Implementação de práticas é uma resposta a questões específicas ao invés de uma adaptação a exigências do mercado
A propagação da Covid-19 dominou a atenção mundial neste ano que caminha para o fim, e resultou na tomada de medidas extremas e até então nunca vividas por esta geração, como o lockdown generalizado na maioria dos países, interrompendo por completo ou, ao menos, retardando drasticamente as cadeias produtivas, e a rápida transição do regime de trabalho de diversas empresas para o home office – algumas em caráter permanente.
Não obstante a sombria tendência – e já quase realidade – da instalação de uma segunda onda da doença ao Brasil, semelhante ao que vem ocorrendo em países da Europa e nos Estados Unidos, nas últimas semanas, não há dúvidas de que, em um futuro muito próximo, teremos uma vacina eficaz e apta a imunizar grande parte da população mundial, ainda que temporariamente. Alguns países já até deram início à vacinação geral da população ou o farão nas próximas semanas. Diante deste cenário, o mundo se prepara para a realidade pós-Covid, referida por muitos como o “novo normal”. Trata-se de uma caracterização que consideramos equivocada ou, no mínimo, ingênua. A verdade é simples: tudo mudou. Resta nos adaptarmos e estarmos preparados para as novas formas de trabalho, produção, locomoção e disseminação de conhecimento.
Mas, antes de direcionarmos o nosso foco para o futuro, cabe refletirmos sobre o aprendizado que a Covid-19 tem nos proporcionado, em especial a claríssima evidência de que, mais do que nunca, as organizações – países, governos, empresas, sociedade – estão interligadas, e que um evento como a pandemia pode se alastrar de forma sistêmica e extremamente acelerada.
Há 20 anos atrás, chamaríamos isto de “globalização”. Hoje, nota-se que já ultrapassamos esta transição e podemos considerar essa interconectividade como a realidade.
Sob o ponto de vista empresarial, a pandemia engrenou as discussões sobre a adoção e o reforço das práticas ESG nas organizações, focadas em sustentabilidade e preservação do meio ambiente, responsabilidade social e governança (no original, em inglês, environmental, social and governance).
ESTÁ CADA VEZ MAIS EVIDENTE QUE A PREOCUPAÇÃO COM A MAXIMIZAÇÃO DO LUCRO NÃO PODE SER ABSOLUTA. PRÁTICAS TRADICIONALMENTE ASSOCIADAS À SUSTENTABILIDADE PASSARAM A SER CONSIDERADAS COMO PARTES ESSENCIAIS DAS ESTRATÉGIAS ADMINISTRATIVA E FINANCEIRA.
Com relação à sustentabilidade, propõe-se, dentre outras medidas, o foco no consumo adequado de energia e de recursos naturais (água, solo, madeira, recursos minerais), na diminuição na emissão de gases de efeito estufa, no tratamento dado aos animais e no manejo adequado de resíduos.
Já no quesito social, busca-se aprimorar as relações com os fornecedores, colaboradores, parceiros, clientes e comunidades, além de promover a inclusão, diversidade, saúde e segurança internas, a valorização dos direitos humanos, da privacidade e a proteção de dados – em linha com a recente entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados, a nível nacional.
Também se atenta a temas relacionados a geração de empregos, distribuição de renda, arrecadação de impostos, saúde, segurança e bem estar de funcionários e condições de trabalho dignas e adequadas.
E, com relação à governança, espera-se que a entidade se preocupe com os direitos dos acionistas, com a diversidade e a independência dos órgãos de administração, com a tomada de decisões de forma transparente e refletindo altos padrões éticos e com o repúdio e a punição exemplar a práticas de corrupção e do suborno.
A visão empresarial das práticas ESG, portanto, tem chamado a atenção tanto dos grandes players quanto dos pequenos investidores a fatores que costumavam não ser levados em consideração nas decisões de investimento e de planejamento estratégico, como, por exemplo, a corrupção e a política ambiental do Brasil, a privacidade e a segurança de dados em países da Europa e a falta transparência fiscal de jurisdições que, há algumas décadas, atraíam investidores justamente pelos aspectos “cinzentos” de suas regulações.
Ainda sob a perspectiva financeira, não é de hoje que a rentabilidade de empresas que incorporam aspectos ESG em suas operações tem se mostrado bastante atrativa. E isso se confirmou neste desafiador ano de 2020, em que índices de papéis emitidos por empresas com fortes práticas ESG demonstraram desempenho superior em comparação a mercados tradicionais.
Tratando especificamente do Brasil, temos visto uma preocupação cada vez maior com a sustentabilidade ambiental, principalmente em decorrência do impacto das tragédias de Mariana e Brumadinho, do protagonismo do agronegócio e da mineração na economia nacional e das recentes queimadas que castigaram as regiões da Amazônia e do Pantanal.
Na ótica social, podemos citar, especificamente, a recente iniciativa da Magazine Luiza de oferecer vagas exclusivas para pessoas negras em um programa de trainee e que, apesar de em um primeiro momento ter sido alvo de grande resistência de determinadas camadas da sociedade, foi considerada, ao final, uma iniciativa pioneira e um grande passo na inclusão social a nível corporativo.
Além disso, as sofisticadas operações investigativas e policiais dos últimos anos, aliadas a duras penalidades, evidenciaram a imprescindibilidade da adoção de boas práticas de governança, tendo em vista os imediatos impactos refletidos na avaliação e na rentabilidade das empresas – a perda de valor de uma entidade envolvida em uma investigação criminal é rápida e exponencial.
De modo geral, é possível concluir que a implementação de práticas ESG pelas empresas nacionais tem se configurado muito mais como uma resposta a questões específicas – regulatórias, investigativas, clamor da sociedade – ao invés de uma adaptação a exigências do mercado e de investidores institucionais, como visto em mercados mais sofisticados.
No entanto, espera-se que a pandemia da Covid-19 e suas rápidas e devastadoras consequências, tanto humanitárias quanto econômicas, demonstrem que a adoção de práticas visando a sustentabilidade ambiental, a inclusão e a diversidade social e a aprimoração da governança interna, tanto a nível nacional quanto mundial, deixou de ser um planejamento estratégico para o futuro e passou a ser uma exigência imediata para a sobrevivência e a prosperidade de empresas nestes novos tempos que se iniciam.
Fonte: JOTA e Coimbra & Chaves Advogados