Leia o artigo do Aliado Andre Xavier, Machado e Fernandes Advogados

Tutela de urgência contrária ao parecer do Núcleo de Apoio Técnico em ação de obrigação de fornecer medicamento de alto custo

Luiza C. Cavaglieri Faccin

As advogadas Loraine Matos Fernandes e Luiza C. C. Faccin, do escritório aliado André Xavier, Machado e Fernandes Advogados, moveram ação de obrigação de fazer[1] com pedido de tutela provisória de urgência em desfavor do Estado e Mato Grosso do Sul visando a obtenção de medicamento de alto custo para uma médica acometida de ““neoplasia de mama HER 2 positiva” – câncer agressivo que não respondia aos tratamentos convencionais intentados pela então paciente.

O perfil da autora, paciente de altíssimo risco pela história de segunda neoplasia em menos de 1 ano, justificou a opção de médico oncologista por um tratamento que, embora aprovado pela Anvisa (medicamento Perjeta®), é de alto custo e não utilizado pelo Sistema único de Saúde.

Sabe-se que, em casos tais, conta o Poder Judiciário com o chamado “Núcleo de Apoio Técnico – NAT”. Como forma de auxiliar o judiciário com relação às demandas da população ao judiciário na área de saúde e, claro, por ser comprovadamente um assunto que requer conhecimento técnico e especifico para que decisões sejam tomadas, Núcleos de Assessoria Técnica em Ações Judiciais da Saúde (NAT) foram criados em tribunais por todo o país com escopo de propiciar “mais segurança na lide” em tempos de intensa judicialização das relações sociais observada sob vigência da Constituição de 1988. Essa judicialização colocou em evidência a necessidade de efetivar o direito à saúde, núcleo de um modelo de Estado Democrático e Social de Direito. Deixou-se de interpretar os mandamentos constitucionais dos artigos 6º e 196 da CF como meras normas programáticas ou promessas insinceras para se ampliar a sua normatividade judicialmente, especialmente nos casos em que houvesse risco ao mínimo existencial ou à dignidade da pessoa humana.

Por conseguinte, com o crescente número de pedidos de medicamentos por meio de ações judiciais, o Poder Judiciário se viu na difícil função de decidir questões tão relevantes e urgentes para as quais não possuía, necessariamente, conhecimento técnico. O fenômeno intitulado ‘judicialização da saúde’ trouxe efeitos colaterais, como a falta de preparo técnico dos magistrados para lidar com demandas por medicamentos, por exemplo. Noutro turno, surgiu também a preocupação da Administração Pública com o alto gasto com a compra de medicamentos solicitados como resultado de ações judiciais.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), então, por meio da Recomendação n. 31/2010, estimulou a criação de comitês de apoio com intuito de incentivar tribunais estaduais e regionais federais a adotarem medidas para melhor subsidiar os magistrados e demais operadores do direito e, logo, assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde.

No Estado de Mato Grosso do Sul, estado-sede do aliado André Xavier, Machado e Fernandes Advogados, o convênio entre o Tribunal de Justiça e o Estado de MS foi celebrado em 15/02/2015, em substituição à antiga “Câmara Técnica em Saúde – CATES”, existente desde 2011. A Portaria do TJ MS 881/2016 regulamentou o Núcleo de Apoio Técnico (NAT) – denominação utilizada pelos demais tribunais do país, prevendo que sua finalidade é “assessorar o Poder Judiciário Estadual, com informações técnicas, nas demandas relativas ao fornecimento de medicamentos, exames, internações e demais tratamentos em face do Sistema Único de Saúde (SUS).”

Na demanda aforada pelo aliado André Xavier, Machado e Fernandes Advogados a tutela de urgência foi deferida antes mesmo da prolação do parecer do NAT, atendo-se à urgência que clamava o caso concreto.

O magistrado de primeiro grau, ao apreciar o pedido de tutela de urgência, consignou:

“O receio de dano irreparável está demonstrado da recomendação de urgência quanto ao início do tratamento, devido à progressão tumoral e deterioração clínica progressiva. O perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão ficam afastados, neste caso, em razão do dever constitucional do Estado de assegurar as condições mínimas de acesso ao tratamento de saúde. Ante o exposto, defiro a Justiça Gratuita e concedo a tutela de urgência para determinar ao réu que dispense à autora, em cinco dias, o medicamento Pertuzumabe (Perjeta420mg), na quantidade de 1 frasco a cada 21 dias, mediante prescrição, enquanto durar o tratamento, sob pena de sequestro do numerário suficiente ao cumprimento da decisão.”

