Primeiras considerações sobre o filtro de relevância para a admissibilidade dos Recursos Especiais

Lippert Advogados

Por Morgana Grossi Zuffo

Em 14 de julho de 2022, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional no 125/2022, por meio da qual foram incluídos dois parágrafos ao artigo 105 da Constituição Federal. Através desses dispositivos foram criadas novas regras para admissibilidade dos recursos especiais, julgados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Como se sabe, o recurso especial foi instituído através da promulgação da Constituição Federal de 1988, com o objetivo de preservar a correta aplicação das leis infraconstitucionais e uniformizar o julgamento dos tribunais. Assim, a rigor, os recursos especiais não analisam o caso concreto do processo que está sendo julgado, mas sim se o julgamento realizado pelos tribunais estaduais e federais
observou as normas jurídicas vigentes.

Antes da promulgação desta Emenda Constitucional, o recurso especial já possuía requisitos de admissibilidade próprios, tais como a necessidade de prequestionamento, de esgotamento dos recursos ordinários e impossibilidade de revolvimento do contexto fático-probatório. No entanto, já há alguns anos se discutia uma forma de racionalizar e qualificar a atuação do STJ, até mesmo como forma de evitar que atue como terceira instância, ou como uma espécie de tribunal revisor de processos.

Em seu projeto original (PEC 209/2012 da Câmara dos Deputados), a justificativa para a criação do filtro de relevância era permitir que o STJ tivesse “[…] uma atuação mais célere e eficiente na solução das questões que lhe são apresentadas”¹. Ademais, a necessidade de demonstração da relevância do caso levado ao STJ espelhou-se no requisito da repercussão geral da questão constitucional existente nos recursos extraordinários julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

A Emenda Constitucional 125/2022 prevê, assim, que para que um recurso especial seja admitido, é necessário que seja demonstrada a relevância das questões de direito infraconstitucional apontadas pelo recorrente. Isso significa que a relevância se tornou um requisito de admissibilidade do recurso, ou seja, deverá ficar demonstrada antes do exame do mérito.

A Emenda não traz qualquer definição do que se considera como relevante, sendo provável que o legislador federal venha a traçar parâmetros mais concretos. Considerando a similitude do requisito de relevância com o requisito de repercussão geral presente no recurso extraordinário, é razoável supor que será necessário demonstrar a relevância da questão federal no sentido de que ela deverá ultrapassar os direitos subjetivos do processo que estiver sendo julgado, do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico².

Nesse sentido, também é possível compreender, desde logo, que serão relevantes as questões que efetivamente estejam relacionadas ao papel uniformizador do STJ, de modo que o tribunal deixe de decidir sobre questões que repercutam apenas no direito dos recorrentes. Isto é, em tese, com a redução do número de recursos, o STJ poderá cumprir de forma mais eficaz o seu compromisso de uniformização do direito infraconstitucional. Foram incluídos dois parágrafos ao art. 105 da CF: o parágrafo segundo prevê a necessidade de demonstração da relevância da questão federal discutida no caso, de modo que não serão conhecidos os recursos se 2/3 (dois terços) dos membros do órgão competente para julgamento não o admitirem. Isto é, será necessária uma decisão colegiada, por quórum qualificado, para que a relevância seja afastada.

Só não será necessário apontar a relevância (estará ela pressuposta) nas ações penais, ações de improbidade administrativa, ações cujo valor da causa ultrapasse 500 salários-mínimos, ações que possam gerar inelegibilidade e nas hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante do STJ, conforme previsto no parágrafo terceiro.

Além destas, o parágrafo terceiro prevê, em seu inciso VI, “outras hipóteses previstas em lei.”, o que deixa em aberto a possibilidade de que futuramente lei federal disponha sobre outras hipóteses de relevância presumida.

Efetivamente, uma das críticas ao filtro de relevância é a possibilidade de que o tribunal deixe de apreciar questões sensíveis, mas que não estejam incluídas nos incisos do parágrafo terceiro acima mencionado. Nesse sentido, a área cível deve ser bastante afetada, na medida em que, nesse primeiro momento, salvo para causas que contrariem jurisprudência dominante ou acima de 500 salários mínimos, o julgamento da presença ou não de relevância ficará inteiramente à subjetividade dos magistrados.

E o próprio critério econômico tem sido muito criticado, porquanto, ainda que uma causa não tenha um valor financeiro expressivo, pode ter um grande impacto social. Logo, vislumbra-se a possibilidade de o STJ vir a atuar em causas com grande repercussão econômica para as partes envolvidas, mas menos relevantes do ponto de vista social (e, portanto, que repercutiriam além do direito dos recorrentes, em cumprimento ao papel uniformizador do STJ).

De toda forma, parece positivo que o inciso VI do parágrafo terceiro permita a inclusão de outras hipóteses de relevância presumida, a serem regulamentadas no futuro, por lei federal, e conforme a necessidade se apresentar.

Outro ponto bastante controverso, inclusive pela sua falta de precisão, é a hipótese prevista no inciso V, ao dispor que será relevante questão “[…] em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante o Superior Tribunal de Justiça;”. Nesse inciso, fica a dúvida sobre o que será considerado como
jurisprudência dominante para fins de relevância do recurso especial. Tudo indica que a decisão não precisará contrariar apenas súmulas ou precedentes vinculantes (julgados em tema ou recursos especiais repetitivos, por exemplo), uma vez que o legislador não foi específico nesse sentido. Todavia, não fica claro o que será considerado como jurisprudência dominante.

Ademais, também parece que irá se admitir certo grau de divergência nas decisões proferidas pelos tribunais do país, na medida em que, embora a alínea “c“ do inciso II do art. 105 da Constituição Federal preveja o cabimento de Recurso Especial em casos de interpretação divergente entre tribunais (para julgamentos em que a situação fática seja semelhante), essa não é uma das hipóteses de relevância presumida, de acordo com a Emenda 125/22. Isto é, mesmo nos casos de divergência jurisprudencial entre tribunais estaduais ou federais, será necessário demonstrar a relevância do caso pois, do contrário, o recurso especial não será admitido.

Assim, tudo leva a crer que certos temas – que não serão considerados relevantes para serem julgados pelo STJ, tampouco sejam julgados de forma repetitiva – serão julgados definitivamente pelos tribunais estaduais ou federais.

Por fim, importa destacar que o art. 2o da EC 125/2022 estabelece que a demonstração da relevância será exigida já nos recursos especiais interpostos após a entrada em vigor da Emenda, o que ocorreu na data da sua publicação. Desse modo, entende-se que os recursos especiais interpostos desde então já
deverão demonstrar a relevância da questão em discussão.

Diante de todo o exposto, espera-se que a relevância como pressuposto de admissibilidade do recurso especial faça com que o papel uniformizador do STJ seja cumprido com mais eficiência, em especial considerando o grande volume de processos que chegavam ao STJ antes dessa Emenda. Todavia, somente com o tempo será possível avaliar se a medida foi suficiente para reduzir o número de recursos e, acima de tudo, auxiliar para que o Tribunal da Cidadania cumpra sua função de uniformização da legislação federal com mais eficiência.

¹ Proposta de Emenda a Constituição no 209/2012. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=node0lyjfnw8c6ii30

² Art. 1.035. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral, nos termos deste artigo.

§ 1o Para efeito de repercussão geral, será considerada a existência ou não de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo.

Fonte: Lippert Advogados

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