Por David Rodrigues
A marca pode ser tida como o “DNA” de uma empresa, pois é quem criará uma relação direta – e por vezes íntima e de cumplicidade – entre clientes e os produtos ou serviços que são comercializados pela empresa.
Nos dias atuais, tão importante quanto a marca é o endereço virtual destas empresas, na medida em que suas atividades comerciais têm sido direcionadas cada vez mais para o ambiente virtual.
Dentre as diversas formas de apresentação que uma empresa pode utilizar no ambiente virtual, o nome de domínio é, sem dúvida, um dos maiores causadores de controvérsias. Isso porque, enquanto no mundo físico as marcas podem ser utilizadas simultaneamente para assinalar produtos de naturezas diferentes, por titulares distintos, respeitando assim o princípio da especialidade (resguardados os casos de marcas de alto renome), no mundo digital o nome de domínio pertencerá àquele que solicitar seu registro primeiro.
Dentro deste contexto, um determinado nome de domínio pode vir a ser disputado por diversas empresas, algumas agindo de boa-fé, buscando apenas um endereço virtual que se relacione com sua marca, produto ou serviço, outras tentando se aproveitar do prestígio alheio, registrando endereços compostos pela marca de terceiros na expectativa de vende-los posteriormente aos legítimos interessados, ou então utilizá-lo indevidamente, enganando eventuais usuários que venham acessar a página acreditando se tratar de um endereço relacionado à marca/empresa. Tal prática é definida como “cybersquatting”.
Ainda nesta esfera, outra prática bastante lesiva relacionada ao registro indevido de nomes de domínio é o “typosquatting”, que é quando este agente de má-fé efetua o registro do domínio relacionando-o a alguma marca, porém, com alguns erros de digitação, tentando se passar pelo site oficial ao induzir o usuário a acreditar que esta acessando o nome de domínio desejado.
Esta disputa dos titulares de marcas pelos seus respectivos nomes de domínio correspondentes fica ainda mais acirrada em decorrência da adoção, pelo CGI, do princípio do “first served, first come”, onde é garantida a titularidade do nome de domínio àquele que primeiro o requerer.
Tais práticas são inquestionavelmente lesivas, tanto para o internauta como para o titular da marca, uma vez que se lastreiam no enriquecimento ilícito do agente que efetua o registro ilegítimo do domínio, devendo ser coibidas a fim de evitar prejuízos para ambos. Contudo, inicialmente a única maneira de enfrentar este problema era pela via judicial, o que levou a uma enxurrada de processos, sobrecarregando nosso já assoberbado Poder Judiciário, submetendo os legítimos titulares de Direitos de Propriedade Intelectual aos percalços e morosidade de um litígio judicial.
Quando das primeiras disputas judiciais, entendia-se que o lesado, Autor da ação, precisava ingressar não apenas contra o titular do nome de domínio, mas também contra a entidade responsável pelo seu registro, à época a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), o que tornava o processo ainda mais burocrático, devido a inclusão da Fazenda Pública no polo-passivo da ação. No entanto, a jurisprudência consolidou o entendimento de que o órgão responsável pelo registro dos domínios não é parte legítima para figurar no polo-passivo das ações desta natureza.
Visando amenizar os problemas decorrentes de tais práticas, o Comitê Gestor da Internet – CGI, entidade responsável pelo registro dos nomes de domínio “.br”, disponibilizou a partir do ano de 2010 um sistema de solução de conflitos extrajudicial que, baseado na arbitragem, propunha uma solução mais rápida para conflitos desta natureza, o SACI – Sistema Administrativo de Conflitos de Internet.
O sistema de solução de conflitos apresentado pelo CGI possui diretrizes procedimentais próprias, pautando-se nos seguintes princípios:
1º) analisar não apenas casos relacionados à conflitos de marcas, mas também referentes a nome empresarial e direitos personalíssimos, a exemplo de nome civil, nome de família ou patronímico, pseudônimo, nome artístico ou outro nome de domínio;
2º) ter seu julgamento realizado por especialistas brasileiros;
3º) possibilitar ao requerente a escolha da instituição que conduzirá o procedimento, dentre aquelas previamente selecionadas.
