Por Ana Paula Brito e Maria Eduarda Junqueira
A proteção dos direitos de propriedade industrial no Brasil é estabelecida no plano constitucional e infraconstitucional, respectivamente pelo Artigo 5º, item XXIX, da Constituição da República Federativa do Brasil e pelas disposições da Lei nº 9279/96 (Lei da Propriedade Industrial).
Entre suas diferentes modalidades, destacam-se os modelos de utilidade e as patentes de invenção concedidos aos respectivos requerentes nas condições estabelecidas na Lei de Propriedade Industrial mencionada acima. No entanto, para que tais inovações sejam efetivas e concedidas pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), o requerimento deve passar por várias etapas administrativas até que a patente correspondente seja concedida. Para que todas as etapas sejam bem-sucedidas, é fundamental a participação de um órgão técnico especializado que trabalhe em estreita colaboração com o cliente.
Mais do que contar com uma equipe técnica especializada, no entanto, a chave para uma estratégia bem-sucedida para obtenção de uma patente, é a interação entre a equipe técnica e a equipe jurídica. Considerando o nível de complexidade no cenário de propriedade industrial, a dialética entre a legislação e outras áreas técnicas ganha importância notável e revela, sem dúvida, que a propriedade industrial é um sistema não apenas multidisciplinar, mas também interdisciplinar.
Existem inúmeras particularidades inerentes ao sistema de patentes brasileiro, tanto legislativas quanto administrativas, que devem ser observadas pelo requerente da patente, tais como: o escopo da matéria para a qual é requerida proteção, os requisitos de patenteabilidade o levantamento do estado da técnica, prazos administrativos, forma de redação, entre outros. Não apenas isso, mas é fundamental que a especialização da equipe técnica, em si, esteja alinhada com a especialização abordada pela solução técnica a ser protegida.
Embora não seja obrigatório, é recomendado, por exemplo, que a redação de um pedido de patente envolvendo uma formulação farmacêutica seja redigido e conduzido por um profissional graduado em farmácia ou química, bem como especializado em propriedade industrial. Da mesma forma, um pedido de patente envolvendo uma solução técnica para um problema técnico na área de telecomunicações deverá ser acompanhado por um profissional especializado em engenharia de telecomunicações e com conhecimento em propriedade industrial – e assim por diante.
A busca pela proteção de ativos intangíveis por meio do sistema de patentes, no entanto, não se encerra na esfera administrativa; na verdade, é ali onde ela começa.
Nos termos do art. 42 da Lei de Propriedade Industrial, uma patente garante ao seu titular o direito de impedir que terceiros realizem atos de exploração econômica do objeto da patente sem autorização adequada. Portanto, após a concessão da patente, é possível que o titular seja levado a tomar medidas para fazer valer seus direitos e garantir a exclusividade de sua invenção, buscando evitar atividades ilícitas praticadas por usurpadores. Tais medidas, inicialmente, ocorrem por meios extrajudiciais e, no caso de frustração da tentativa de uma resolução amigável, devem ser levadas ao judiciário.
Ainda, uma vez concedida a patente, ela está sujeita a processos administrativos ou judiciais de nulidade instaurados por terceiros que tenham legítimo interesse- ações de nulidade podem ser propostas a qualquer momento durante o prazo da patente, de acordo com o art. 56 da Lei de Propriedade Industrial.
Nesse sentido, a interação técnico-jurídica discutida aqui ocupa seu lugar principal muito antes do início do litígio judicial. Seja para a elaboração de uma notificação extrajudicial para alertar terceiros sobre práticas de violação de patente, ou para a elaboração de um documento que assegure a não violação de direitos de terceiros (FTO – ”freedom to operate”), a cooperação entre advogados e engenheiros é essencial.
Isso significa que, para a devida instrução de um litígio cuja causa de pedir diga respeito à existência de uma patente (alegações de violação, não violação ou nulidade), a equipe técnica composta por profissionais especializados em assuntos de patentes e com conhecimento em propriedade industrial deverá fornecer os argumentos técnicos que darão suporte às necessidades do cliente e à estratégia correta a ser adotada.
Em sequência, a equipe jurídica entra em cena fornecendo suporte à estratégia técnica com argumentos legais, o que confirma a interdisciplinaridade da propriedade industrial. Como em uma simbiose de uma relação harmônica perfeita entre dois organismos, as equipes técnica e jurídica promovem uma relação complementar, trazendo ganhos ao cliente, que será mais bem orientado nos dois fronts: administrativo e judicial.
