Em 25 de junho de 2021, quase um ao após a apresentação da “primeira fase” do projeto de reforma tributária, o Projeto de Lei nº 3.887, de 2020, que institui a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), em substituição aos PIS e Cofins, a equipe econômica do governo apresentou a “segunda fase”, conforme Projeto de Lei nº 2.337, de 2021, levado ao Congresso, que abrange diversas alterações na tributação sobre a renda.
De imediato, o projeto causou críticas e rejeição, especialmente pelo fato do já anunciado retorno da tributação sobre os lucros e dividendos com alíquota de 20%, não ter vindo acompanhado pela diminuição proporcional do IRPJ, revelando nova tentativa de majoração da carga tributária e contrariando, mais uma vez, as reiteradas promessas deste governo e as próprias declarações públicas do ministro Paulo Guedes e do secretário José Tostes, de que as alterações do projeto seriam neutras e não importariam em aumento da tributação.
A abertura dos dados econômicos que instruíram o PL 2337/2021 e seu substitutivo é urgente e necessária
No entanto, a própria exposição de motivos do PL 2.237/2021 trouxe estimativas que já contestavam tais afirmações. Além disso, o próprio Ministério da Economia divulgou dados que contrariavam as falas de seu titular: inicialmente, previu-se um impacto financeiro de R$ 1,9 bilhões, entre 2022 e 2024; depois, foram retificadas, reajustando-se o impacto positivo na arrecadação para R$ 6,15 bilhões até 2024, conforme divulgado em “Nota Executiva” assinada pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil e pelo power point denominado “Detalhamento das Estimativas”.
Dois pontos merecem destaque: primeiro, o fato do órgão manter o discurso de que o impacto seria mínimo, não havendo que se falar em aumento da carga tributária; e, segundo, e mais espantoso, a circunstância destes dois documentos terem sido amplamente divulgados pela mídia e através de grupos de WhatsApp, reiterado modus operandi deste governo, mas inexplicavelmente não constarem de nenhum site oficial.
Em 13 de julho de 2021, além de eliminar outros pontos criticados do projeto original, o relatório preliminar reduziu a alíquota base do IRPJ em 10 pontos percentuais no primeiro ano, e 12,5% no segundo ano. Ou seja, em menos de 20 dias o relator do PL 2.337/2021 diminuiu em 7,5% a alíquota base do IRPJ constante do projeto original e não apresentou os cálculos em que se baseou para estabelecer as novas alíquotas. Agora, em 3 de agosto de 2021, apresentou o substitutivo consolidado, juntamente com novas estimativas que projetam um ganho de R$ 15,56 bilhões em 2022 e R$ 250 milhões em 2023. Novamente, os cálculos não foram apresentados, mas apenas um resumo dos “impactos totais” referente a cada fonte de receita discriminada, conforme power point apresentado.
Conforme alertado por José Roberto Afonso, os dados oficiais sobre o impacto da tributação sobre a distribuição de dividendos não são suficientemente confiáveis. Confirmam esta percepção as declarações do ministro Paulo Guedes, ao afirmar que a arrecadação com a tributação de dividendos permitiria a injeção de R$ 50 bilhões para reajuste do Bolsa Família. Para Raul Velloso, o governo tem feito chantagem com os parlamentares ao exigir a aprovação do PL 2337/2021 para financiar o programa social, sem que esteja claro se foram atendidos os requisitos da Lei de Responsabilidade Fiscal. Também não nos parece que os cálculos do governo consideraram que cerca de US$ 875 bilhões investidos por estrangeiros no Brasil, quase US$ 600 bilhões têm como fonte investidores em países europeus, sendo mais de 90% decorrentes de países com os quais o Brasil celebrou acordos internacionais para evitar a bitributação.
Nas bastassem todas as contradições e diferentes estimativas apresentadas, chama atenção a falta de disposição da Receita Federal em conceder acesso à memória dos cálculos originais que embasaram o PL 2.337/2021 e seu substitutivo consolidado, a fim de discuti-los com especialistas e sociedade civil, revelando uma atuação pautada no autoritarismo obscurantista.
Ao propor ao retorno a tributação sobre dividendos no Brasil, o governo traz alteração substancial na sistemática atual da tributação sobre a renda no país e sua aprovação e aceitação pela sociedade demanda amplo debate entre os diferentes atores políticos envolvidos. Isto porque, o sucesso de uma nova política tributária está diretamente ligado à sua capacidade de ser implementada de modo racional e participativo: quanto mais bem informados, mais lógica, menos subjetivismo e capacidade de aprovação tem o projeto.
Sem informações disponíveis e confiáveis não há possibilidade de se realizar um debate de qualidade. Além disso, a falta de transparência nos dados fundamentais até para a elaboração da lei bloqueia a própria seriedade da discussão. Informações sobre a arrecadação tributária não devem ser um bem guardado segredo.
Nesse sentido, a abertura dos dados econômicos que instruíram o PL 2337/2021 e seu substitutivo é urgente e necessária, pois só assim se fornecerá a possibilidade de um diálogo público informado, permitindo a construção democrática de uma alternativa viável a todos atores envolvidos, ajudando, inclusive, a superar o déficit de força de concretização (enforcement) da futura norma jurídica.
Lembremo-nos da advertência do Juiz Louis Brandeis: “A luz do sol é o melhor desinfetante”.
Fonte: Bichara Advogados para Valor Econômico