Viabilizou-se a adoção do SACI-Adm através da mudança do contrato eletrônico apresentado quando do registro, ou renovação, de um nome de domínio, não se afastando por completo a possibilidade de resolução por meio da via judicial, mas incluindo o procedimento administrativo como uma alternativa na resolução de eventuais conflitos.
Atualmente, o SACI-Adm dispõem de 3 organizações credenciadas para julgar estes casos, quais sejam, a Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI), a Câmara de Comércio Brasil Canadá (CCBC) e a Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI).
Para que o litígio possa vir a ser julgado pelo SACI-Adm, é preciso que o Reclamante demonstre que o nome de domínio foi registrado ou está sendo usado de má-fé. Para tanto, deve restar comprovada algumas das seguintes hipóteses:
a) ter o Titular registrado o nome de domínio com o objetivo de vendê-lo, alugá-lo ou transferi-lo para o Reclamante ou para terceiros; ou
b) ter o Titular registrado o nome de domínio para impedir que o Reclamante o utilize como um nome do domínio correspondente; ou
c) ter o Titular registrado o nome de domínio com o objetivo de prejudicar a atividade comercial do Reclamante; ou
d) ao usar o nome de domínio, o Titular intencionalmente tente atrair, com objetivo de lucro, usuários da Internet para o seu sítio da rede eletrônica ou para qualquer outro endereço eletrônico, criando uma situação de provável confusão com o sinal distintivo do Reclamante.
Além disso, é preciso comprovar também existência de pelo menos um dos seguintes requisitos:
a) o nome de domínio é idêntico ou similar o suficiente para criar confusão com uma marca de titularidade do Reclamante, depositada antes do registro do nome de domínio ou já registrada, junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI; ou
b) O nome de domínio é idêntico ou similar o suficiente para criar confusão com uma marca de titularidade do Reclamante, que ainda não tenha sido depositada ou registrada no Brasil, mas que se caracterize como marca notoriamente conhecida em seu ramo de atividade para os fins do art. 126 da Lei nº 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial); ou
c) O nome de domínio é idêntico ou similar o suficiente para criar confusão com um título de estabelecimento, nome empresarial, nome civil, nome de família ou patronímico, pseudônimo ou apelido notoriamente conhecido, nome artístico singular ou coletivo, ou mesmo outro nome de domínio sobre o qual o Reclamante tenha anterioridade;
Preenchidos os requisitos retro elencados, o Reclamante determinará se sua causa será julgada por 1 ou 3 especialistas, recolhendo as custas correspondentes e realizando a distribuição da reclamação. Na sequência é dada oportunidade para o Reclamado, titular do nome de domínio objeto da disputa, apresentar sua defesa, onde este deve trazer os motivos pelos quais possui direitos e legítimos interesses sobre o nome do domínio em disputa, devendo anexar todos os documentos que entender convenientes para o julgamento.
Não é praxe a realização de audiência, contudo esta poderá ser solicitada caso o(s) especialista(s) entender(em) que sua realização é estritamente necessária para a decisão do conflito.
Caso o Reclamado não apresente defesa nos autos, o(s) especialista(s) deverá(ão) decidir o conflito baseado nos fatos e nas provas apresentadas pelo Reclamante, sendo que a decisão não poderá, em hipótese alguma, fundar-se apenas na revelia da Parte.
A decisão proferida limitar-se-á a determinar a manutenção do registro, a sua transferência ou o seu cancelamento, devendo conter, necessariamente:
a) Relatório com o nome das partes e um resumo do conflito;
b) Os fundamentos da decisão, que disporá sobre as questões de fato e de direito;
c) O dispositivo, com todas as suas especificações e prazo para intimação do NIC.br para cumprir a decisão, se for o caso;
d) A data e lugar em que foi proferida.