Quando a controvérsia é levada aos tribunais – seja através de uma ação por violação de patente ou ainda por uma ação de nulidade – seu resultado só pode ser decidido por meio da produção de provas periciais conduzidas por um perito imparcial, confiável pelo tribunal, conforme previsto no art. 464 e seguintes do Código de Processo Civil brasileiro.
Embora a jurisprudência brasileira seja unânime no entendimento de que o tribunal não está vinculado ao laudo pericial apresentado durante a instrução processual, a prática brasileira demonstra que há poucos casos em que os juízes vão contra a conclusão do perito – e isso acontece por apenas um motivo: o perito é quem detém o conhecimento técnico especializado que é objeto da controvérsia da patente, enquanto o juiz possui o conhecimento jurídico.
Portanto, mesmo que advogados e juízes tenham amplo conhecimento jurídico, se a controvérsia girar em torno das reivindicações da patente – que definem tecnicamente o escopo de sua proteção e, consequentemente, de quaisquer alegações de violação, validade ou nulidade- a interdisciplinaridade com a área técnica especializada no objeto da patente em discussão não é apenas importante, mas essencial para elevar a qualidade da discussão técnica levantada no cenário judicial.
De fato, o próprio Código de Processo Civil brasileiro ressalta a relevância dessa interação ao definir que ambas as partes, em uma disputa judicial, podem indicar seus respectivos assistentes técnicos e questionamentos para contribuição com a fase pericial. Esses assistentes, preferencialmente, devem ter experiência técnica no assunto da patente em questão – uma vez que o aprimoramento do entendimento do campo de invenção discutido pode promover discussões ainda mais técnicas e de melhor qualidade, especialmente em reuniões com o perito, bem como na elaboração de pareceres convergentes ou divergentes a serem apresentados após a entrega do laudo pericial, conforme permitido pelo art. 477, § 2º do CPC.
Portanto, assim como em uma orquestra, em que cada instrumento precisa entrar no momento certo e em que as notas devem ser tocadas com precisão dentro da tonalidade para que a melodia final possa ser impecável, o mesmo acontece em uma equipe especializada em propriedade industrial, que fornecerá a consultoria necessária em assuntos relacionados a patentes: tanto as equipes técnicas quanto jurídicas precisam estar em sintonia e alinhadas, complementando e integrando uma à outra para que, no final, o cliente possa ter a estratégia final com excelência.
Apelação Cível 0061601-76.2016.4.02.5101 (TRF2 2016.51.01.061601-3)
Resumo: PROPRIEDADE INDUSTRIAL. NULIDADE DE PATENTE. NOVIDADE E ATIVIDADE INVENTIVA. PERÍCIA JUDICIAL. PARECER TÉCNICO DO INPI. LEI 9.279/96. – O autor se opõe à sentença proferida nos autos do presente processo, buscando a nulidade da patente de invenção PI0003237-9, intitulada “MÁQUINA UNIVERSAL PARA RECUPERAÇÃO DE CARTUCHOS DE IMPRESSORAS JATO DE TINTA E PROCESSO DE OBTENÇÃO”, de propriedade de LUCIANO PIQUET DA CRUZ. – A concessão do registro fica condicionada ao fato de que o objeto não esteja compreendido no estado da técnica, que é constituído por tudo o que se tornou acessível ao público antes da data de depósito do pedido, no Brasil ou no exterior, por uso ou qualquer outro meio. – Foi demonstrado nos autos do processo que a patente em questão apresenta novidade, pois difere do caso anterior mencionado, bem como possui atividade inventiva, conforme relatório pericial e parecer técnico do INPI. – É verdade que o juiz não
está vinculado ao laudo pericial e pode invalidar as conclusões do perito quando os elementos nos autos do processo comprovam, de fato, que o objeto da patente não preenche os requisitos previstos na Lei de Propriedade Industrial. – Em relação às alegações sobre a inserção de nova matéria na patente em questão, as alterações foram feitas no âmbito do procedimento regular do INPI, em conformidade com a Lei 9.279/96, por meio dos requisitos que o órgão entendeu serem aplicáveis, conforme demonstrado pelo primeiro parecer técnico do INPI em sua resposta. – Jurisprudência dominante. – Majoração dos honorários recursais em 2% (dois por cento), nos termos do art. 85, § 11, do CPC de 2015, considerando os parâmetros do § 2º do mesmo artigo. – Apelação desprovida. Sentença confirmada.
1ª Turma Especializada, Data do julgamento: 26/04/2019, Data de disponibilização: 02/05/2019,
Relator: Desembargador Paulo Espírito Santo.
Escritório Aliado: Montaury Pimenta, Machado & Vieira de Mello