MP reonera folha salarial, limita compensações e extingue Perse

Em 29/12, foi publicada a Medida Provisória 1.202/2023, que, de uma vez, reonera gradualmente a folha de pagamento de setores importantes da economia, limita a compensação de créditos oriundos de decisões judiciais, revoga o adicional de 1% da Cofins-Importação e revoga a alíquota reduzida de contribuição previdenciária para municípios. Além disso, a MP também prevê o fim dos benefícios fiscais do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse). A maior parte das alterações da MP 1.202/2023 terá eficácia a partir do dia 01/04/2024. A MP será apreciada pelo Congresso Nacional, que deverá decidir pela sua conversão (ou não) em lei.

Compensação
A MP 1.202/2023 introduz alterações significativas no regime de compensações dos créditos dos contribuintes reconhecidos em decisões transitadas em julgado. Anteriormente, os contribuintes podiam compensar a totalidade desses créditos de uma só vez. No entanto, com a implementação da MP, as compensações agora estão sujeitas a limitações, que exigem que os créditos tributários sejam descontados dos tributos a pagar de maneira escalonada, mês a mês.

Esta restrição se aplica a créditos superiores a R$ 10 milhões, sendo que os limites mensais ainda serão definidos por meio de ato do Ministério da Fazenda. A MP estabelece que esse limite de compensação deve ser graduado de acordo com o valor total do crédito reconhecido em decisão judicial, sendo vedada a fixação de um limite inferior a 1/60 desse valor. Adicionalmente, a medida determina que a primeira declaração de compensação deve ser submetida no prazo de até cinco anos a partir da data do trânsito em julgado da decisão ou da homologação da desistência da execução do título judicial.

Folha de pagamento
A nova MP revoga a Lei 14.784/2023, que, em favor de vários setores da economia, prorrogava por mais quatro anos a redução da contribuição previdenciária incidente sobre a receita bruta, em substituição à incidência sobre a folha. Essa lei resultou do PL 334/2023, que havia sido vetado integralmente pela Presidência da República. O VET 38/2023, no entanto, foi derrubado pelo Congresso Nacional, que, no dia 28/12, promulgou a Lei 14.784/2023. Contudo, no dia seguinte, a MP 1.202/2023 foi editada a fim de revogar essa lei, que, na prática, vigerá somente até o dia 31/03/2024. Além disso, a MP também revogou o adicional de 1% nas alíquotas da Cofins-Importação que tinha sido instituído para compensar a
desoneração da folha que tinha sido prorrogada pelo Congresso.

A MP 1.202/2023 dispõe que as empresas que exercerem, como atividade principal, uma das 17 atividades listadas em seu Anexo I poderão usufruir da redução da contribuição previdenciária incidente sobre a folha de pagamentos mediante aplicação das alíquotas reduzidas de a) 10%, em 2024; b) 12,5%, por cento em 2025; c) 15%, em 2026; e d) 16,5%, em 2027. Contudo, essas alíquotas reduzidas se aplicam ao salário de contribuição do segurado somente até o limite de um salário mínimo. O que exceder esse limite será tributado sob a alíquota normal de 20%.

Assim, 17 atividades econômicas, que eram abrangidas pela política de desoneração da folha de pagamentos que seria prorrogada pela Lei 14.784/2023, receberam tratamento favorecido pela MP 1.202/2023. Este primeiro grupo de atividades é integrado por empresas dos setores de transporte, comunicação e tecnologia da informação. Abaixo é possível conferir cada uma dessas atividades
com seu respectivo código CNAE:

Transporte

  1. Transporte ferroviário de carga (49.11-6)
  2. Transporte metroferroviário de passageiros (49.12-4)
  3. Transporte rodoviário coletivo de passageiros, com itinerário fixo, municipal e em região metropolitana (49.21-3)
  4. Transporte rodoviário coletivo de passageiros, com itinerário fixo, intermunicipal, interestadual e internacional (49.22-1)
  5. Transporte rodoviário de táxi (49.23-0)
  6. Transporte escolar (49.24-8)
  7. Transporte rodoviário coletivo de passageiros, sob regime de fretamento, e outros transportes rodoviários não especificados anteriormente (49.29-9)
  8. Transporte rodoviário de carga (49.30-2)
  9. Transporte dutoviário (49.40-0)

