Por Mattheus Montenegro e Guilherme Ferreira da Rocha Morandi
Recentemente, passou a vigorar, no estado do Rio de Janeiro, a Lei 7.787/17, por meio da qual foram promovidas alterações substanciais na sistemática de cobrança do ICMS no setor elétrico.
O legislador, sob o pretexto de simplificar a fiscalização e arrecadação do tributo incidente no comércio de energia elétrica no ambiente de contratação livre, ampliou as hipóteses de substituição tributária, atribuindo às concessionárias distribuidoras de energia a responsabilidade pelo pagamento do ICMS devido pelos agentes vendedores de energia do mercado livre, muito embora, nesse ambiente de contratação, as distribuidoras não negociem, tampouco vendam energia aos consumidores.
É que, diferentemente do que ocorre no mercado cativo, no qual a energia é adquirida da concessionária de distribuição, no mercado livre os consumidores compram diretamente de geradores ou comercializadoras, através de contratos mais flexíveis. Nesse cenário, as distribuidoras apenas disponibilizam ao consumidor o acesso à rede de distribuição, por força da execução de contratos de conexão e de uso da rede, figurando como meras “facilitadoras”, por imposição legal, da venda de energia.
Estabelecida essa premissa, parece-nos que o estado do Rio de Janeiro se precipitou ao atribuir responsabilidade tributária às distribuidoras, tergiversando, em nome de um frágil apelo arrecadatório e sob o pretexto da praticidade, o — já banalizado — instituto da responsabilidade tributária previsto no artigo 128 do CTN, que somente permite atribuição de responsabilidade a terceiros que possuam relação direta com a ocorrência do fato gerador do tributo, que, no caso do ICMS incidente sobre energia elétrica, somente ocorre com o consumo regular.
A atuação das distribuidoras não pode ser considerada como uma operação subsequente, antecedente ou concomitante da cadeia econômica, que são as únicas hipóteses previstas pela Lei Kandir para fins de atribuição de responsabilidade pelo pagamento do ICMS, de modo que a regra instituída pelo estado estabeleceu uma quarta hipótese, paralela, de substituição tributária, já apelidada de “lateral”.
Essa ausência de vinculação direta das distribuidoras com o fato gerador do ICMS, somado ao fato de que não recebem absolutamente nenhuma contraprestação do consumidor pela aquisição da energia que será consumida, evidencia, além de violação ao artigo 128 do CTN, uma patente violação ao princípio da capacidade contributiva.
Vale chamar atenção, ainda, para o fato de que o custo pela implementação da nova sistemática de substituição poderá ensejar um pedido de revisão tarifária extraordinária pelas distribuidoras, com vistas à manutenção do equilíbrio econômico e financeiro da concessão, o que acarretaria inevitável repercussão econômica sobre as tarifas de consumo de energia.
A prática não é inédita no cenário nacional, já tendo sido adotada pelo estado de São Paulo desde a edição do Decreto 54.177/09. Diante das irregularidades apontadas acima, discute-se, na ADI 4.281, pendente de julgamento no STF, a constitucionalidade da norma paulista que também centralizou nas distribuidoras a cobrança do ICMS devido sobre sua comercialização em mercado livre. O caso já conta com dois votos favoráveis aos contribuintes, proferidos pelas ministras Cármen Lúcia e Ellen Gracie, que firmaram seu entendimento no sentido de que o estado estabeleceu uma espécie de “substituição tributária lateral”, atribuindo responsabilidade a sujeito que não participa da cadeia econômica.
As irregularidades não param no segmento de distribuição. Afinal, os agentes comercializadores do mercado livre podem ser igualmente prejudicados, sobretudo do ponto de vista concorrencial, tendo em vista que, para garantir o funcionamento da novel sistemática de substituição tributária, os consumidores de energia são obrigados a fornecer às autoridades fazendárias, através de (mais uma) obrigação acessória, chamada de Devec[1], os dados dos contratos de aquisição de energia, incluindo-se o respectivo preço. Esses dados são repassados às distribuidoras, que, mesmo sem participar da cadeia econômica, passam a conhecer o preço praticado nesse ambiente por seus concorrentes.
Por fim, ainda que deixados de lado os aspectos jurídicos da discussão, que levam à inevitável conclusão de que a norma é inconstitucional, também aos olhos da praticidade não há justificativas plausíveis para a instituição da substituição tributária pretendida pela referida lei estadual, especialmente porque, no estado do Rio de Janeiro, há poucos agentes comercializando energia no mercado livre, perfazendo número pouquíssimo expressivo se comparado a outros setores da economia no qual a medida efetivamente se faz necessária.
Espera-se, de uma vez por todas, que os tribunais pátrios declarem a inconstitucionalidade da referida prática, seja por conta dos aspectos jurídicos envolvidos na discussão, seja por conta da ausência de praticidade utilizada como fundamento para a substituição tributária, no caso do estado do Rio de Janeiro.
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[1] Declaração do Valor de Aquisição da Energia Elétrica em Ambiente de Contratação Livre.