Em 29/08/2023, foi publicada a Solução de Consulta n° 99.009/2023 pela Receita Federal do Brasil (RFB), que dispõe sobre a incidência de contribuições sociais previdenciárias sobre a verba paga ao empregado pela supressão parcial ou total do intervalo intrajornada, após a vigência da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467, de 2017). Nessa oportunidade, o fisco entendeu que a hora de repouso alimentação (HRA) integra a base de cálculo das contribuições sociais previdenciárias sobre a folha de salários e salário-de-contribuição, convergindo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 1.963.274.
A Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) alterou a redação do §4º do art. 71 da CLT, determinando que “a não concessão ou a concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento, de natureza indenizatória, apenas do período suprimido, com acréscimo de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho”.
O valor pago a título de HRA tem o objetivo de indenizar os empregados que se mantêm disponíveis no local de trabalho ou em suas proximidades, durante o intervalo intrajornada para repouso e alimentação. Em outras palavras, o trabalhador recebe a remuneração pela jornada normal de trabalho e, adicionalmente, também recebe pela hora colocada à disposição da empresa durante o tempo que deveria ser destinado ao repouso e à alimentação.
Recorde-se, a 2ª Turma do STJ, no julgamento do AgInt no REsp nº 1.963.274, menciona que a 1ª Seção superou a divergência existente entre as duas turmas de direito público do Tribunal, uniformizando o entendimento de que a verba devida a título de Hora Repouso Alimentação (HRA) possui natureza remuneratória, submetendo-se à incidência de contribuição previdenciária. O min. Herman Benjamin fundamenta a incidência das contribuições sobre a remuneração do repouso intrajornada por analogia à incidência sobre os valores de hora extra. Para ele, o empregado recebe pelas horas efetivamente trabalhadas, ou à disposição do empregador, ainda que parcela dessas horas seja paga em dobro a título de HRA.
O Supremo Tribunal Federal (STF), ao ser provocado sobre o tema, decidiu por não analisar o mérito da controvérsia por entender pela inexistência de repercussão geral, conforme definido no julgamento do RE nos EDcl nos EREsp nº 1.619.117, prevalecendo, assim, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Por tais razões, verifica-se que o posicionamento que já vinha sendo adotado pela Receita Federal do Brasil tem prevalecido na jurisprudência.
Para o nosso sócio fundador, Paulo Coimbra, “a Solução de Consulta da RFB tem respaldo em uma recente mudança de entendimento do STJ. Entendemos que a aplicação análoga do entendimento fixado para as horas extras aos valores pagos a título de HRA é indevida. A par disso, o §1º do art. 108 do CTN, em prestígio à legalidade, veda a exigência de tributo por analogia. Esse recurso deve ser utilizado ‘na ausência de disposição expressa’. Em outras palavras, o intérprete pode se valer da analogia somente diante de lacunas, o que não se verifica no caso. A Reforma Trabalhista, ao dar nova redação ao art. 71, §4º, da CLT, expressamente consignou que o valor pago ao empregado pela supressão parcial ou total do intervalo intrajornada tem natureza indenizatória. Se a verba é paga para reparar ou compensar um ‘dano’, não configura remuneração, visto que sua finalidade não é retribuir o trabalho. Afirmar que o fato de a ‘redação do § 4º do art. 71 da CLT ter atribuído natureza jurídica indenizatória/compensatória ao pagamento da AHRA não possui qualquer reflexo tributário’ beira o absurdo. A lei define claramente a natureza jurídica indenizatória, que decorre da essência da verba. O Direito Tributário é um direito de superposição, que incide sobre figuras do direito privado. Assim, os conceitos e institutos do direito privado, que são utilizados para a definição da competência tributária, não podem ser deturpados, conforme previsto no art. 110 do CTN. É um total desrespeito com a sistematização e coerência sistêmica exigida pela lógica e pelo ordenamento jurídico. O Direito Tributário não tem figuras de incidência própria nesse caso, visto que incide sobre instituto do direito privado (salário)”.
Ele complementa: “é necessário que o STJ também enfrente outra questão sobre a matéria. Ao buscar esclarecer a natureza jurídica da HRA, a nova redação do § 4º do art. 71 da CLT revela a sua natureza interpretativa, visto que veio fazer uma clara opção do legislador quanto à natureza jurídica desta parcela, que era objeto de controvérsia. Portanto, essa norma deve ter, inclusive, efeitos retroativos, em razão do art. 106, I, do CTN. A par de tais considerações, entendemos que a mudança de posicionamento dos tribunais superiores, especialmente em temas tributários, a despeito da expressa disposição legal sobre a matéria, certamente atenta contra a segurança jurídica e desestimula a realização de investimentos.”
Escritório Aliado: Coimbra, Chaves & Batista Advogados