Comunicação

  1. Atividades de rádio (60.10-1)
  2. Atividades de televisão aberta (60.21-7)
  3. Programadoras e atividades relacionadas à televisão por assinatura (60.22-5)

    Tecnologia da Informação
  4. Desenvolvimento de programas de computador sob encomenda (62.01-5)
  5. Desenvolvimento e licenciamento de programas de computador customizáveis (62.02-3)
  6. Desenvolvimento e licenciamento de programas de computador não customizáveis (62.03-1)
  7. Consultoria em tecnologia da informação (62.04-0)
  8. Suporte técnico, manutenção e outros serviços em tecnologia da informação (62.09-1)

A MP 1.202/2023 também autorizou a redução de alíquota para um segundo grupo de atividades econômicas. O benefício foi menor para as 25 classes de atividades desse grupo, em relação às quais a alíquota da contribuição previdenciária será de a) 10%, em 2024; b) 16,25%, em 2025; c) 16,5%, em 2026; e d) 18,75%, em 2027. A limitação que faz com que as alíquotas reduzidas incidam apenas sobre a faixa de até um salário mínimo também se aplica a este segundo grupo.

Essas 25 classes de atividades integram os setores de calçados, artigos de couro e assemelhados, construção e obras civis, edição e impressão e consultoria empresarial. Essas atividades também se encontram listadas a seguir com os seus respectivos códigos CNAE:

Calçados, artigos de couro e assemelhados

  1. Curtimento e outras preparações de couro (15.10-6)
  2. Fabricação de artigos para viagem, bolsas e semelhantes de qualquer material (15.21-1)
  3. Fabricação de artefatos de couro não especificados anteriormente (15.29-7)
  4. Fabricação de calçados de couro (15.31-9)
  5. Fabricação de tênis de qualquer material (15.32-7)
  6. Fabricação de calçados de material sintético (15.33-5)
  7. Fabricação de calçados de materiais não especificados anteriormente (15.39-4)
  8. Fabricação de partes para calçados, de qualquer material (15.40-8)

    Construção e Obras Civis:
  9. Construção de rodovias e ferrovias (42.11-1)
  10. Construção de obras de arte especiais (42.12-0)
  11. Obras de urbanização – ruas, praças e calçadas (42.13-8)
  12. Obras para geração e distribuição de energia elétrica e para telecomunicações (42.21-9)
  13. Construção de redes de abastecimento de água, coleta de esgoto e construções correlatas (42.22-7)
  14. Construção de redes de transportes por dutos, exceto para água e esgoto (42.23-5)
  15. Obras portuárias, marítimas e fluviais (42.91-0)
  16. Montagem de instalações industriais e de estruturas metálicas (42.92-8)
  17. Obras de engenharia civil não especificadas anteriormente (42.99-5)

    Edição e Impressão
  18. Edição de livros (58.11-5)
  19. Edição de jornais (58.12-3)
  20. Edição de revistas (58.13-1)
  21. Edição integrada à impressão de livros (58.21-2)
  22. Edição integrada à impressão de jornais (58.22-1)
  23. Edição integrada à impressão de revistas (58.23-9)
  24. Edição integrada à impressão de cadastros, listas e de outros produtos gráficos (58.29-8)

    Consultoria Empresarial
  25. Atividades de consultoria em gestão empresarial (70.20-4)

Como visto, para os dois grupos, a redução das alíquotas somente abrange o montante do salário de contribuição correspondente ao valor de um salário-mínimo. Em outras palavras, sobre o valor do salário de contribuição que exceder um salário mínimo será aplicada a alíquota padrão de 20%. Ademais, a MP também revogou uma série de disposições da Lei nº 12.546/2011, que criou a opção para que as empresas de alguns dos setores supramencionados contribuíssem com a Previdência Social, mediante a CPRB, com um percentual entre 1% e 4,5% sobre a sua receita bruta, ao invés da alíquota referida de 20%.

