O contribuinte se vê compelido a impugnar o auto de infração com a maior brevidade possível
Por Alexandre T. Jorge, Carolina J. Müller e Giuseppe P. Melotti
Durante o despacho aduaneiro de importação é comum que a fiscalização divirja das informações prestadas pelo importador – por exemplo, a classificação fiscal – exigindo a retificação da Declaração de Importação (DI) e, em caso de discordância deste, lavrando o auto de infração.
Durante o procedimento, a mercadoria fica retida na alfândega, gerando custos para o importador, além de impedi-lo de receber os bens de que necessita para suas atividades. E, mesmo após a autuação e sua impugnação, a Receita Federal exige garantia para liberar os produtos.
A priori, essa conduta estaria respaldada no entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) fixado no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.090.591, segundo o qual “é constitucional vincular o despacho aduaneiro ao recolhimento de diferença tributária apurada mediante arbitramento da autoridade fiscal.”
Ocorre que sua aplicação vem sendo adotada de forma indiscriminada, como se abrangesse qualquer hipótese de erro na Declaração de Importação.
Antes desse julgamento, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerava ilegal condicionar o desembaraço aduaneiro ao recolhimento da diferença de tributos e multa, ou à apresentação de garantia por parte do importador, quando estivesse em pauta a pretensão de reclassificação fiscal da mercadoria.
A exemplificar, duas situações bastante conhecidas do público geral: pão de mel é espécie de bolo ou de pão? E a Crocs, é sapato impermeável ou sandália de borracha?
O STJ valia-se da jurisprudência histórica do STF (Súmula 323) rechaçando as chamadas sanções políticas, isto é, restrições administrativas não-razoáveis ou desproporcionais ao exercício de atividade econômica ou profissional, utilizadas para coagir o contribuinte ao pagamento de tributos e penalidades.
Após o julgamento do RE 1.090.591, o cenário mudou substancialmente e os Tribunais Regionais Federais têm aplicado indiscriminadamente esse precedente vinculante a causas que não apresentam as mesmas particularidades, admitindo que se condicione a liberação da mercadoria retida ao pagamento dos tributos e multas ou à prestação de garantia no seu montante, inclusive em casos de infrações menores como a divergência na classificação fiscal.
E aí o problema: o RE 1.090.591 envolvia um caso de subfaturamento na importação, situação absolutamente distinta do mero erro ou divergência na classificação fiscal do produto.
O subfaturamento tem como consequência o arbitramento, pela fiscalização, do preço das mercadorias importadas, seguido de multa de 100% da diferença entre os preços e cobrança dos tributos, multa de ofício e encargos legais. Já a divergência na classificação fiscal enseja multa de 1% do valor aduaneiro, acrescida de eventuais diferenças tributárias, multa de ofício e juros de mora, de modo que há clara diferença entre os dois cenários.
Ademais, a retenção dos bens, cujo crédito tributário está com a exigibilidade suspensa em razão da apresentação de impugnação, opera a favor da lógica do solve et repete (pague e depois reclame), própria de regimes autoritários e que ignora que o Fisco dispõe de meios próprios para perseguir seus créditos, inclusive com a adoção de providências específicas quando há fundado receio de frustração no seu recebimento, como o arrolamento de bens e a propositura de medida cautelar fiscal.
Ainda, o artigo 151, inciso III, do Código Tributário Nacional (CTN), ao prever que a impugnação suspende a exigibilidade do crédito tributário, não condiciona tal efeito à existência ou não de garantia. Admitir a exigência de caução para a liberação das mercadorias retira os efeitos desse dispositivo, bem como mitiga o direito de defesa e o devido processo legal. Isso porque o contribuinte se vê compelido a impugnar o auto de infração com a maior brevidade possível para, em seguida, oferecer uma garantia a um crédito tributário com exigibilidade suspensa, de modo a viabilizar a liberação dos bens.
Com efeito, cria-se um jabuti, pois os importadores autuados durante o despacho aduaneiro necessitarão impugnar o auto de infração e apresentar uma garantia ao crédito tributário, ao passo que aos demais contribuintes (inclusive os importadores autuados em sede de revisão aduaneira, ou seja, após o desembaraço) “bastará” impugnar o auto de infração para usufruir dos efeitos da suspensão da exigibilidade do crédito tributário.
Ora, a exigência de garantia para liberação das mercadorias importadas não pode ser banalizada. A inexigibilidade de garantia, para a hipótese de divergência de classificação fiscal, coaduna-se com as próprias medidas de facilitação de comércio e gestão de riscos adotadas pela Receita Federal, segundo as quais o controle no despacho aduaneiro deve se concentrar em operações de maior risco, enquanto aquelas de menor risco – como é o caso da divergência na classificação fiscal – podem ser examinadas em revisão aduaneira, após o desembaraço e até 5 anos do registro da DI, visando desafogar as alfândegas, agilizar o despacho aduaneiro e reduzir os custos da operação.
Fonte: Bichara Advogados para Valor Econômico