Por Ana Luiza Correa e Maria Helena da Paixão
No Brasil, assim como nos Estados Unidos, na Espanha e na Alemanha, as legislações são claras ao estabelecer que apenas obras criadas por seres humanos poderiam gozar de proteção especial
A nova era tecnológica está abrindo caminhos para a presença de robôs em nossos cotidianos e para a substituição da mão humana na produção de obras artísticas.
O advento da internet e seu rápido e fácil acesso pela população mundial são fatores que viabilizaram a criação e recriação de obras em um curto espaço de tempo, suscitando dúvidas acerca da qualificação e identificação do autor.
Na Holanda, um grupo criou um software de inteligência artificial capaz de aprender os traços do pintor Rembrandt, com base em sua geometria, composição e materiais de pinturas. O algoritmo identificou e classificou as técnicas de Rembrandt e, utilizando o que aprendeu, criou uma pintura semelhante à do conceituado artista do século XVII.
Um curta metragem intitulado Sunspring foi o primeiro do mundo inteiramente produzido por um sistema de junção de algoritmos. Seus criadores alimentaram o software com roteiros de conhecidos filmes de ficção científica e uma biblioteca de músicas. A combinação das famosas obras deu origem ao curta no qual os algoritmos definiram todos os diálogos e o comportamento de cada personagem.
Os exemplos demonstram que as máquinas, embora criadas por seres humanos, são capazes de produzir, de forma independente, conteúdos únicos a partir da combinação de diversos elementos.
Neste novo cenário, a identificação do autor torna-se desafiadora. Para uma melhor compreensão do tema, é importante entender a base da legislação de direitos autorais adotada em boa parte do mundo. No Brasil, assim como nos Estados Unidos, na Espanha e na Alemanha, a título de exemplificação, as legislações são bastante claras ao estabelecer que apenas obras criadas por seres humanos poderiam gozar de proteção especial.
Seguindo este entendimento, o compêndio de boas práticas do Escritório Americano de Direitos Autorais estabelece que toda obra criada unicamente por inteligência artificial não é passível de proteção por direito autoral, caso não satisfaça aos requerimentos de “autor humano”.
Desta forma, as obras criadas inteiramente por inteligência artificial estão automaticamente em domínio público, já que só poderiam gozar de uma proteção específica se houvessem direitos personalíssimos intrínsecos a ela, direitos esses atribuídos a seres humanos.
Os críticos desta linha de argumento afirmam que obras criadas com o auxílio da IA, e, portanto, desprovidas de qualquer proteção por direito autoral, poderiam desestimular novos investimentos em tecnologias no meio artístico, uma vez que não haveria propriedade intelectual sobre o resultado final do trabalho.
O “efeito dominó” torna-se evidente: a falta de investimento em novas tecnologias acarretaria uma desaceleração da promoção cultural inovadora, já que um número menor de empresas apoiaria produções realizadas por máquinas, posto que iriam cair de imediato em domínio público.
Ainda que se fale na independência das criações realizadas por meio da inteligência artificial, é necessário lembrar, contudo, que o comando advém de uma pessoa física. Países tais quais Hong Kong, Índia, Irlanda, Nova Zelândia e Reino Unido consideram o autor da obra criada por uma inteligência artificial o programador, ou seja, o criador da tecnologia que deu origem à obra a ser protegida. Para a legislação inglesa, especificamente, o autor do programa utilizado para a criação da obra é reconhecido como titular da obra. A pessoa responsável por criar o algoritmo aplicado à máquina, aquele que a alimentou com as informações desejadas, terá a titularidade sobre a obra gerada.
A legislação do Reino Unido, acrescenta que são “obras criadas por computadores”, aquelas em que não há um autor humano. E mais: entende que as obras criadas por IA merecem proteção por direitos autorais. Assim, fazem uma análise caso a caso para identificar quem viabilizou a criação da obra para que, não se atribua a titularidade erroneamente.
Ainda que algumas jurisdições permitam que haja proteção para obras criadas por máquinas, o debate acerca da titularidade dos direitos fica em evidência. Afinal, quem “possibilita a criação da obra”? O programador da máquina, o investidor ou ainda o comprador da tecnologia?
O assunto é recente, complexo e objeto de grande discussão. Em um futuro próximo, as criações feitas por inteligência artificial serão ainda mais comuns, o que torna essencial que haja adaptações nas legislações de todo o mundo. É necessário encontrar soluções para o impasse. O reconhecimento de direitos autorais a obras criadas por IA, como no Reino Unido, incentiva empresas a continuarem investindo em novas tecnologias e inovações culturais. Seguir este caminho talvez seja suficiente para dirimir tais discussões, ainda que temporariamente, a fim de incentivar o desenvolvimento de tecnologias que se colocam como uma ferramenta para a ampliação econômica e desenvolvimento cultural.
Fontes: Montaury Pimenta, Machado & Vieira de Mello e Valor Econômico