Tendo tomado ciência da decisão proferida, as partes poderão solicitar ao(s) especialista(s), no prazo de 5 (cinco) dias contados da ciência da decisão, que corrija(m) qualquer erro material ou esclareça(m) alguma obscuridade, dúvida ou contradição da decisão, ou, ainda, que se pronuncie(m) sobre qualquer ponto omisso da decisão.
Caso a decisão proferida determine que o nome de domínio objeto do conflito seja transferido ao Reclamante ou seja cancelado, o CGI aguardará o decurso do prazo de 15 (quinze) dias úteis contados da data em que foi comunicado pela instituição credenciada da decisão, implementando-a em seguida, salvo se qualquer das partes comprovar que ingressou judicialmente neste período, ocasião em que a decisão do proferida no procedimento não será implementada.
Vale destacar que o procedimento SACI-Adm não prevê qualquer esfera recursal, sendo as questões apresentadas resolvidas em instância única.
Por certo, as Partes podem se compor amigavelmente no decorrer do procedimento, ocasião em que o(s) especialista(s) poderá(ão), a pedido destas, declarar tal fato em uma decisão, observando, no que couber, o disposto no regulamento do procedimento.
Cumpre esclarecer que, para que seja mantida a isenção no julgamento dos procedimentos, não poderá ser nomeado Especialista aquele que:
a) For Parte no conflito;
b) Interveio na solução do conflito objeto do procedimento do SACI-Adm como mandatário da Parte, testemunha ou perito;
c) For cônjuge, parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral de alguma das Partes, até o terceiro grau;
d) For cônjuge, parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral do procurador, representante ou advogado das Partes no procedimento do SACI-Adm, até o terceiro grau;
e) Participar de órgão de direção ou administração de Pessoa Jurídica Parte no conflito ou for sócio ou acionista;
f) For amigo íntimo ou inimigo de uma das Partes;
g) For credor ou devedor, de uma das partes ou de seu cônjuge, ou ainda parentes, em linha reta ou colateral, até terceiro grau;
h) For herdeiro, empregador ou empregado de uma das Partes;
i) Receber dádivas antes ou depois de iniciado o procedimento do SACI-Adm;
j) Aconselhar alguma das Partes acerca do objeto do procedimento do SACI-Adm, ou fornecer recursos para atender às despesas do procedimento;
k) For membro ou funcionário do NIC.br ou do CGI.br.
Ocorrendo quaisquer destas medidas, competirá ao especialista declarar, a qualquer momento, seu impedimento ou suspeição e recusar a sua nomeação ou apresentar renúncia, ficando pessoalmente responsável pelos danos que vier a causar pela inobservância desse dever. Neste caso, ou em ocorrendo incapacidade moral ou física ou morte do Especialista designado, este será substituído, na forma estabelecida pela instituição credenciada.
Além disso, caso o Especialista não se declare impedido, é garantido à qualquer das Partes arguir seu impedimento ou suspeição, comunicando imediatamente tal fato à instituição credenciada.
São inúmeras as vantagens pela adoção do procedimento administrativo SACI-Adm, mas sem dúvida as principais delas são a certeza de que seu procedimento será julgado por alguém que entende do tema, bem como sua celeridade, uma vez que este deve se encerrar no prazo máximo de 90 (noventa) dias contados da data de seu início, podendo ser prorrogado a critério da instituição credenciada, desde que não ultrapasse 12 (doze) meses.
Desde a disponibilização do procedimento, em setembro de 2010, foram apresentadas 256 disputas, isso até o final de 2018. Analisando a quantidade de procedimentos instaurados por ano desde então, constata-se que sua utilização tem sido crescente, comprovando sua boa aceitação entre aqueles que enfrentam dificuldades com nomes de domínios geridos pelo CGI.
Certamente, a utilização de meios extrajudiciais para resolução de conflitos ainda é algo relativamente novo no Brasil, existindo muito espaço para crescimento, o que dependerá especialmente de uma mudança cultural dos operadores do direito.
[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]