Por Vanessa Rosa
Segundo dados do Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, publicado pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE), do total de resíduos sólidos urbanos gerados diariamente no país em 2017, 59,1% foram destinados adequadamente em aterros sanitários, sendo que 40,9% tiveram uma disposição final inadequada, sendo 22,9% em aterros controlados e 18% em lixões.
Resíduos sólidos urbanos são aqueles provenientes tanto das residências urbanas (e também, por equiparação, de estabelecimentos comerciais, industriais e prestadores de serviços, até determinado volume), bem como aqueles originários da limpeza pública urbana (varrição, poda e capinagem, entre outros).
De acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos, estabelecida por meio da Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, cabe ao Poder Público realizar as atividades de coleta, transporte, tratamento e destinação ambientalmente adequada dos resíduos sólidos urbanos –especificamente aos municípios, tendo em vista que são ações de interesse eminentemente local.
A situação atual, no entanto, é alarmante, uma vez que grande parte dos municípios brasileiros ainda dispõe seus resíduos sólidos urbanos em lixões e aterros controlados (que são inapropriados), destinação essa que gera inúmeros efeitos gravemente nocivos para o meio ambiente, a saúde pública e o desenvolvimento socioeconômico das cidades, além de ser considerado crime ambiental.
A resolução desse problema, contudo, envolve desafios que vêm sendo paulatinamente enfrentados e que demandam ações efetivas e urgentes, com uma conjugação de esforços do Poder Público e da iniciativa privada para o efetivo encerramento dos lixões, a implementação satisfatória de mais aterros sanitários e a adoção de novas tecnologias e procedimentos de tratamento de resíduos que gerem valor e transformem o lixo em riqueza sob diversas perspectivas.
Desse modo, a sustentabilidade econômico-financeira do manejo de resíduos sólidos é o ponto crucial dessas transformações necessárias. Por um lado, é imprescindível a realização de investimentos para o aprimoramento dos serviços de coleta e triagem de resíduos, o tratamento dos resíduos triados e a implantação de aterros sanitários ambientalmente adequados. Note-se também que os serviços de manejo de resíduos sólidos envolvem custos operacionais elevados, não bastando apenas o investimento de capital na fase de implantação de um sistema integrado e eficiente – operá-lo é igualmente custoso.
Por outro lado, não existe, no Brasil, uma cultura de cobrança pelos serviços de manejo de resíduos sólidos urbanos, o que muito compromete sua sustentabilidade econômico-financeira e a adoção das ações necessárias.
O gerador do lixo (tanto a população, coletivamente, quanto todos nós, isoladamente, como produtores de resíduos em nossas casas e estabelecimentos profissionais) não tem incorporada a cultura do pagamento pela destinação final adequada a ser dada aos resíduos que produziu, o que vai muito além da simples coleta em suas portas. É comum o usuário considerar natural e aceitável pagar pelo que entra em sua casa (como água e energia elétrica) e que impacta diretamente em seu cotidiano, mas o mesmo não ocorre com o que sai da sua casa e não mais se vê após coletado pelos caminhões de lixo.
Para que haja a necessária sustentabilidade econômico-financeira do manejo de resíduos sólidos urbanos, diversos estudos e levantamentos apontam para a importância de se estabelecer a cobrança de tais serviços. Essa medida, inclusive, é indicada na Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, que institui as diretrizes nacionais para o saneamento básico. No entanto, criar um novo encargo para a população envolve elevados custos políticos para os municípios, sendo imprescindível que sejam implementadas políticas públicas com participação de todos os entes federativos para que essas transformações possam ser implementadas ao longo do tempo.
A cobrança pelos serviços de manejo de resíduos sólidos pode ser feita por meio de taxa (tributo que remunera um serviço específico e divisível prestado ou disponibilizado ao contribuinte) ou por meio de tarifa (valor estabelecido contratualmente, quando a prestação ocorrer por regime de concessão do serviço à iniciativa privada).
Muitos dos municípios brasileiros não realizam qualquer espécie de cobrança, sendo que os custos de capital e operacionais referentes ao manejo de resíduos sólidos são cobertos por recursos gerais do Tesouro (que poderiam estar sendo utilizados para outras finalidades, se houvesse uma cobrança específica para os resíduos sólidos urbanos). E nos municípios em que é feita a cobrança, ainda há outros desafios a serem superados, tais como problemas de inadimplência ou questionamentos quanto à cobrança conjunta com outros serviços (como água e energia elétrica).
Outra questão que tem sido muito debatida como uma possível solução para o manejo de resíduos sólidos é a gestão associada de tais serviços, pela qual diversos municípios se reúnem em um consórcio público para adotar uma solução integrada e economicamente viável, com ganhos de escala que podem trazer muitos benefícios – como, por ex., um só aterro sanitário atender a diversos municípios contíguos de portes diversos, viabilizando a destinação adequada do lixo para todos.
Todas essas possíveis soluções e necessárias transformações vêm sendo discutidas nos mais diversos ambientes, assim como têm sido objeto de ações relevantes do Governo Federal, de Estados e de Municípios, com participação de entes como BNDES e Caixa Econômica Federal, numa união de esforços que visa uma mudança de cenário a médio e longo prazo.
Nessa mudança tem-se considerado também a participação da iniciativa privada, que, por meio de contratos de concessão de longo prazo, pode trazer recursos para os investimentos necessários, além de eficiência operacional e novas tecnologias que favoreçam a geração de renda e emprego, o aproveitamento energético e a transformação do lixo em produtos e insumos de importante valor econômico.
Concessões de serviços de manejo de resíduos também podem desonerar significativamente o Tesouro municipal, assim como viabilizar a realização de ações que exigem recursos materiais e tecnológicos de que os municípios não dispõem, propiciando expressivos ganhos diretos e indiretos (como economia fiscal e orçamentária relativa a gastos com saúde pública e remediação ambiental, e também geração de renda e emprego por meio de um sistema de coleta seletiva e triagem eficaz, entre outros).
A implementação de regimes de prestação de serviços de manejo de resíduos sólidos que tenham em vista sua sustentabilidade econômico-financeira mostra-se premente, de modo que o encerramento dos lixões e a remediação de seus efeitos danosos (não apenas ambientais, mas também socioeconômicos) possam se tornar uma realidade nos municípios brasileiros. Por outro lado, a mudança de perspectiva deve também atingir toda a população, na consciência quanto à geração de resíduos e à destinação que lhes será dada, e na responsabilidade por essa destinação, inclusive econômico-financeira, com ganhos qualitativos que devem ser levados em conta. A adoção consistente e eficaz de novos procedimentos e tecnologias pode gerar os mais diversos valores para o lixo, com benefícios econômicos, sociais e ambientais de longo alcance para todos.