Por Daniel R. Fialho Nether
A constante transformação do ambiente de negócios – marcada por crises decorrentes de corrupção e fraudes -, e o aumento da demanda exercida pelos governos e pela sociedade em nível global, no sentido de cobrar um agir em conformidade com boas práticas, vêm forçando as organizações a ampliar o foco na governança.
Os custos de não conformidades estão maiores em razão de encargos com eventuais inquéritos e processos administrativos e/ou judiciais e, também, pelos reflexos de eventual envolvimento em escândalos que expõem a imagem e a reputação das companhias. E é nesse sentido que cabe à alta administração liderar o processo de implementação dos programas de integridade (ou compliance).
No Brasil, o termo Compliance passou a ser conhecido do grande público recentemente – a partir da publicação da Lei no 12.846/2013-, e estudos recentes apontam que, em menos de 06 anos de vigência dessa Lei, apenas cerca de 9% das organizações brasileiras não possuem um departamento responsável pela área de integridade/compliance.
Outro dado relevante: cerca de 43% das empresas que têm um departamento responsável pela área de compliance investem na figura de um Compliance Officer (i.e., em um profissional que tem como função garantir que todos os procedimentos realizados pela organização estejam de acordo com os regulamentos internos e com as leis externas à empresa).
Quer dizer: aproximadamente 57% das organizações que afirmam ter departamentos responsáveis pela área de compliance, não tem um profissional designado especificamente para essa função, a qual acaba sendo absorvida por profissional de departamentos mais “tradicionais” nas organizações, restando, os programas de integridade, via de regra, com pouca ou nenhuma efetividade.
Isso ocorre, porque se tende a subestimar as atribuições dos Programa de Integridade, delegando-se, àqueles que ficam por eles responsáveis, tarefas quase que exclusivamente vinculadas à conduta dos colaboradores e/ou
empregados da organização, como por exemplo: elaboração, manutenção e treinamentos relativos ao Código de Conduta; estruturação e manutenção do canal de denúncias e condução de investigações comportamentais.
Contudo, embora tais atribuições não sejam erradas, é fato que o Programa de Compliance engloba atribuições mais profundas e estratégicas para as organizações do que aquelas focadas somente na conduta de empregados e colaboradores.
Por definição, compliance é um processo sistemático e contínuo que visa à busca permanente de coerência entre aquilo que se espera de uma organização – respeito às regras, leis, propósitos, valores e princípios que constituem a sua identidade – e aquilo que ela, de fato, pratica no dia a dia.
De outra forma, estar em compliance é a consequência lógica de uma organização cumprir as suas obrigações de forma sustentável, incorporando o agir em conformidade à cultura da organização e ao comportamento e à atitude de seus empregados, colaboradores e buscando imprimir essa cultura a todos aqueles com quem travar relações.
Para tanto, para que se tenha um programa de integridade efetivo, ainda que seja focado somente na conduta, esse programa deve avaliar não apenas a conduta de empregados e colaboradores, mas também de
gestores/administradores, i.e., dos líderes, haja vista o “exemplo” da boa conduta vir de “da liderança” e replicar nas demais camadas da empresa.
Contudo, mais que um programa de integridade focado na conduta, as organizações precisam criar um sistema de gestão de compliance cujo escopo abarque uma ampla gama de matérias.
E não se está aqui tratando apenas da Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção):
o programa de integridade deve incorporar a conformidade quanto a todos os assuntos relacionados a legislações e compromissos assumidos pela
organização, englobando leis e regulamentos nacionais e internacionais a ela aplicáveis (tributos, importações, legislação trabalhista, p.ex.), licenças (alvarás, licenças ambientais, ANVISA, etc.), acordos e contratos firmados e demais obrigações e instrumentos assumidos pela organização.
A ideia, aqui, é a de que, por meio do programa de Compliance, a organização esteja estruturada de modo a não ficar exposta a quaisquer tipos de sanções legais ou contratuais, de modo a resguardar sua reputação e suas operações.
Por essa razão é que, para que o programa de Compliance efetivamente funcione, é preciso, em um primeiro momento, identificar e compreender a organização a que se destina e seu contexto, avaliando o ambiente econômico, regulamentar, social e cultural da organização, afim de regular o sistema de gestão a ser aplicado.
É preciso, também, identificar o grau de comprometimento da lideranças com o programa de Compliance, i,e: o apoio explícito e inequívoco da administração da organização é uma condição indispensável para que se crie um sistema de Compliance e se possa fomentar uma cultura ética e de respeito aos valores da organização e à legislação.
Após a avaliação do ambiente e de se ter certeza de que há comprometimento das lideranças para instituir um sistema de Compliance, é preciso entender quais as expectativas das partes envolvidas nas relações
travadas pela organização. Isso porque o sistema de compliance permeia todos os níveis da organização, bem como todas as relações que ela vier a travar com as mais diversas partes interessadas:
- Se com órgãos governamentais: deve-se atentar às obrigações trabalhistas e às obrigações fiscais;
- Se com clientes e fornecedores: deve atentar para qualidade, relacionamento com terceiros, conflito de interesses, facilitações;
- Se com clientes finais: deve atentar para os direitos e à defesa do consumidor e à qualidade do produto fornecido;
- Se com empregados: deve atentar para leis trabalhistas, saúde e segurança do trabalho, além dos deveres de proteção e respeito;
- Se com os Sócios: deve atentar para a transparência, equidade, prestação de contas, proteção e divulgação de informações, proteção de ativos e propriedade intelectual; e
- Se com a sociedade: deve atentar aos impactos sociais e ambientais da atividade da organização.
Como se pode ver, o programa de integridade, mais que mero programa visando a regular condutas de empregados e colaboradores de organizações, constitui-se em verdadeiro veículo que visa a promover a cultura da ética e da integridade em todas as relações e atividades entabuladas entre a organização e as partes com as quais ela estabelecer relações.
Por certo que são muitos os desafios a serem enfrentados em relação à ética e ao compliance, em especial em razão da forte concorrência, dos custos envolvidos na implementação dos programas, na redução das margens de ganhos, e em razão da vigilância permanente. Mas é certo, também, que o mercado valoriza, cada vez mais, empresas comprometidas com a integridade. O grande desafio é estabelecer uma cultura organizacional coerente com a identidade organizacional e baseada no exemplo da liderança.
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