Por Luiz Gustavo Bichara e Bruno Toledo Checchia
Apesar do clima de euforia que tomou conta do Congresso em dezembro com a aprovação da reforma tributária, das otimistas projeções de crescimento do PIB e da potencial simplificação do nosso sistema tributário, os advogados e contribuintes que lidam diariamente com nosso complexo sistema tributário sabem que ainda há um longo caminho a ser percorrido para que as promessas otimistas possam ser concretizadas quando o novo sistema efetivamente entrar em vigor.
As determinações que virão nas Leis Complementares a serem editadas pelo Congresso – a partir de projeto a ser enviado pelo Executivo – serão essenciais para a concretização das balizas delimitadas pela EC 132. Dezenas de temas ainda exigem regulamentação infraconstitucional e é grande o risco de que “surpresas legislativas” venham a onerar os contribuintes ou a tornar o sistema mais complexo.
Indo além de questões mais óbvias que dependem de regulamentação, como a definição de bases de cálculo, alíquotas e obrigações acessórias, um dos pontos mais relevantes a ser tratado pelas futuras leis diz respeito às regras de creditamento e seus limites. Hoje, grande parte do contencioso tributário trata da definição dos insumos que podem, ou não, ser compensados na apuração de obrigações tributárias.
A promessa da reforma é de que adentraremos um regime de não cumulatividade ampla, em que todo tributo recolhido em etapas prévias da produção de bens ou prestação de serviços gerará créditos a serem abatidos dos tributos devidos na saída da mercadoria ou serviço. Mas esse discurso não é novo e na história recente tivemos inúmeras teses criadas por autoridades fazendárias para limitar, indevidamente, direitos ao crédito tributário. Dado esse passado, é essencial que as novas leis tornem esse princípio algo inquestionável, sem espaço para novos debates e novos cerceamentos do direito de crédito dos contribuintes.
Outro ponto pouquíssimo debatido diz respeito à possibilidade de parâmetros para a concessão de anistias ou remissões. Apesar de o novo sistema proibir quaisquer incentivos ou benefícios financeiros ou fiscais, parece óbvio que deve haver alternativas para os entes federativos estabelecerem mecanismos de perdão de dívidas ou de obrigações acessórias, até para resguardar contribuintes de eventuais intempéries do mercado. Atualmente, há regras similares, que resguardam o sistema federativo, a exemplo da necessária autorização do Confaz para a criação de programas de recuperação fiscal (Refis).
O maior alerta vai para os setores que terão regimes específicos próprios definidos por lei. Há sete incisos que tratam de setores sujeitos à regulamentação própria, muitos dos quais tão diferentes entre si que parece impossível que tenham regras uniformes – como é o caso das agências de viagem, bares e restaurantes, atividades esportivas desenvolvidas por SAFs e aviação regional.
Vale lembrar que os regimes diferenciados não garantem uma tributação favorável ou sequer neutra. Por isso, os setores cuja tributação serão definidas pelos regimes específicos devem ficar especialmente atentos a essas regras, sob pena de se surpreenderem ao final do processo legislativo com regras ainda mais duras que as atuais.
Ponto positivo que restou claro no trâmite da PEC 45/2019 foi a abertura de parlamentares às proposições de associações, setores e contribuintes para modificações à PEC no trâmite legislativo. Apenas no Senado foram apresentadas 837 emendas ao projeto. E não poderia ser diferente. Em se tratando de norma tão disruptiva que afeta atividades tão diversas (que vão de serviços de educação superior à reciclagem, passando por cibersegurança e biocombustíveis), é óbvio que nem todas as especificidades setoriais serão percebidas pelo legislador e cabe aos contribuintes fazerem os alertas necessários.
O trabalho junto aos congressistas gerou mudanças positivas no texto da PEC, a exemplo do tratamento mais claro na desoneração fiscal para aquisição de bens de capital, na manutenção do Prouni e na previsão de mecanismos de reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos vigentes. Esses pontos não constavam das versões originárias da proposta de reforma, e foram inseridas no texto final graças ao trabalho de convencimento perante o Legislativo.
Esse trabalho precisa ser retomado quando o Congresso iniciar a análise das Leis Complementares. Setores que apenas acompanharam placidamente as discussões da PEC 45/2019, ou que se limitaram a publicar notas na imprensa sem apresentarem propostas junto ao Legislativo, se viram surpreendidos por não terem sido contemplados por alíquotas reduzidas ou regimes específicos. O acompanhamento constante dos projetos de lei e uma postura propositiva serão essenciais para garantir que o novo sistema não venha a ser deturpado e garanta justa tributação.
Aliado: Bichara Advogados para JOTA