O Trabalho do Portador de Deficiência sob a Ótica do Empregador|André Xavier, Machado e Fernandes Advogados

Por Loraine Matos Fernandes

O dia 21 de setembro é celebrado como o Dia Nacional da Luta da Pessoa com Deficiência; para essas pessoas, porém, a luta pela igualdade de oportunidades, por respeito às diferenças e por inclusão social é diária.

A preocupação com a adoção de medidas de atenção às pessoas com deficiência só teve início no Brasil no século XIX e é marcada pela criação, por D. Pedro II, do Imperial Instituto dos Meninos Cegos [hoje, Instituto Benjamin Constant] no ano de 1854, seguido pela instituição do Asilo dos Inválidos da Pátria, em 1869, e pelo Instituto dos Surdos-Mudos, em 1887, atualmente designado de Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES.

Foi, entretanto, nos períodos após as Guerras Mundiais, com a significação dos direitos de 2ª e 3ª gerações, que se solidificaram os preceitos que transformaram a maneira como a sociedade convivia com as pessoas portadoras de necessidades especiais.

Na imagem, um cadeirante está afastado de um grupo de pessoas que estão interagindo entre si.
Fonte: Justificando, 2017

Se no primeiro momento, a preocupação com essas pessoas era de caráter asilar, buscando alberga-los na condição de pessoas doentes, na acepção atual o que se busca é provê-las de igualdade de oportunidades para que se mostrem socialmente funcionais e ativos, garantindo-lhes a necessária inclusão – objetivos que ficam evidentes da leitura da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo Brasil em 2008 e promulgada pelo Decreto nº. 6.949/2009.

O foco deste trabalho – que não tem qualquer pretensão científica -, todavia, é apresentar ao leitor interessado breves considerações acerca das medidas atualmente em vigor que têm por finalidade a inserção e a manutenção da pessoa com deficiência (PcD) no mercado de trabalho, sob a ótica do empregador e de suas dificuldades.

Desde a Constituição de 1988, com o advento do artigo 7º, XXXI, se estabeleceu a proibição de qualquer discriminação quanto a salários e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência.

Especificamente no que diz respeito ao mercado de trabalho, a Lei nº. 8.213, de 24 de julho de 1991, em seu artigo 93 define que as empresas com mais de 100 [cem] empregados devem manter percentual [de 2% a 5%¹] dos cargos oferecidos preenchidos por pessoas com deficiência ou reabilitadas.

Além disso, a dispensa de pessoa com deficiência ou de trabalhador reabilitado, tanto nos casos de contrato por prazo determinado de mais de 90 dias quanto nos de prazo indeterminado, somente pode ocorrer após a contratação de outro trabalhador com deficiência ou reabilitado pela Previdência Social, não se qualificando para essa posição o aprendiz, ainda que portador de deficiência.

Muito embora o preceito seja de relativa singeleza, no momento da contratação, muitas são as dúvidas que cercam os administradores de RH.

Critérios objetivos para definição daquelas condições que retratam algum tipo de deficiência podem ser obtidos pela consulta ao Decreto nº. 5.296, de 2004 [art. 5º], ainda que sua finalidade tenha sido a regulamentação das regras de acessibilidade previstas nas Leis nº. 10.048/2000 e 10.098/2000.

A definição de reabilitação é mais simples, na medida em que é chancelada por processo próprio conduzido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Se ao trabalhador com deficiência as dificuldades de colocação profissional são grandes, o cenário não é melhor ao reabilitando.

Muitas empresas, por não poderem aguardar o prazo de reabilitação profissional [a mais das vezes, incerto], acabam contratando outros empregados para o desempenho das funções daquele que se encontra afastado, de modo que sua recondução ao anterior [ou a novo] posto de trabalho acaba não se efetivando.

Essa situação demanda urgente exame, na medida em que a simples facultatividade do empregador de reativar o contrato de trabalho prejudica o trabalhador, e a determinação de reintegração compulsória desse trabalhador pode ensejar prejuízo ao empregador, pensando-se em alternativas de desoneração de encargos como forma de estimular a manutenção desses contratos.