Essa previsão, que consta no parágrafo único do art. 1º da MP 1.202/2023, diz respeito à afirmação do Ministro da Economia, em entrevista coletiva do dia 28/12, de que a proposta iria “isentar de pagamento de cota patronal o primeiro salário mínimo que o trabalhador receber”. Na verdade, esta parcela corresponde ao salário mínimo não estará totalmente isenta, mas sim sofrerá a incidência parcial de uma alíquota reduzida que será aumentada a cada ano até 2027.

Empresas que desejarem usufruir da redução prevista na MP 1.202/2023 devem formalizar um termo comprometendo-se a não diminuir seu quadro de funcionários. Em termos simples, essas empresas devem manter ou aumentar o número de funcionários registrado em 01/01 de cada ano até 2027, quando se encerra o benefício de redução de alíquotas. O não cumprimento desse requisito resultará na
impossibilidade de usufruir dos benefícios.

Perse
A MP 1.202/2023 também revisa o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), que foi criado em 2021 para auxiliar a retomada do setor após as medidas de afastamento social necessárias em razão da pandemia de Covid-19, proporcionando uma desoneração de tributos. O Perse tinha duração prevista para dois anos, mas, neste ano, o Congresso prorrogou sua vigência. Porém, por força da MP, o Perse será descontinuado nos próximos dois anos. Em 2024, a cobrança da CSLL, da Contribuição ao PIS e da Cofins serão retomadas, seguidas pela volta da cobrança do IRPJ em 2025 para o setor.

Municípios
A MP também revogou a disposição da Lei 8.212/91 que instituía, para pequenos municípios, a alíquota da contribuição previdenciária reduzida a 8%. Nota-se que esse dispositivo foi criado pela Lei 14.784/2023, que também foi revogada pela MP, como afirmado anteriormente. Assim, a alíquota aplicável aos municípios volta a ser a padrão.

A sócia Marianne Baker expressa sua preocupação quanto à falta de clareza nas razões técnicas que fundamentaram a reoneração da folha de pagamento dos setores abrangidos pela MP 1.202/2023. Ela destaca, inclusive, que alguns setores antes incluídos na CPRB foram excluídos do benefício previsto pela nova MP.

Ainda chama atenção para a limitação mensal da compensação de créditos provenientes de decisões judiciais cuja possibilidade foi estipulada e será regulamentada pelo governo federal. “Essa medida desconsidera a natureza desses créditos, que representam valores recolhidos indevidamente aos cofres públicos. A sua devolução não é favor ao contribuinte, mas um direito. A restrição de valor mensal impede que os contribuintes acessem plenamente o que legitimamente lhes pertence, criando uma situação em que a União, devedora, escolhe como e quando devolverá os valores que recebeu indevidamente. Por outro lado, a MP tem potencial para expandir o prazo do qual os contribuintes dispõem para a utilização do crédito. A previsão de que os contribuintes deverão apresentar a primeira
declaração de compensação no prazo de 5 anos após o trânsito em julgado da decisão que reconheceu o crédito pode ser mais benéfica do que o entendimento da Receita Federal vigente até então, no sentido de que os contribuintes deveriam esgotar o crédito por completo dentro deste prazo de 5 anos.”

Além disso, Marianne destaca que, em razão da forma de edição da MP e de seu conteúdo, existe a possibilidade da medida ser devolvida à Presidência da República pelo Congresso Nacional, sem a sua conversão em lei. Isso não apenas em razão da promulgação ter ocorrido um dia após a Lei 14.784/2023, “Em primeiro lugar, há controvérsia quanto ao requisito constitucional da urgência de que matéria
tributária seja tratada por Medida Provisória. Por outro lado, tem sido aventado desrespeito ao devido processo legislativo, visto que a matéria já fora apreciada e decidida pelo Congresso Nacional, que promulgou lei sobre o assunto da desoneração da folha um dia antes”.

Escritório: Coimbra, Chaves & Batista Advogados

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