O Parecer do NAT, por seu turno, foi no seguinte sentido:

“Considerando que a paciente está sendo atendida por médicos particulares; Considerando que os CACON/UNACONs são responsáveis pelo tratamento integral dos doentes portadores de neoplasias malignas; Considerando as Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas para Câncer de Mama, regido pela Portaria SAS/MS nº 996, de 30/09/2015; Considerando que a Tabela do SUS inclui os procedimentos de Quimioterapia do carcinoma de mama avançado 1ª linha (03.04.02.013-3),Quimioterapia do carcinoma de mama avançado 2ª linha (03.04.02.014-1) à escolha e responsabilidade dos hospitais credenciados e habilitados em oncologia; Considerando que o SUS disponibiliza tratamento para a doença da paciente através dos UNACONs; Considerando que os estabelecimentos habilitados em Oncologia pelo SUS são os responsáveis pelo fornecimento dos medicamentos antineoplásicos que, livremente, padronizam, adquireme prescrevem, devendo observar as diretrizes terapêuticas do Ministério da Saúde vigentes, quando existentes, cabendo-lhes codificar e registrar conforme o respectivo procedimento; Em face ao exposto, este Núcleo de Apoio Técnico é desfavorável ao pedido”.

Com a juntada do Parecer Técnico e concessão da decisão liminar, foi manejado agravo[2] por parte do Estado. Novamente, o Judiciário sul-mato-grossense, agora por sua Corte Estadual, decidiu de modo contrário ao parecer do NAT, que embasava a tese recursal do Poder Público, demonstrando que acima do equilíbrio do Sistema Único de Saúde (SUS) deve prevalecer o princípio constitucional da proteção à vida, o mais fundamental direito da pessoa humana previsto na Constituição Federal. Restou assim vergastada a decisão do TJ MS:

“ (…) No caso em tela, em particular, vejo que não assiste razão o argumento do Estado de Mato Grosso do Sul no sentido de que o agravado deve ser encaminhado a um dos CACONs para passar por todo o procedimento necessário para o tratamento de câncer pela rede pública de saúde.

Verifica-se pelo laudo médico juntado aos autos originários, que a agravada foi acometida por 2 tumores malignos diferentes, em apenas um ano, e hoje apresenta doença muito agressiva (tumor grande, grau 3 e com lifonodo positivo para a enplasia). Assim, justifica o tratamento médico pleiteado. 9…)”.

Na contramão da visão crítica pessimista de que os Núcleos de Apoio Técnico seriam um aparato da Administração Pública pensado para reduzir o número de demandas pela imposição de pareceres tendenciosos e restringindo o Direito à saúde, a decisão trazida a lume pelo aliado André Xavier, Machado e Fernandes Advogados é um bálsamo para aqueles que do Poder Judiciário dependem para garantir o acesso ao direito constitucional à saúde e, de fato, alcançar chances de sobrevivência.

Vale lembrar que o tema ora tratado teve a repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal no bojo do Recurso Extraordinário 566.471. Não há, contudo, qualquer decisão definitiva emanada do STF sobre a obrigação do Poder Público de fornecer medicamento. Até o presente momento se manifestaram o Min. Marco Aurélio e o Min. Barroso no sentido de negar provimento ao recurso manejado pelo Estado do Rio Grande do Norte, por entender que nos casos de remédios de alto custo não disponíveis no sistema, o Estado pode ser obrigado a fornecê-los, desde que comprovadas a imprescindibilidade do medicamento e a incapacidade financeira do paciente e sua família para aquisição. O ministro Marco Aurélio consignou, em seu voto, que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, devendo ser garantido por políticas sociais e econômicas, frisando que objeções de cunho administrativo não podem subsistir ante a existência de violação ao mínimo existencial e que argumentos genéricos não possuem sentido prático em face de inequívoca transgressão a direitos fundamentais.

[1] 0840154-24.2017.8.12.0001 – 2ª Vara de Fazenda Pública e de Registros Públicos – Campo Grande

[2] Agravo de Instrumento 1413398-29.2017.8.12.0000 – TJ MS