Outra dificuldade recorrente é conseguir preencher a quantidade de vagas imposta proporcionalmente ao tamanho da empresa, quando consideradas a especificação técnica para a atividade desenvolvida e a falta de oferta de mão-de-obra, sendo comum a ocorrência de autuações administrativas e o ajuizamento de ações civis públicas com a finalidade de sancionar e impor obrigações de fazer aos recalcitrantes.

O entendimento jurisprudencial vem, inclusive, se inclinando por não considerar comprovada a ocorrência de fatores externos impeditivos do cumprimento da norma a mera apresentação de anúncios com oferecimento de vagas, equiparando a inobservância de reserva de cargos, nessas situações, ao comportamento discriminatório a atingir toda a coletividade e apto a ensejar a condenação ao pagamento de indenização por dano moral coletivo².

Além dos aspectos já tratados, deve o empregador se ocupar também no presente momento da vedação consignada no artigo 17, V, da Lei nº. 14.020/2020.

Estão proibidas as dispensas, sem justa causa, durante o período de calamidade pública decorrente da pandemia de coronavírus de que tratam a Lei nº. 13.979/2020 e o Decreto Legislativo nº. 6/2020.

Não se cogita, portanto, a possibilidade de dispensa mediante indenização do período de garantia de emprego, já que não se sabe por quanto tempo perdurará o estado de calamidade pública, reservando-se ao portador de deficiência futuro incerto nesse interregno.

Quanto ao mais, o que poucos empresários sabem é que oferecer treinamentos a pessoas em programas de (re)habilitação por meio de acordos, contratos ou convênios firmados com o INSS enseja o cumprimento da cota e o exercício da sua função social sem que seja formado vínculo de emprego com o reabilitando [art. 139, § 1º, do Decreto nº. 3.048/1999].

Além disso, várias são as instituições de ensino que se dedicam à formação e qualificação de pessoas com deficiência para o mercado de trabalho, podendo-se também com elas ser firmados contratos ou acordos, garantindo-se, uma vez mais, o desempenho da responsabilidade social empresarial e a inclusão do portador de deficiência e, claro, o cumprimento da medida legal.

Feitas todas essas considerações, a proposição que se faz é a de reflexão: a inclusão da pessoa com deficiência tem sido realizada de maneira efetiva na sua empresa? Ou ela é vista apenas como mais uma obrigação a ser cumprida?

Considerando o que dispõe o artigo 7º³ da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, qual você considera ser o seu papel social na vida de uma pessoa com deficiência?

A partir de hoje [21 de setembro] até o dia 28 de setembro de 2020 acontece a Feira Nacional Online de empregos para pessoas com deficiência4.

Com palestras que tratam da criação de uma cultura empresarial de inclusão, de inclusão como estratégia de inovação e sobre análise da Lei nº. 8.213/1991 e as cotas lá estabelecidas, além de muitas outras, a Feira tem participação de grandes e pequenas empresas e se mostra uma ótima oportunidade para a definição de novos marcos dentro das organizações com relação ao tema, bem como de obtenção de currículos e efetivação de contratações.

Que tal começar por aí?

¹ Na seguinte proporção:
100 a 200 empregados – 2%
201 a 500 – 3%
501 a 1000 – 4%
1001 em diante – 5%.

² TRT 10ª Região – 2ª Turma – RO nº. 0000332-79.2018.5.10.0018 – julgado em 07.07.2020; TST – 3ª Turma – RR 0001482-28.2013.5.09.0009 – Rel. Min. Maurício Godinho Delgado – julgado em 20.12.2019.

³ As pessoas deficientes têm direito à segurança econômica e social e a um nível de vida decente. Têm o direito, de acordo com as suas capacidades, a obter e conservar um emprego ou a exercer uma atividade útil, produtiva e remunerada, e a aderir a associações sindicais.

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Fonte: André Xavier, Machado e Fernandes Advogados