Executivo federal ao banco de dados, às informações e aos documentos registrados em cartório. Ocorre que, naquele tempo, a responsabilidade pela instituição de “sistema de registro eletrônico” ficou à cargo dos “serviços de registros públicos” (os cartórios), sem qualquer regramento adicional, e nada até então havia sido feito.
Observando a tendência de simplificação e desburocratização dos atos e negócios jurídicos celebrados e o crescente uso da tecnologia, impulsionado pela pandemia do coronavírus, o legislador cuidou, então, de melhor regulamentar o sistema eletrônico de registros públicos idealizado em 2009, atribuindo funções aos cartórios, aos oficinais de registro público e à Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça, que ficou responsável, entre outros, por (i) criar padrões de escrituração, publicidade e segurança dos documentos, (ii) viabilizar a integração dos sistemas cartorários, e (iii) elaborar o cronograma de implantação do SERP até o dia 31 de janeiro de 2023. A expectativa é que o cronograma preveja uma série de etapas a serem cumpridas pelos cartórios até a completa implantação do SERP.
A fiscalização do cumprimento das etapas previstas no cronograma será da Corregedoria Nacional de Justiça, enquanto órgão máximo fiscalizador, e dos notários e oficiais de registro público, responsáveis pela fiscalização com relação à implementação do SERP nos seus “próprios” cartórios. Em caso de descumprimento das obrigações de implantação e fiscalização, os notários e os oficiais de registro estão
sujeitos, desde que assegurado o amplo direito de defesa, às penalidades de repreensão, multa, suspensão por noventa dias (prorrogável por mais trinta dias) e, na última das hipóteses, a perda da delegação, como dispõem o § 2º do inciso II do artigo 4º da Lei 14.382/2022 e o artigo 32 da Lei nº 8.935/1994.
Além disso, relembra-se que, com exceção das regras pontuais trazidas nas disposições transitórias da Lei nº 14.382/2022, e dos itens que dependam diretamente da implantação do SERP, as demais mudanças motivadas pela Lei nº 13.382/2022 entraram em vigor na data da sua publicação.
É dizer que, exemplificativamente com relação às alterações trazidas na Lei de Registros Públicos pela Lei nº 14.382/2022:
a) A certidão de inteiro teor passa a valer como certidão de ônus reais, independentemente de certificação específica pelo oficial de registro de imóveis;
b) Serão contados em dias e horas úteis, conforme as regras do Código de Processo Civil, os prazos estabelecidos para a vigência da prenotação, para os pagamentos de emolumentos e para a prática de atos pelos oficiais dos registros de imóveis, de títulos e documentos e civil de pessoas jurídicas,
incluída a emissão de certidões, exceto nos casos previstos em lei e naqueles contados em meses e ano;
c) Fica vedado às serventias dos registros públicos recusar a recepção, conservação ou registro de documentos eletrônicos produzidos em atenção às regras da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça;
d) Fica dispensada a atualização prévia da matrícula do imóvel quanto aos seus dados objetivos (como a alteração da razão social, da sede social, do estado civil ou domicílio de uma pessoa física, por exemplo) no caso de extratos eletrônicos para registro e/ou a averbação de atos relativos a bens imóveis, exceto se esses dados forem necessários ao registro/averbação pretendido;
e) Cria-se a certidão de situação jurídica atualizada do imóvel, que compreende apenas as informações vigentes de sua descrição (esse documento não indicará, por exemplo, informações relativas a ônus já baixados, transmissões anteriores de titularidade do bem etc.);
f) Cria-se o procedimento para cancelamento do registro da promessa de compra e venda por inadimplemento do promitente comprador, que, intimado para realizar o pagamento das prestações vencidas e não o fizer, perderá o direito garantido por aquele instrumento, mediante a emissão, pelo cartório, da certidão de cancelamento do registro da promessa de compra e venda; e
g) Os prazos para a prática dos atos listados abaixo são reduzidos, conforme tabela comparativa a seguir:
Já com relação às modificações trazidas na Lei de Condomínios e Incorporações Imobiliárias pela Lei nº 14.382/2022, destacam-se as seguintes:
a) Quando as obrigações do incorporador perante a instituição financiadora do empreendimento forem extintas, e desde que averbada a construção, a afetação das unidades não negociadas será cancelada mediante averbação do termo de quitação na matrícula matriz do empreendimento ou nas respectivas
matrículas das unidades imobiliárias eventualmente abertas;
b) Fica dispensada a apresentação, pelas incorporadoras ao cartório competente, do atestado de idoneidade financeira para poderem alienar frações de terrenos que se tornarão unidades autônomas após o registro;
c) Se, após 180 dias da data do registro da incorporação, ela ainda não se houver concretizado (seja pela formalização da alienação ou da oneração de alguma unidade futura, pela contratação de financiamento ou pelo início das obras do empreendimento), o incorporador somente poderá negociar unidades depois de averbar a atualização das certidões e demais documentos cujos prazos de validade estejam vencidos;
d) Quando o incorporador prometer à venda uma unidade imobiliária, ele deverá encaminhar à comissão de representantes: (i) a cada 3 (três) meses, o demonstrativo do estado da obra e da sua correspondência com o prazo pactuado para entrega do conjunto imobiliário; e (ii) quando solicitada, a relação dos adquirentes com os seus endereços residenciais e eletrônicos, observada a Lei Geral de Proteção de Dados; e
e) O registro do memorial de incorporação e da instituição do condomínio sobre as frações ideais constitui ato registral único.
A respeito desse último ponto, vale lembrar que o Colégio Registral Imobiliário de Minas Gerais já se manifestou, por meio da Nota Técnica nº 02/2022, para informar que “compete ao Estado a fixação das tabelas de emolumentos, o que se dá por lei estadual (…) nesse sentido, o art. 10-A da Lei nº 15.424, Lei Estadual de emolumentos, não foi alterado e permanece em vigor”, de modo que os cartórios de
Minas Gerais, por exemplo, terão discricionaridade para cobrarem emolumentos “em duplicidade”, ainda que a redação da Lei nº 4.591/1964 indique que certos atos, até então praticados separadamente, constituem atos únicos. Para além da recomendação do “cumprimento do estabelecido na Lei Estadual de Emolumentos (…) e que sejam atendidas as decisões e orientações para alinhamento dos procedimentos em todas as serventias (de Minas Gerais)”, o Colégio Registral Imobiliário de Minas Gerais informa
que “a aplicação imediata da nova redação do art. 237-A importaria em perda de arrecadação de taxas de competência estadual.”
Por todo o exposto, a conclusão não pode ser outra: ainda que o objetivo seja simplificar e desburocratizar, os usuários dos serviços de registros públicos certamente enfrentarão percalços até que as alterações trazidas pela Lei nº 13.382/2022 sejam devidamente difundidas e operacionalizadas pelos cartórios.